Resolver o problema da fome não
depende só dos países em desenvolvimento
Em 1974, durante a Conferência
Mundial sobre Alimentação, as Nações Unidas estabeleceram que “todo homem,
mulher, criança, tem o direito inalienável de ser livre da fome e da
desnutrição...”. Portanto, a comunidade internacional deveria ter como maior
objetivo a segurança alimentar, isto é, “o acesso, sempre, por parte de todos,
a alimento suficiente para uma vida sadia e ativa”.
E isso quer dizer:
• acesso
ao alimento: é condição necessária, mas ainda não suficiente;
• sempre:
e não só em certos momentos;
• por
parte de todos: não bastam que os dados estatísticos sejam satisfatórios. É
necessário que todos possam ter essa segurança de acesso aos alimentos;
• alimento
para uma vida sadia e ativa: é importante que o alimento seja suficiente tanto
do ponto de vista qualitativo como quantitativo.
Os dados que possuímos dizem que
estamos ainda muito longe dessa situação de segurança alimentar para todos os
habitantes do planeta.
Quais são as causas?
A situação precisa ser
enfrentada, pois uma pessoa faminta não é uma pessoa livre. Mas é preciso, em
primeiro lugar, conhecer as causas que levam à fome. Muitos acham que as
conhecem, mas não percebem que, quando falam delas, se limitam, muitas vezes, a
repetir o que tantos já disseram e a apontar causas que não têm nada a ver com
o verdadeiro problema. Por exemplo:
A fome é causada porque o mundo
não pode produzir alimentos suficientes. Não é verdade! A terra tem recursos
suficientes para alimentar a humanidade inteira.
A fome é devida ao fato de que
somos “demais”. Também não é verdade! Há países muito populosos, como a China,
onde todos os habitantes têm, todo dia, pelo menos uma quantidade mínima de
alimentos e países muito pouco habitados, como a Bolívia, onde os pobres de
verdade padecem fome!
No mundo há poucas terras
cultiváveis! Também não é verdade. Por enquanto, há terras suficientes que,
infelizmente, são cultivadas, muitas vezes, para fornecer alimentos aos países
ricos!
As verdadeiras causas
As causas da fome no mundo são
várias, não podem ser reduzidas a uma só. Entre elas indicamos:
As monoculturas: o produto
nacional bruto (pib) de vários países depende, em muitos casos, de uma cultura
só, como acontecia, alguns anos atrás, com o Brasil, cujo único produto de
exportação era o café. Sem produções alternativas, a economia desses países
depende muito do preço do produto, que é fixado em outros lugares, e das
condições climáticas para garantir uma boa colheita.
Diferentes condições de troca
entre os vários países: alguns países, ex-colônias, estão precisando cada vez
mais de produtos manufaturados e de alta tecnologia, que eles não produzem e
cujo preço é fixado pelos países que exportam. Os preços das matérias-primas,
quase sempre o único produto de exportação dos países pobres, são fixados, de
novo, pelos países que importam.
Multinacionais: são organizações
em condições de realizar operações de caráter global, fugindo assim ao controle
dos Estados nacionais ou de organizações internacionais. Elas constituem uma
rede de poder supranacional. Querem conquistar mercados, investindo capitais
privados e deslocando a produção onde os custos de trabalho, energia e
matéria-prima são mais baixos e os direitos dos trabalhadores, limitados.
Controlam 40% do comércio mundial e até 90% do comércio mundial dos bens de
primeira necessidade.
Dívida externa: conforme a
Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a dívida está paralisando
a possibilidade de países menos avançados de importar os alimentos dos quais
precisam ou de dar à própria produção agrícola o necessário desenvolvimento. A
dívida é contraída com os bancos particulares e com Institutos internacionais
como o Fundo Monetário e o Banco Mundial. Para poder pagar os juros, tenta-se
incrementar as exportações. Em certos países, 40% do que se arrecada com as
exportações são gastos somente para pagar os juros da dívida externa. A dívida,
infelizmente, continua inalterada ou aumenta.
Conflitos armados: o dinheiro
necessário para providenciar alimento, água, educação, saúde e habitação de
maneira suficiente para todos, durante um ano, corresponde a quanto o mundo
inteiro gasta em menos de um mês na compra de armas. Além disso, os conflitos
armados presentes em muitos países em desenvolvimento causam graves perdas e
destruições em seu sistema produtivo primário.
Eis o que nos dizem as
estatísticas:
- Há 800 milhões de pessoas
desnutridas no mundo.
- 11 mil crianças morrem de fome
a cada dia.
- Um terço das crianças dos
países em desenvolvimento apresenta atraso no crescimento físico e intelectual.
- 1,3 bilhão de pessoas no mundo
não dispõe de água potável.
- 40% das mulheres dos países em
desenvolvimento são anêmicas e encontram-se abaixo do peso.
- Uma pessoa a cada sete padece
fome no mundo.
Desigualdades sociais: a luta
contra a fome é, em primeiro lugar, luta contra a fome pela justiça social. As
elites que estão no governo, controlando o acesso aos alimentos, mantêm e
consolidam o próprio poder. Paradoxalmente, os que produzem alimento são os
primeiros a sofrer por sua falta. Na maioria dos países, é muito mais fácil
encontrar pessoas que passam fome em contextos rurais do que em contextos
urbanos.
Neocolonialismo: em 1945, através
do reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos, iniciou o processo
de libertação dos países que até então eram colônias de outras nações. Mas, uma
vez adquirida a independência, em muitos continuaram os conflitos internos que
têm sua origem nos profundos desequilíbrios sociais herdados do colonialismo.
Em muitos países, ao domínio colonial sucederam as ditaduras, apoiadas pela
cumplicidade das superpotências e por acordos de cooperação com a antiga
potência colonial. Isso deu origem ao neocolonialismo e as trocas comerciais
continuaram a favorecer as mesmas potências.
Quando um país vive numa situação
de miséria, podemos dizer que, praticamente, todas essas causas estão agindo ao
mesmo tempo e estão na origem da fome de seus habitantes. Algumas delas
dependem da situação do país, como o regime de monocultura, os conflitos
armados e as desigualdades sociais. Elas serão eliminadas, quando e se o mesmo
país conseguir um verdadeiro desenvolvimento. Mas outras causas já não dependem
do próprio país em desenvolvimento, e sim da situação em nível internacional.
Refiro-me às condições desiguais de troca entre as várias nações, à presença
das multinacionais, ao peso da dívida externa e ao neocolonialismo. Isso quer
dizer que os países em desenvolvimento, não conseguirão sozinhos vencer a
miséria e a fome, a não ser que mudanças verdadeiramente importantes aconteçam
no relacionamento entre essas nações e as mais industrializadas. (pime)
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