Sede da COP, Catar vive contradições ambientais
Dependente de combustíveis fósseis, país tenta mudar sua imagem, mas não
dá sinais de que anunciará metas voluntárias de redução de emissões.
Maior exportador de
gás natural liquefeito, com a terceira maior reserva do mundo, o Catar, sede da
18.ª Conferência das Partes do Clima das Nações Unidas (COP-18), possui um
recorde inconveniente para as discussões sobre as mudanças climáticas. É o
maior emissor per capita de gases de efeito estufa e, até agora, não tem dado
sinais de que anunciará alguma meta voluntária de reduzir as emissões.
Catar é o maior emissor per capita de gases de efeito estufa
A contradição, no
entanto, não está só no evento em si, mas no próprio momento que o país árabe
vive. De um lado, o Catar - que tem 1,7 milhão de habitantes, a maioria vivendo
em Doha - ainda é totalmente dependente dos combustíveis fósseis: 75% do
consumo de energia é proveniente de gás natural e o restante do petróleo. Foi
sua exportação que permitiu que o país saltasse de uma nação pobre para uma
rica em menos de 20 anos, alcançando a maior renda per capita do mundo. Do
outro lado, se vende para o mundo como uma nação que quer se transformar.
É, de fato, um país
em construção. Não só em obras - como podem sugerir os guindastes e prédios que
são erguidos por todos os lados (o próprio centro de convenção onde ocorre a
COP-18 é novíssimo, foi lançado em 2011) -, mas em conceito.
Em 2008, o país
lançou sua Visão Nacional para 2030 com o lema de se mover de uma economia
baseada em carbono para uma apoiada no conhecimento. O país onde não falta
dinheiro está disposto a atrair a nata de universidades estrangeiras a terem
sede no Qatar. Já vieram, por exemplo, o Weill Cornell Medical College e as
universidades College London, Georgetown, Carnegie Mellon e Northwestern.
Como exatamente
esse conhecimento vai se opor à economia baseada em carbono e transformá-la em
verde não está claro. Os EUA também estão repletos de pesquisadores pensando
nos problemas ambientais e nem por isso estão agindo.
Tampouco está
evidente que essa seja a real intenção. Já na coletiva de abertura, o
presidente da COP soltou uma gafe que caiu mal entre os negociadores. Abdullah
Bin Hamad Al-Atttiyah, ex-ministro de Energia e Indústria do Catar, menosprezou
a importância de o país ser o maior emissor per capita. "Não devíamos nos
concentrar nisso, mas na quantidade de emissões de cada país individualmente. A
quantidade é o mais desafiante."
Para ele, como o
gás natural emite menos que o petróleo, ao exportá-lo, o país "está
resolvendo o problema dos outros". Apesar de o impacto ser menor, é um
combustível fóssil, cuja queima emite gás carbônico. Vide o indicador per
capita do Catar.
Liderança
Para ONGs locais, a
melhor posição que o país poderia ter é anunciar uma meta voluntária de redução
de suas emissões. Para Lama Al Hatow, da ONG IndyAct, a medida poderia
influenciar os outros países árabes. "O Catar poderia provocar um efeito
dominó na região", diz. Isso poderia começar, afirma ela, pelo chamado GCC
(Países de Cooperação do Golfo, na sigla em inglês), do qual o Catar faz parte
e com quem costuma tomar decisões em conjunto.
Lama diz que o fato
de a COP ocorrer pela primeira vez no Oriente Médio trouxe a vantagem de ao
menos mobilizar a população. Por causa do evento, foi lançado em novembro o
Movimento Climático da Juventude Árabe. Inspirado na Primavera Árabe, nasceu
para pressionar os governos locais em torno da urgência das mudanças
climáticas. Em nove semanas, passou de 20 para mil membros.
Vestidos com
camiseta preta com os dizeres "Árabes, é hora de agir", eles fizeram
ações discretas na primeira semana da COP-18 e ontem promoveram a primeira
marcha na história do país.
O governo reagiu
rápido ao movimento e, num gesto que foi interpretado tanto como de boa-fé
quanto como uma tentativa de enquadrar a ação, pagou as passagens de vários
jovens vindos do Oriente Médio e do norte da África para a COP-18.
O porta-voz do
governo, Fahad Bin Mohammed Alattiya, também manifestou apoio aos jovens e até
os apresentou em coletiva à imprensa. Mas, questionado sobre como responderia
aos pedidos de estabelecer uma meta de redução, desconversou, dizendo que uma
estratégia de mitigação e adaptação para os próximos oito anos será apresentada
durante a conferência.
Depois, se mostrou
sensível ao problema. "O Catar enfrenta uma crítica vulnerabilidade:
importamos 90% da comida. Isso se relaciona com as mudanças climáticas. Somos
impactados quando produções de alimentos em todo o mundo sofrem com seca ou
inundações." O país também não tem água doce. "Quase toda a água do
nosso país vem de dessalinização. Os aquíferos estão quase esgotados",
contou.
Energia Solar
O Catar está se
voltando para a energia solar. Uma planta de 800 megawatts, construída a partir
de 2014, produzirá 80% da necessidade de água do país, cerca de 3,5 milhões de
litros cúbicos. (OESP)
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