Junção de dejetos
deu origem no Pacífico Norte à primeira “ilha de lixo”. Após o tsunami japonês,
as costas canadenses e californianas foram tomadas por dejetos vindo do
Oriente, observa Jorge Pablo Castell.
Detritos
plásticos põem em risco a vida de animais marinhos
A fama de uma ilha
nada glamorosa correu mundo via internet. Trata-se da ilha de plástico do
Pacífico Norte formada por dejetos pouco degradáveis, entre os quais sacolas,
fragmentos de garrafas PET e bolinhas plásticas de cerca de 5mm de diâmetro,
matéria prima para a fabricação de outros artefatos, e que caem dos contêineres
no transporte oceânico. Com a ação dos ventos e da rotação terrestre, bem como
das correntes marítimas, formam-se os “giros oceânicos”, responsáveis por
concentrar em um local o que há de dejetos flutuantes. “No Hemisfério Norte
temos o Giro do Pacífico e o Giro do Atlântico (ambos no sentido horário) e no
Sul os giros do Pacífico, Atlântico e Índico (em sentido anti-horário)”,
explica o oceanólogo Jorge Pablo Castello na entrevista concedida
por e-mail à IHU On-Line. O pesquisador fala, também, sobre
Kamilo Beach, pequena praia situada no Sudoeste do Havaí que se converteu “num
depósito de lixo flutuante transportado pela água, particularmente durante os
períodos de alta maré”. Trata-se de uma “coincidência desafortunada entre a
geografia da Ilha e o fluxo das correntes marinhas”, completa. Castello
menciona o desconhecimento geral das pessoas sobre os oceanos e sua relevância
para a vida humana “como fonte de alimento, energia, e o papel modulador do
clima da Terra”.
Graduado em Ciências
Biológicas pela Universidade de Buenos Aires – UBA, Jorge Pablo
Castello é doutor em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal
do Rio Grande – FURG, onde leciona no Instituto de Oceanografia. É autor de
Diagnóstico ambiental e oceânico da região sul e sudeste do Brasil (Rio de
Janeiro: Fundespa, 1994).
Confira a
entrevista.
IHU On-Line –
Quais são os principais problemas que a comunidade científica detectou nos
oceanos?
Jorge Pablo
Castello – Entre os
principais problemas detectados podem ser indicados os seguintes:
– acidificação das
águas marinhas (relacionado com o aumento do CO2 na atmosfera);
– aumento do nível
médio do mar;
– aumento da
temperatura das águas da superfície do mar e suas consequências sobre a
distribuição geográfica, reprodução, migração e produtividade das espécies
marinhas;
– perda de
biodiversidade e, naqueles ecossistemas impactados pela pesca,
simplificação/alteração das cadeias tróficas com desaparição dos chamados
predadores de topo que funcionam como reguladores do sistema;
– poluição e
contaminação, particularmente nas regiões costeiras;
– pressão antrópica e
descaraterização dos ambientes naturais costeiras (ocupação imobiliária, obras
de engenharia, remoção de areias, dejetos de todo tipo, etc.);
– conhecimento
insuficiente das águas profundas, embora esse quadro tenha começado a mudar no
presente com o maior uso de ROVs (Remote Operated Vehicles) e minissubmarinhos
automatizados e tripulados.
IHU On-Line –
Uma “ilha de plástico” foi detectada no Oceano Pacífico. Onde ela fica
exatamente e como podemos compreender a formação desse lixão, e o que ele
representa em termos de riscos para o ecossistema oceânico?
Jorge Pablo
Castello – A chamada
“ilha de plástico” é formada por muitos dejetos que flutuam na superfície e são
pouco degradáveis. Entre esses plásticos, além das sacolas, seus fragmentos e
garrafas PET, encontram-se pequenas bolinhas (pellets) de aproximadamente 5 mm
de diâmetro, que constituem a matéria prima para fabricação de artefatos
plásticos. Esses objetos aparecem na superfície do mar porque caem de navios
que os transportam em contêineres e que são perdidos durante temporais. Outros,
como as garrafas e sacos plásticos, são levados até o mar pelos rios e as chuvas
desde as costas. Outros produtos perdidos pelos navios são mais pesados e
afundam; estão presentes nos oceanos, mas não são vistos. Ainda podem ser
encontrados panos de redes de espera que foram perdidos pelos barcos pesqueiros
e, como ainda possuíam boias e o material pode ter baixa densidade, continuam
“pescando”, provocando uma mortalidade indesejada.
Os riscos conhecidos
afetam aves e tartarugas marinhas, peixes e até mamíferos que ingerem essas
partículas flutuantes (possivelmente confundidas com alimento) provocando danos
no sistema digestivo das espécies.
Os “giros” do
Oceano
A primeira “ilha de
lixo” foi localizada no Pacífico Norte uma vez que o chamado Giro do Pacífico
(que rota no sentido horário) tende a concentrar esse material em seu centro
dinâmico. Recentemente apareceram frente às costas de Canadá e da Califórnia
muitos dejetos flutuantes (e até um barco de pesca) que foram arrancados do
litoral japonês durante o último tsunami. No entanto, um informe recente das
Nações Unidas relata que esse fenômeno já não é mais restrito ao Pacífico
Norte, estando também presente nos outros oceanos. Isso coloca em evidência a
magnitude do problema.
No Hemisfério Norte
temos o Giro do Pacífico e o Giro do Atlântico (ambos no sentido horário) e no
Sul os giros do Pacífico, Atlântico e Índico (em sentido anti-horário). Em
todos os casos os giros oceânicos são o resultado da ação dos ventos que
transferem energia à lamina de água da superfície e da rotação terrestre
(conhecida como Força de Coriolis). O efeito desses giros é que a água da
superfície converge para o centro, fazendo com que as partículas plásticas
flutuantes fiquem agregadas.
IHU On-Line –
Do lixo encontrado nessa área do Pacífico, 27% é composto por sacolas
plásticas. Qual é a responsabilidade das empresas e da sociedade civil nessa
realidade?
Jorge Pablo
Castello – Sem dúvida,
existe uma responsabilidade compartilhada tanto pelos fabricantes (que atendem
a uma demanda) como pelos usuários, comerciais e domésticos. Como mencionei, os
sacos plásticos que são achados provém da região costeira, levados pelos rios e
as chuvas. Mudanças de comportamento, como o uso de sacos biodegradáveis ou
simplesmente de papel reciclado, ou ainda o consumidor sempre levando sua
própria bolsa ao supermercado, são alternativas indicadas.
IHU On-Line –
Que outras áreas além do “lixão do Pacífico” concentram tantos dejetos trazidos
pelas correntes marítimas?
Jorge Pablo
Castello – Até onde sei,
o do Pacífico é o maior de todos e, também, o que recebeu maior atenção até o
presente. No entanto, é possível que com o aprofundamento e maior extensão dos
estudos outros “lixões” venham a ser conhecidos. É importante ressaltar que
desde longa data existe esse comportamento de considerar os mares e os oceanos
como verdadeiros espaços que “podem aceitar qualquer descarte”. Claro que esta
é uma percepção completamente errada, mas que se pode entender visto a extensão
deles. Assim, depois da I Guerra Mundial, tanto os países aliados como a
Alemanha descartaram no Mar Báltico enorme quantidade de barris contendo o
princípio ativo do tristemente célebre gás mostarda. Esses barris se
depositaram no fundo e, com a ação do tempo e a corrosão da água de mar,
começaram a vazar seu conteúdo entre 30 a 40 anos mais tarde. Isso ocasionou
inúmeros problemas, particularmente aos pescadores, que tiveram a infelicidade
de enganchar os barris em suas redes de pesca de fundo. Grandes cidades (que
com frequência se localizam em áreas costeiras) já usaram o mar como depósito
de lixo urbano. O caso mais emblemático é o de Nova Iorque.
IHU On-Line –
O que explica que Kamilo Beach tenha se tornado um lixão a céu aberto,
recebendo, sobretudo, lixo vindo do Japão e Coreia do Sul? Qual é a
responsabilidade dos governos desses países sobre o estado dessa praia havaina?
Jorge Pablo
Castello – A praia de
Kamilo (pequena, pois tem algo como 500m de extensão) se encontra no extremo
sudoeste da Ilha do Havaí e, por uma coincidência desafortunada entre a
geografia da Ilha e o fluxo das correntes marinhas, acabou se convertendo num
depósito do lixo flutuante transportado pela água, particularmente durante os
períodos de alta maré. Quanto à responsabilidade, esta é uma questão de
educação e políticas ambientais, ou melhor, da falta delas.
IHU On-Line –
Como podemos compreender o surgimento da ilha de Tilafushi, nas Ilhas Maldivas?
Jorge Pablo
Castello – Tilafushi é
uma ilha artificial “construída” sobre e em torno de um recife próximo
aproveitando o corpo lacunar central do atol de Kaafu a oeste de Malé, uma das
Ilhas Maldivas (a Oeste da Índia). Ela foi construída em 1990 com o único
propósito de instalar ali um lixão municipal. De fato o lixo, transportado por
barcaças, provém dos grandes assentamentos e resorts turísticos que se
encontram na região e que proporcionam, junto com a pesca, a quase única fonte
de ingresso econômico deste pequeno país, a República das Maldivas. Nesse caso
trata-se de um efeito indesejado da indústria e dos grandes interesses
turísticos. A alternativa ao lixão seria a incineração dos resíduos, mas os
custos e a contaminação associada a ela tornaram-na uma opção inviável.
IHU On-Line –
Por que a percepção que as pessoas têm do mar é muito limitada? Persiste uma
aura mágica em torno dos oceanos, relegando sua importância a um plano muito
mais ligado ao turismo do que a sua importância para os ecossistemas?
Jorge Pablo
Castello – Em minha
opinião, essa concepção limitada é produto de nossa maneira de perceber o
ambiente que nos rodeia. O ser humano é essencialmente um “animal óptico” e
terrestre. A água, como habitat, é um meio estranho ao ser humano. A visão é o
nosso sentido mais precioso, e dele muito dependemos para obter e formar
imagens do mundo que nos rodeia.
Assim, a grande
maioria das pessoas tem uma noção mais realista das florestas, planícies, rios,
montanhas, etc. No entanto, com relação ao mar a situação é diferente. O que
vemos do mar se relaciona com suas interfaces: as costas, praias, costões
rochosos e a superfície. Esta última se estende por milhares de quilômetros com
pouca variação relativa com relação à cor e forma (cor esverdeada sobre as
plataformas continentais ou azulada na região oceânica onde a profundidade
ultrapassa os 150m) ou uma superfície lisa ou rugosa devido às ondas geradas
pelo vento. Já abaixo da superfície, nada se encontra ao alcance direto de
nossa visão. Para isso, necessitamos de aparelhos (redes, câmeras de TV,
fotografias, minissubmarinhos, instrumentos coletores de água ou de seres
vivos). Ou seja, nossa percepção dos mares e oceanos é limitada ou, em todo
caso, muito mais limitada que aquela que temos do mundo emerso.
O turismo e lazer são
praticados na região de interface costeira (praias, dunas, lagoas, recifes de
corais, etc.) e, quando se pratica natação, vela ou navegação, na interface da
superfície da água com a atmosfera. Aquilo que é jogado fora ou flutua ou
afunda, portanto, só vemos o que flutua… A superfície dos mares compõe quase
71% da superfície do planeta. A relevância dos oceanos para a vida humana, como
fonte de alimento, energia, e o papel modulador do clima da Terra são funções e
“serviços” do ecossistema marinho são conceitos relativamente recentes na
perspectiva histórica da civilização.
IHU On-Line –
Em quais aspectos o estudo dos mares precisa recorrer à transdisciplinaridade?
Jorge Pablo
Castello – Eu diria que
praticamente em todos. A transdisciplinaridade (ou interdisciplinaridade) e a
multidisciplinaridade são exigências científicas necessárias para melhor
entender o significado dos processos naturais e de como o homem neles eles
interfere.
IHU On-Line –
Por que o mar é concebido como dotado de recursos inesgotáveis e com capacidade
de absorver todos os dejetos? O que essa mentalidade representa para o
ecossistema marinho em particular, e à vida em terra firme?
Jorge Pablo
Castello – A concepção
sobre recursos marinhos inesgotáveis é muito antiga. Na história moderna, um
destacado cientista como Sir Thomas Huxley (grande amigo e defensor de Charles
Darwin ) disse, em 1883 na Real Sociedade Britânica, que não havia necessidade
de controlar a pesca, pois a capacidade produtiva dos estoques era praticamente
infinita. Ou seja, acreditava-se que a pesca não tinha capacidade de
comprometer a estabilidade e a reposição dos estoques pesqueiros. Porém, pouco
antes das duas grandes guerras foi possível verificar que a pesca, sim, podia
exercer alterações profundas na abundância, reprodução e crescimento dos
estoques pesqueiros. Essa ação negativa foi acelerada com o avanço das
tecnologias de pesca e da localização dos cardumes impulsionadas pelo aumento
da demanda para consumo humano e obtenção de farinhas e óleos (indústria de
redução de pescado para fabricação de rações para aves, suínos, cultivos de
camarões e de peixes carnívoros como os salmões). No presente, é estimado que
apenas 25% dos estoques mundiais são bem administrados (de maneira
sustentável). O resto se encontra superexplorado, explorado ao máximo ou em
colapso.
Efeito
perverso
É importante
ressaltar que muitas pescarias no mundo desenvolvido e em vias de
desenvolvimento recebem generosos subsídios econômicos dos mais diversos tipos:
para compra de redes, aparelhos de navegação e localização de cardumes,
combustível subsidiado, créditos baratos – do tipo “de pai pra filho”,
aquisição de novos barcos, etc. Esses subsídios têm um efeito perverso, porque
graças a eles muitas pescarias que seriam economicamente inviáveis, pelos
baixos níveis de abundância, são mantidas em atividade prejudicando e
inviabilizando a recuperação biológica dos estoques. Embora a sustentabilidade
tenha sido concebida teoricamente como um conceito multidimensional – social,
econômico e biológico –, o que tem acontecido na prática, ano após ano, e a
dominância da dimensão econômica sobre todas as outras, sem entender que sem a
sustentabilidade biológica não podem existir as restantes. (EcoDebate)
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