O que será feito com o lixo de São Paulo nos próximos 20
anos?
Foram três dias de
muito trabalho e aprendizado. Em primeiro lugar, me chamou a atenção que o
engajamento dos cidadãos das regiões periféricas era bem maior. Mais adiante
ficará claro o motivo. O encontro abordou unicamente o Plano de Gestão Integrada
de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo. Não começamos do zero. Muito ao
contrário, todas as discussões se pautaram por um documento de 60 páginas
escrito a partir de reuniões realizadas nas 31 subprefeituras, oficinas
temáticas, grupos de trabalho inter-setoriais e propostas da equipe técnica da
prefeitura. Um processo bastante democrático, porém pouco divulgado.
Só para ter uma ideia
do desafio, atualmente menos de 2% dos resíduos coletados pela prefeitura vão
para a reciclagem. Mais de 98% têm os aterros como destino, o que representa um
enorme problema ambiental e desperdício de recursos. A meta para 2032 é dar um
fim mais nobre para 70% dos resíduos (30% continuarão indo para os aterros). A
conferência se concentrou nas estratégias para alcançar esse objetivo, que não
foi questionado.
Além dos delegados da
sociedade civil, havia representantes do empresariado e do poder público. Todos
com direitos iguais a voz e voto. Cada delegado poderia escolher uma sala
temática e lá fui eu para a dos Resíduos Orgânicos, ou seja, tudo aquilo que a
natureza produz e, se deixarmos, ela mesma sabe reciclar lindamente
transformando em adubo. Estou falando de restos de comida, podas de árvore,
talos, caroços, folhas secas, madeira, serragem etc que representam 51% do lixo
produzido em SP. Assunto totalmente ligado à agricultura urbana e às hortas
comunitárias, já que usamos exclusivamente composto orgânico e esterco como
adubo.
Fechados numa sala
sem janela durante todo o sábado de sol, debatemos e alteramos as 23 diretrizes,
objetivos, estratégias e metas apresentadas para os orgânicos que, no documento
final, se tornaram 31. Nada fácil abdicar do fim de semana para trabalhar duro
e sem remuneração em prol do coletivo, mas a oportunidade de propor mudanças no
texto da lei e ver que elas foram realmente incorporadas compensou o esforço.
Logo no início dos
trabalhos, percebi que valeu a pena participar desde 2012 do Grupo
Pró-Viabilização da Compostagem em São Paulo, uma rede de pessoas interessadas
em promover essa prática e não uma ONG ou grupo institucionalizado. Graças em
parte à nossa militância em favor da compostagem, tanto no Programa de Metas da
gestão Haddad quanto nesse PGIRS (sigla do tema da conferência), ganhou força a
ideia de que a cidade deve compostar aqui mesmo os resíduos orgânicos que gera.
A discussão passou a ser sobre a melhor forma de fazer isso.
Nesse ponto abandono
o relato do evento para refletir sobre os próximos passos. Quem tiver interesse
pode ler todo o PGIRS, que será disponibilizado e colocarei o link aqui.
Um ponto importante
do plano é que São Paulo em breve vai ganhar quatro grandes Centrais de
Processamento da Coleta Seletiva (para os resíduos industrializados) e imensas
Unidades de Compostagem. Ou seja, de modo geral o município adotará soluções
macro para seu lixo nos próximos 20 anos. Isso implica em investimentos
volumosos, caminhões de coleta que continuarão circulando intensamente e
concentrar as concessões em grandes empresas.
A opção pela larga
escala, que os técnicos da prefeitura dizem ser incontornável, na minha opinião
tem maior risco de prejudicar a qualidade do produto final. Explico usando como
exemplo os resíduos orgânicos: quanto maior a quantidade, mais difícil o
controle. Aqui em casa, tomo precauções máximas com a compostagem porque ela
vai gerar o adubo para a minha horta e eu vou comer os alimentos que vierem
dela. Mas quem garante que a população será extremamente cuidadosa se continuar
podendo jogar o que quiser num caminhão que vai embora para longe? E se, por descuido
ou má intenção, contaminantes como carcaças de animais, pilhas, baterias e
outros produtos tóxicos forem depositados junto com o lixo da cozinha? Uma
única lata de tinta poderia contaminar mais de uma tonelada de composto
orgânico. Quais mecanismos seriam adotados para impedir que isso aconteça?
Outro ponto muito
delicado: a centralização das soluções do lixo gera injustiças territoriais.
Nas regiões mais ricas, onde a produção de resíduos é maior, não há aterros e
provavelmente não serão instalados centros de triagem ou de compostagem. Moro
em Pinheiros e os caminhões de coleta levam embora tudo o que recolhem aqui.
Mas o distrito de São Mateus, na Zona Leste, já possui quatro aterros e agora
está em estudo a instalação do quinto. Aliás, nos bairros “bons” da cidade,
todo muito acha ecochique reciclar, mas a população sequer admite que
cooperativas de catadores se instalem.
Pessoalmente, sou uma
adepta da descentralização de tudo, baseada na filosofia do Small is Beautiful
(que explico nesse post: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/49-beleza-pequeno/). E da extinção do lixo, baseada na ideia do movimento Do Berço ao Berço (http://conectarcomunicacao.com.br/blog/85-prxima-revoluo-industrial/). Acredito que embalagens descartáveis não
deveriam existir, com exceção do papel e papelão impresso com pigmentos
vegetais, que vira adubo facilmente. Que todos deveriam compostar seus resíduos
orgânicos. Que os supermercados deveriam vender a granel e os líquidos serem
transportados em vidros retornáveis. Mas quando digo isso para amigos e
empresários, a resposta em geral é: “Isso é impossível, não é prático, dá
trabalho, ia complicar muito os negócios.” Desconfio que essa opinião mudaria
radicalmente caso o tratamento do lixo ocorresse obrigatoriamente no local onde
foi gerado. Se as garrafas PET, as fraldas descartáveis, as latas, os aparelhos
eletrônicos quebrados e tudo mais tivesse que ser processado do lado da nossa
casa, tentaríamos ao máximo não gerar lixo, não é? E o catador de materiais
recicláveis seria o herói da vizinhança.
No ano que vem haverá
revisão do Plano de Metas da prefeitura. Daqui a quatro anos, o PGIRS será
revisto. A partir de agora, estou me aliando a quem tiver interesse em batalhar
pela seguinte causa: BUSCAR SOLUÇÕES PARA QUE PROGRESSIVAMENTE OS RESÍDUOS
ENCONTREM DESTINAÇÃO ADEQUADA (POR COMPOSTAGEM, PREPARAÇÃO PARA RECICLAGEM OU
TRATAMENTO DE REJEITOS) DENTRO DAS FRONTEIRAS DE CADA BAIRRO. (EcoDebate)
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