Por incrível que
pareça, estamos atravessando, neste início do século 21, uma onda de
obscurantismo cultural e científico sem precedentes. Ela tem origem,
principalmente, nos Estados Unidos, mas está se propagando pelo restante do
mundo.
Ao mesmo tempo em que
os físicos estão conseguindo desvendar os mistérios da natureza com a
descoberta do bóson de Higgs – “a partícula de Deus” -, a cientologia avança
nos Estados Unidos e a teoria da evolução de Darwin é questionada nas escolas
de vários Estados daquele país.
Algumas dessas
crenças têm origem em pequenos grupos religiosos retrógrados que exploram a
boa-fé de pessoas de baixo nível educacional, mas outras têm, claramente,
motivações mais perversas e até interesses comerciais. A cientologia, em
particular, é considerada uma religião nos Estados Unidos, sendo, portanto,
isenta do pagamento de impostos. Alguns de seus ensinamentos atingem o nível do
absurdo ao afirmarem que bilhões de seres de outras galáxias se apossaram dos
seres humanos há dezenas de milhões de anos, quando ainda nem havia seres
humanos, e continuam neles até hoje.
O que elas todas têm
em comum, contudo, é o completo desconhecimento do que é ciência. Isso é o que
está ocorrendo no momento também com os “céticos” que questionam o fato notório
de que a ação do homem está provocando o aquecimento do planeta.
As bases científicas
do aquecimento da Terra são simples: desde o início da Revolução Industrial, no
início do século 19, os seres humanos passaram a consumir quantidades
crescentes de combustíveis fósseis – carvão mineral, petróleo e gás natural -,
cujo resultado é a produção de um gás, o dióxido de carbono (CO2), que é
lançado na atmosfera, onde permanece por um longo período de tempo. Sucede que
esse gás é transparente e deixa a luz solar passar, atingindo o solo e
aquecendo-o. O normal seria esse calor voltar para o espaço, porém isso não
ocorre porque o dióxido de carbono não deixa o calor passar e voltar para o
espaço. Com isso, todo o nosso planeta está ficando mais quente, como se
verifica numa estufa onde se criam rosas ou vegetais no inverno.
Há muitas outras
causas conhecidas para o aquecimento global, como as manchas solares, a
inclinação do eixo da Terra, as erupções vulcânicas, etc. De fato, ao longo da
existência do planeta – que se estende por bilhões de anos – houve grandes
variações na temperatura e elas são bem entendidas pelos geólogos.
Acontece que,
sobrepondo-se a essas causas naturais do aquecimento, existe a ação do homem,
que consome combustíveis fósseis e lança gases na atmosfera. Esse fenômeno tem
sido estudado por um grande número de cientistas há mais de 50 anos.
Para entender o que
aconteceu até agora e tentar prever o que vai acontecer nas próximas décadas os
cientistas construíram modelos de como o clima da Terra se comporta à medida
que o tempo passa e a atmosfera se modifica com mais dióxido de carbono,
originado da queima dos citados combustíveis fósseis. Nesses modelos, o que se
faz é relacionar causa e efeito, que é a maneira como a ciência funciona. A
causa é a presença de maiores quantidades de gases na atmosfera e o efeito, o
aquecimento resultante do nosso planeta.
Há incertezas nas
previsões científicas, mas com o passar do tempo elas estão ficando cada vez
mais confiáveis e precisas. Por exemplo, James Lovelock, ídolo dos
ambientalistas por suas ideias sobre a “hipótese Gaia” – que considera a Terra
toda com características de um ser vivo -, não questiona a realidade do
aquecimento global como resultado da ação do homem, mas sim a necessidade de
mais pesquisa sobre o tema.
É contra essas
evidências que se manifestam os “céticos”, cuja motivação não é clara. Alguns o
fazem para atrair a atenção do público e outros podem estar sendo estimulados
pelas indústrias que serão prejudicadas caso seja limitado o uso de
combustíveis fósseis, que tem sido proposto por vários países.
Esses “céticos” não
adotam o método científico ao fazerem as suas críticas. Eles simplesmente
emitem opiniões e previsões esdrúxulas, como a de que a Terra estaria passando
por um processo de resfriamento, em lugar de se aquecer, num futuro que eles
não especificam. Cartomantes podem fazer isso, mas não cientistas.
Os “céticos”, a
maioria deles sem formação científica na área de mudanças climáticas,
conseguiram notoriedade nos Estados Unidos publicando artigos no Wall Street
Journal (!). Alguns jornalistas mal informados frequentemente dão grande
cobertura a essas pessoas porque elas provocam controvérsias que atraem os
leitores. Para alguns, é considerado bom jornalismo que “se ouçam os dois
lados”, o que é válido para muitos outros assuntos, como, por exemplo, a
descriminalização da maconha ou as vantagens da introdução da pena capital para
crimes hediondos, em relação aos quais existem opiniões divergentes.
Sucede que no caso do
aquecimento global não há “dois lados”: o que existe são previsões científicas
baseadas na ciência que conhecemos, que podem não ser perfeitas – como é todo o
conhecimento científico -, mas têm avançado muito. O “outro lado”, de modo
geral, utiliza informações pseudocientíficas, ou simplesmente dúvidas lançadas
ao vento que não podem ser respondidas sem uma argumentação científica que não
é adequada para programas populares.
Opiniões pessoais ou
crenças religiosas devem ser respeitadas, mas argumentos incorretos que
prejudicam a adoção de políticas públicas importantes – como as de prevenir o
aquecimento da Terra reduzindo o consumo de combustíveis fósseis – são
perniciosos e não atendem ao interesse público. (EcoDebate)
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