Crescente escassez de água na
China pode afetar seu crescimento e sua estabilidade
A crescente escassez de água na
China pode afetar seu crescimento e sua estabilidade. Está enfraquecendo seu
impulso como uma potência global que assume um papel ativo na política
internacional pela primeira vez na sua história milenar como um Estado
unificado.
Com 19% da população mundial, a
China possui apenas 6% da água doce do planeta
Essa escassez pode vir a ser
muito mais importante para o futuro da China que os escândalos e as lutas pelo
poder dentro da liderança do Partido Comunista, que recentemente capturaram a
atenção internacional. Nas palavras de Wang Shucheng, ex-ministro dos recursos
hídricos: “Lutar por cada gota de água ou morrer: esse é o desafio que a China
enfrenta”.
Essas apreensões ganham urgência.
“As restrições de nossos recursos hídricos disponíveis se tornam mais aparentes
a cada dia”, disse Hui Siyi, vice-ministro dos recursos hídricos, numa coletiva
de imprensa no início deste ano. “A situação é extremamente séria em diversas
áreas. Com o desenvolvimento veloz, o uso da água já ultrapassou o que os
nossos recursos naturais podem suportar. Se não tomarmos medidas fortes e
firmes, será difícil reverter a escassez que diariamente agrava a situação da
água.” De acordo com o Premier Wen Jiabao, a escassez de água ameaça a
“sobrevivência da nação chinesa”.
Com 19% da população mundial, a
China possui apenas 6% da água doce do planeta. Os problemas de água ali são
profundos e complexos, com várias causas, incluindo: (1) tarifas baixas,
desperdício e uso excessivo; (2) rápido esgotamento dos grandes reservatórios
subterrâneos acumulados ao longo de milhares de anos; (3) erosão, desmatamento
e assoreamento dos rios; (4) deterioração da infraestrutura de irrigação; (5)
poluição dos rios e lençóis freáticos por resíduos agrícolas, industriais e
domésticos. Especialistas chineses dizem que a poluição é um problema tão
grande quanto a disponibilidade física de água. Um terço da água que flui nos
rios da China é tão poluído que é impróprio para qualquer uso, tanto para
residências e indústrias quanto para agricultura. O Banco Mundial alerta sobre
“consequências catastróficas para as gerações futuras” se não for alcançado um
equilíbrio entre o uso e o fornecimento.
Escassez
global
A escassez de água agora é global, mas pode
ser mais crítica na China que em qualquer outro grande país. Com 97% da água do
mundo contida nos oceanos salinos, o grosso da água doce é retido nas geleiras
polares e das montanhas. Menos de um terço de toda a água doce é potencialmente
acessível em aquíferos, lagos, rios e pântanos.
Um novo estudo do McKinsey Global
Institute (MGI) projeta que a demanda mundial de água quase duplicaria no meio
século que começou em 1980, com 3,2 trilhões de metros cúbicos para 6,3
trilhões de m³ em 2030, com 65% desse crescimento impulsionado pela
agricultura, 25% pela indústria e 10% pelo uso urbano. No entanto, salvo
adaptação radical e inovação, o MGI parece duvidar que esse nível projetado
seja alcançado enquanto metade da população mundial em 2030 poderia estar
vivendo em regiões que sofrem com escassez de água.
Escassez de água, perda de terras,
redução e rápido envelhecimento da força de trabalho rural levantam muitas
questões sobre a política oficial de autossuficiência alimentar. A China perdeu
6% de sua terra arável desde 1997 graças à erosão, urbanização, projetos
industriais e de infraestrutura.
Dependência
do Brasil
A escassez de água na China está
se tornando um veículo de dependência mútua com o Brasil, que atingiu uma
escala nunca contemplada. A diminuição da capacidade chinesa de alimentar sua
população tende a aumentar a dependência com o Brasil como uma fonte de “água
virtual” sob a forma de abastecimento de alimentos, enquanto o Brasil se tornou
dependente das exportações para a China para sustentar a atividade econômica e
equilibrar suas contas internacionais.
Em 2004, o total das importações
de “água virtual” feitas pela China foi de 78 bilhões de m³, o equivalente a
11% das necessidades de água para a sua agricultura doméstica, chegando a 108
bilhões de m³ em 2008. Em 1995, os chineses produziram e consumiram 14 milhões
de toneladas de soja. Em 2010, a China ainda estava produzindo 14 milhões de
toneladas, mas consumiu 69 milhões, um quarto da oferta mundial.
O Brasil exporta uma grande parte
da soja necessária para sustentar o consumo de porcos na China (metade do total
mundial) e um mercado de carne bovina que se tornou o terceiro maior do mundo
ao longo de uma geração. As exportações para a China mudaram a estrutura da
produção agrícola nas Américas, especialmente nos Estados Unidos, Brasil,
Argentina e Bolívia. O comércio entre Brasil e China cresceu 50% anualmente
desde 2006 e se multiplicou por dez desde 2002, chegando a cerca de US$ 80
bilhões em 2011.
Metade da capitalização de
mercado na Bovespa é composta por empresas comprometidas com a China. No
primeiro trimestre de 2012, a China ultrapassou os EUA como o principal
importador do Brasil, depois de aumentar sua participação de mercado de 5% em
2003 para 14,5%, em 2011. A China se tornou o maior investidor estrangeiro no
Brasil, avançando de apenas US$ 290 milhões em 2009 para US$ 13 bilhões em 2010
e mais US$ 10 bilhões em 2011.
Abertura
A abertura da China à economia
mundial, lançada pelo reformador comunista Deng Xiaoping (1904-1997), trouxe
enormes benefícios ao povo chinês, como a economia que cresceu quase 10% ao ano
nas últimas duas décadas. Centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza com
a renda per capita que se multiplicou mais de sete vezes em uma geração. Ezra
Vogel, biógrafo de Deng, observou que “as mudanças estruturais que ocorreram
sob a liderança de Deng figuram entre as mais fundamentais desde que o império
chinês tomou forma durante a dinastia Han há dois milênios”.
Mas Deng não podia imaginar que a
China de hoje teria acumulado US$ 3,2 trilhões em reservas cambiais,
permitindo-lhe financiar os déficits fiscais dos Estados Unidos e comprar
empresas em todo o mundo. Mas esse intenso desenvolvimento tem degradado
recursos naturais de terra e água e trouxe nova fragilidade ao sistema político
da China e suas relações com o resto do mundo.
A China entrou em uma clara fase
de transição: mudança na liderança política neste ano, com o comando do Partido
Comunista e do governo passando para uma geração mais nova; mudança de uma
estrutura social rural para uma urbana; mudança de um crescimento econômico muito
rápido para ritmos apropriados para uma sociedade urbanizada que está
envelhecendo; mudança para acomodar as crescentes demandas por cidadania, um
conceito alheio para a tradicional cultura chinesa.
Ainda assim, extraordinárias
profecias continuam a ser feitas sobre o futuro da China. Em 2010, Robert
Fogel, professor da Universidade de Chicago laureado com o Nobel de Economia,
corajosamente previu: “Em 2040, a economia chinesa chegará a US$ 123 trilhões
de dólares, ou quase três vezes a produção econômica do mundo inteiro em 2000”,
com 40% do PIB mundial e renda per capita de US$ 85 mil. Nos próximos anos, no
entanto, os instintos de criatividade, prudência e sobrevivência do povo chinês
serão severamente testados. Este ensaio, baseado em seis semanas de pesquisa na
China, abordará o alcance desses desafios.
(OESP)
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