Agrotóxicos, metais
pesados e substâncias que imitam hormônios podem estar na água que chega à
torneira da sua casa ou na mineral, vendida em garrafões, restaurantes e
supermercados. Saiba por que nenhuma das duas é totalmente segura
Pesquisar sobre a
água não é fácil. Não existem leis ou regras que definam um critério uniforme
para a divulgação de dados. Esperei mais de 15 dias, por exemplo, para receber
as análises de qualidade para o município de São Paulo, segundo as normas da
Portaria 2.914/2011, do Ministério da Saúde. Os mesmos resultados para o Rio de
Janeiro estão disponíveis para consulta de qualquer pessoa no site da Companhia
Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), responsável pelo tratamento de água na
cidade. Não se sabe por que uma das concessionárias fornece a informação
publicamente, enquanto a outra não diz nada sobre o assunto.
Depois de muita
espera e de uma dezena de e-mails trocados, recebi quase todas as análises
da capital paulista feitas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo (Sabesp), encarregada da água e do saneamento na metrópole. No primeiro
envio, porém, faltavam vários dos parâmetros considerados pela portaria do
Ministério da Saúde. Por quê? Não há como saber. Depois de insistir mais,
recebi todos os dados.
Como primeiro
resultado dessa investigação sobre a qualidade da água, posso dizer que, em São
Paulo e no Rio de Janeiro, dá para beber a água da torneira sem correr o risco
de ser vítima de uma contaminação microbiológica. Ninguém vai passar mal, nem
ter diarreia. É preciso, no entanto, verificar se a caixa d’água do imóvel está
limpa. Tanto em um prédio como em uma casa, ela precisa ser lavada a cada seis
meses. Nos condomínios, o síndico é o responsável por cuidar da execução do
serviço. Nas residências, o proprietário tem que fazer o trabalho ou contratar
uma empresa para isso. Se a limpeza estiver em dia, tudo bem.
A água usada para
abastecimento público passa por um processo de tratamento e desinfecção
mecânico e químico, que elimina toda a poluição microbiológica (coliformes
totais – grupos de bactérias associadas à decomposição da matéria orgânica – e Escherichia coli). “A água da
torneira é controlada várias vezes por dia, para se ter certeza de que está
sempre dentro dos padrões de qualidade”, afirma Jorge Briard, diretor de
produção de água da Cedae, no Rio. Mas o fato de se poder beber a água da
torneira não quer dizer que o líquido não esteja poluído – e que não possa
causar problemas de saúde no longo prazo.
Regras “adaptadas à
realidade brasileira”
Na água do
abastecimento público existem vários tipos de poluentes tóxicos. Estudos
científicos associam o consumo de muitos deles ao aumento da incidência de
câncer na população, enquanto outros têm efeitos ainda pouco conhecidos na
saúde. Estão presentes na água que bebemos substâncias químicas como antimônio,
arsênio, bário, cádmio, chumbo, cianeto, mercúrio, nitratos, triclorobenzeno,
diclorometano; agrotóxicos como atrazina, DDT, trifluralina, endrin e simazina;
e desinfetantes como cloro, alumínio ou amônia.
A portaria do
Ministério da Saúde controla os níveis de 15 produtos químicos inorgânicos
(metais pesados), de 15 produtos químicos orgânicos (solventes), de sete
produtos químicos que provêm da desinfecção domiciliar e de 27 tipos de
agrotóxicos presentes na água. Na primeira norma de potabilidade da água do
Brasil, a Portaria 56/1977, havia apenas 12 tipos de agrotóxicos, 10 produtos
químicos inorgânicos (metais pesados) e nenhum produto químico orgânico
(solventes), nem produtos químicos secundários da desinfecção domiciliar.
Tanques usados nas
quatro fases do processo de tratamento de água da Estação do Guaraú, em São
Paulo: coagulação, floculação, decantação e filtração.
A mudança reflete a
crescente poluição da indústria, que utiliza metais pesados e solventes; do
setor agrícola, que usa agrotóxicos e fertilizantes; e de todos nós, que
limpamos a casa com cada vez mais produtos químicos. A assessoria de
comunicação do Ministério da Saúde afirma que as substâncias que hoje estão na
Portaria 2.914/2011 foram escolhidas a partir “dos avanços do conhecimento
técnico-científico, das experiências internacionais e das recomendações da
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2004), adaptadas à realidade brasileira”.
O último trecho da
resposta do ministério, “adaptadas à realidade brasileira”, permite entender a
diferença entre os agrotóxicos e contaminantes inorgânicos escolhidos pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e os listados na portaria brasileira. A OMS
inclui um número muito maior de produtos químicos. Em um dossiê especial sobre agrotóxicos publicado em 2012, a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) questiona essa discrepância:
“Por que monitorar menos de 10% dos ingredientes ativos oficialmente
registrados no país?” O ingrediente ativo, ou princípio ativo, é uma substância
que tem algum tipo de efeito em organismos vivos.
Um exemplo é a
bentazona. Considerada pela OMS como um poluente da água, a substância não
aparece na portaria do Ministério da Saúde. Na bula de agrotóxicos que a contém,
como o Basagran, a bentazona é descrita como “um agroquímico da classe
toxicológica I – extremamente tóxico e nocivo por ingestão”. Como herbicida, é
muito usada nas culturas de soja, arroz, feijão, milho e trigo. E o que isso
tem a ver com a água? Os próprios fabricantes dão a entender que, se for mal utilizada,
a bentazona pode causar efeitos danosos sobre o ambiente aquático. “[O produto]
é perigoso para o meio ambiente por ser altamente móvel, apresentando alto
potencial de deslocamento no solo e podendo atingir principalmente as águas
subterrâneas. Possui ainda a característica de ser altamente persistente no
meio ambiente, ou seja, de difícil degradação”, diz o texto.
Outro exemplo: um
estudo de 2009 sobre a contaminação de mananciais hídricos, liderado pelo
pesquisador Diecson Ruy Orsolin da Silva, da Universidade Federal de Pelotas,
monitorou a ocorrência de agrotóxicos em águas superficiais de sete regiões do
sul do Brasil, associadas ao cultivo de arroz na safra 2007/2008. De todos os
produtos detectados – clomazona, quincloraque, penoxsulam, imazetapir,
imazapique, carbofurano, 3-hidróxido-carbofurano, fipronil e tebuconazol –
somente o carbofurano é controlado pela portaria. Isso mostra que muitos
dos agrotóxicos utilizados, e que estão presentes nos meios aquáticos no país,
não são fiscalizados pelas empresas de tratamento de água. Elas não são
obrigadas pelo Ministério da Saúde a fazer o controle.
Em São Paulo e no
Rio, os níveis dos produtos químicos listados na portaria estão dentro dos
limites permitidos. Na verdade, os valores de São Paulo são muitos melhores do
que os do Rio. Isso é uma boa notícia? Sim e não. “Os processos de
transformação química quebram as moléculas tóxicas, fazendo com que
desapareçam. Essa manipulação da água cria outros compostos ou resíduos
desconhecidos. Ninguém procura por eles e evidentemente não estão na portaria.
Hoje ninguém sabe quais são os efeitos dessas moléculas”, diz Fabrice Nicolino,
jornalista francês especializado em meio ambiente. Mesmo concentrações muito
baixas de algumas substâncias podem ser perigosas.
A polêmica do
alumínio
Como se tiram os
poluentes da água? Tudo começa com um processo chamado coagulação. Nessa fase,
são adicionados sulfato de alumínio e cloreto férrico, para agregar as
partículas de sujeira presentes. O uso do sulfato de alumínio é muito polêmico
no mundo todo. Ainda que não tenha sido provada uma relação direta entre esse
produto químico e a doença de Alzheimer, vários cientistas europeus defendem
que ele é responsável pelo aumento da incidência do problema nas últimas
duas décadas.
Um estudo feito
durante oito anos pelo Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica
(Inserm), em Bordeaux, no sul da França, concluiu que uma forte concentração de
alumínio na água, bebida a vida toda, pode ser um fator de risco para o
desenvolvimento de Alzheimer. Realizada por um dos centros de maior prestígio
da França, a pesquisa causou – e continua a causar – muito barulho, tanto na
imprensa quanto no mundo científico.
Também teve forte
impacto um artigo científico dos pesquisadores Chris Exley, da Universidade
Keele, e Margaret Esiri, da Universidade de Oxford – ambas no Reino Unido –
publicado no Journal of
Neurology, Neurosurgery and Psychiatry em 2006. Quando foi realizada a
autópsia de Carole Cross, que morreu, aos 59 anos, de Alzheimer, observaram-se
altas concentrações de alumínio no seu cérebro. Os autores relacionaram o
achado a um acidente que atingiu a cidade de Camelford, na Inglaterra, onde
Carole vivia em 1988. Na época, 20 toneladas de sulfato de alumínio foram
depositadas por engano nas tubulações de água potável. Os pesquisadores não
relacionam diretamente a presença do metal com a doença. Sabe-se, contudo, que
o alumínio está ligado a alguns tipos de demência, e que Carole não tinha
antecedentes familiares com doenças semelhantes.
Princípio da
precaução
Faz um bom tempo que
as empresas responsáveis pelo tratamento da água conhecem os perigos do
alumínio. Em Paris, a substância deixou de ser usada nesse processo há mais de
20 anos. Adota-se o cloreto férrico. A prefeitura da capital francesa resolveu
fazer a mudança pelo que é conhecido como princípio da precaução: se existem
antecedentes ou experiências que sugiram um risco, não se espera que a ciência
comprove isso. É melhor prevenir do que lidar com o problema depois.
Quando perguntei à
Sabesp e à Cedae se achavam possível parar de usar o alumínio, a resposta foi
clara. “Mas por quê? O produto funciona muito bem”, disse André Luis Gois
Rodrigues, responsável pela qualidade da água na Sabesp. As duas empresas
admitiram conhecer a polêmica. “Nada foi comprovado. O uso do alumínio é
permitido pelo Ministério da Saúde e também pela OMS. Se um dia for demonstrado
que há risco, com certeza deixaremos de usar”, explicou Jorge Briard, da Cedae.
Além de ser barato, o sulfato de alumínio permite obter uma cor transparente,
um pouquinho azul, bem bonitinha, semelhante à de um rio limpo. Por isso, é bem
prático. Ninguém vai se queixar da cor da água.
Adicionam-se sulfato
de alumínio, cloreto férrico ou outro coagulante à água. Nessa fase, a
coagulação, as partículas de sujeira agregam-se.
Vale lembrar que a
água não é a única fonte de absorção do alumínio no corpo. Atualmente a
substância encontra-se em altas concentrações na comida (nos legumes e
especialmente nos aditivos alimentares, como conservantes, corantes e
estabilizadores), nos cosméticos ou nos utensílios de cozinha. De acordo com a
OMS, um adulto ingere cerca de 5 miligramas de alumínio por dia apenas da
comida. Para a organização, os aditivos são a principal fonte de alumínio no
corpo. Em comparação, a água traz um volume muito menor: em média 0,1 miligramas
por litro, o que pode somar 0,3 miligramas se você bebe 3 litros por dia.
Segundo a entidade, o alumínio na água representa só 4% do que um adulto
absorve.
Essa relação também é
válida para os agrotóxicos. É bem provável que, comendo legumes não orgânicos,
uma pessoa absorva uma quantidade muito maior desses produtos do que ao beber
água. Fazer essa comparação é muito complicado, porque o jeito de contabilizar
os agrotóxicos é diferente na comida e na água. Sabemos, porém, que os
agrotóxicos são diretamente aplicados nas plantações, e as medições mostram que
estão em proporção maior nos alimentos do que na água.
Por conta da grande
utilização de medicamentos na criação de animais hoje, os cientistas reconhecem
que a dose diária de absorção de antibióticos e hormônios de crescimento é mais
importante pela comida do que pela água. O professor Wilson Jardim, da Unicamp,
explica, no entanto, que isso não muda o fato de que, mesmo em doses pequenas,
os contaminantes presentes na água possam ter um efeito negativo na saúde.
A saída é a
garrafinha?
Seria então melhor
para a saúde beber água engarrafada, que chega a custar 800 vezes mais do que a
água da torneira? A resposta, de novo, não é simples. Em tese, a água envasada
tem melhor qualidade por ser subterrânea, o que oferece uma proteção natural
contra contaminação. Mas encontrar informações sobre a qualidade da água
mineral também é muito complicado no Brasil. A Associação Brasileira de
Indústria de Água Mineral (Abinam), que representa as envasadoras da água,
negou os pedidos de entrevista para esta reportagem. A comunicação também não é
muito aberta do lado das autoridades.
Na verdade, não há
como ter acesso à documentação sobre a qualidade da água engarrafada. Para
obter a lavraria e a renovação da concessão, uma empresa de água mineral
recebe, a cada três anos, a visita dos funcionários do Laboratório de Análises
Minerais (Lamin) da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), um órgão
federal. Os resultados das análises são comunicados à empresa e ao Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM), responsável pela água mineral no país, mas
não ficam disponíveis para o público. Por quê? Não recebi resposta do DNPM.
Essas análises teriam
que ser feitas seguindo a resolução RDC 274/2005, da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). A norma inclui agrotóxicos e é bem parecida com
a portaria que regula a água da torneira. Além de os dados não estarem disponíveis
publicamente, outro problema é a forma de fiscalização das fontes. O Lamin do
Rio faz análises no país todo, enquanto o de São Paulo concentra-se no estado
de São Paulo, onde fica a maior concentração de concessões de água mineral do
país. Até o início de 2013, o Lamin do Rio não tinha os equipamentos
necessários para fazer as análises dos agrotóxicos, e só no fim de 2014 o Lamin
de São Paulo deverá fazer esse trabalho. Ou seja, a resolução levou oito anos
para começar a ter todos os seus itens verificados.
Isso não acontece com
a água da torneira, que é muito mais controlada. Primeiro, porque ela precisa
chegar a toda a população. Segundo, porque a água bruta, a partir da qual se
produz a água potável, vem em geral da superfície e está mais sujeita a todo
tipo de contaminação. Isso requer atenção constante e análises mais frequentes.
A água mineral vem de lençóis subterrâneos, onde fica confinada. É menos
poluída do que a que vem dos rios e não recebe nenhum tratamento químico.
Depois de um ano fazendo as análises de agrotóxicos, o Lamin do Rio disse que
não encontrou esses produtos nas águas minerais de todo o país, com exceção de
São Paulo (onde ainda não fazem essa análise e onde está a maior parte das
fontes). Mas não tive acesso aos documentos que comprovariam isso.
Ao procurar
informações adicionais, descobri que, em São Paulo, a Companhia de Tecnologia
de Saneamento Ambiental (Cetesb) iniciou, em 2011, o monitoramento de lençóis
subterrâneos do estado em relação à presença de contaminantes e à atividade
estrogênica – ou seja, à capacidade de algumas substâncias agirem no sistema
reprodutivo humano, antecipando, por exemplo, a puberdade nas meninas ou
produzindo esterilidade nos homens. “Não foi detectada atividade estrogênica na
maioria dos 33 pontos de amostragem, selecionados em função de sua maior
vulnerabilidade. Apenas três locais apresentaram atividade estrogênica baixa.
Isso significa que não há potencial de preocupação para a saúde humana se a
água for consumida”, explica Gilson Alves Quinaglia, gerente do setor de
análises toxicológicas da Cetesb.
Tanques com cloro e
outros produtos químicos usados para tornar a água potável.
Agrotóxicos e
medicamentos
As empresas de água
mineral usam na publicidade o argumento de que a água subterrânea está
confinada e, consequentemente, fica protegida da poluição moderna. Seria bom se
fosse assim, mas existem estudos que comprovam que a poluição pode chegar a
todos os lugares – até mesmo ao subsolo.
No ano passado, uma
pesquisa encomendada a laboratórios independentes pelas ONGs 60 Milhões de
Consumidores e Fundação Danielle Mitterrand-France Libertés, na França,
encontrou tanto agrotóxicos como medicamentos na água engarrafada. “Foi uma
surpresa, porque mostra que até a água mineral está poluída. Achamos um
agrotóxico, a atrazina, usado no cultivo do milho, que está proibido no país há
mais de dez anos. Essa substância tem a propriedade de ser muito persistente no
meio ambiente. O que significa que, em dez anos, chega ao
subsolo”, explica Thomas Laurenceau, da 60 Milhões de Consumidores.
Outra grande surpresa
foi detectar o tamoxifeno, um hormônio usado no tratamento de câncer de mama,
nas amostras analisadas. “Os níveis encontrados são muito baixos, mas a
presença mostra até que ponto nosso meio ambiente está poluído”, acrescenta
Emmanuel Poilane, presidente da France Libertés.
A contaminação não é
causada pelas envasadoras de água, e sim pela deterioração geral do meio
ambiente. “As empresas de água mineral sempre estão tentando proteger as
fontes. Não depredam o meio ambiente. Não é conveniente para elas”, afirma
Doralice Assirati, do DNPM. Na Europa e nos Estados Unidos, algumas delas foram
obrigadas a fechar explorações, por conta da poluição detectada.
Uma das contaminações
possíveis no Brasil seria pelas fossas sépticas, que, às vezes, são malfeitas.
No estado de São Paulo, muitas envasadoras de água ficam em áreas urbanas,
porque a proximidade do consumidor ajuda o negócio a ser mais lucrativo. Mas,
na verdade, o maior problema das águas envasadas não vem do líquido, mas do
contêiner de plástico. Se as garrafas e os garrafões fossem de vidro,
poderíamos confiar mais na qualidade. Só que os problemas causados pelo uso do
plástico já são bastante conhecidos e estudados.
PET, PP, PE, PVC, PC
O mundo dos plásticos
é complicado. Aproximadamente 75% da água envasada no Brasil está em
garrafões. “Eles podem ser confeccionados em todo e qualquer plástico –
PVC, policarbonato (PC), polipropileno (PP) e polietileno (PE) –, desde que
obedeçam aos regulamentos da Anvisa para embalagens em contato com alimentos”,
afirma Carla Castilho, assessora técnica do Instituto Nacional do Plástico.
Isso na teoria. Na prática, a indústria fabrica 90% dos garrafões em
polipropileno e o restante, em politereftalato de etileno (PET) e
policarbonato, segundo o Instituto Nacional do Plástico. O polipropileno tem
custo baixo para o produtor. Isso é uma boa notícia, porque é o plástico
menos propenso a ter Bisfenol A (BPA), uma substância química perigosa usada na
produção.
A Anvisa autoriza o
uso de BPA em materiais plásticos destinados ao contato com alimentos e
estabelece, como limite seguro de migração, 0,6 miligrama por quilo de alimento
e 0,6 miligrama por litro de bebida. A agência limita-se a estabelecer a
quantidade de BPA que pode migrar de um produto para o alimento, não a
quantidade máxima presente no produto.
Vários países
europeus, como França e Dinamarca, estão proibindo o BPA nas embalagens de
alimentos. Isso não tem relação com o nível de migração, e sim com os materiais
onde está presente o BPA, como o policarbonato e as resinas epóxi em todas as
latas de alumínio. É alta a probabilidade de que a Autoridade Europeia de
Segurança Alimentar (EFSA) reduza o nível de migração de 0,5 miligrama por
quilo por dia para até 0,005 miligrama por quilo por dia.
No Brasil, somente as
embalagens da água mineral Indaiá, do Grupo Edson Queiroz, um dos maiores do
país, são feitas de policarbonato. Técnicos da empresa enviaram análises para
nos convencer de que não há nenhum problema com os recipientes em
policarbonato. Os resultados do laboratório, de fato, são ótimos. Só que os
problemas causados pelos plásticos não acontecem quando as embalagens são
novas, mas com a manutenção, a exposição ao calor e as múltiplas lavagens dos
garrafões, que podem ser usados durante três anos. “Não podemos nos
responsabilizar pela manutenção. Não depende da gente”, disse Francisco Sales,
gerente industrial do grupo Edson Queiroz. Não, mas também ninguém pode dizer
que a degradação dos plásticos não traz problemas para o consumidor. A
degradação do PET, material das garrafas descartáveis, não é algo com que se
preocupar se o recipiente for usado uma vez só.
Estudos científicos
mostram ainda que, com o tempo, mesmo a qualidade da água mineral se degrada.
Em 2009, uma pesquisa realizada por Martin Wagner e Jörg Oehlman, da
Universidade de Frankfurt, na Alemanha, detectou interferentes endócrinos –
isto é, substâncias artificiais que agem no nosso corpo por serem parecidas com
hormônios – em 12 das 20 amostras de água mineral analisadas. Os dois
cientistas também inseriram moluscos em garrafas PET e de vidro e notaram que,
nos recipientes plásticos, houve reprodução em uma velocidade maior. Isso
também indica a presença desses contaminantes, que podem ter se desprendido do
plástico das garrafas. As indústrias do plástico e da água contestaram os
resultados.
Caminhão com
garrafões expostos ao sol no Catumbi, Rio: calor pode soltar componentes do
plástico na água.
Praticamente na mesma
época, as pesquisadoras Barbara Pinto e Daniela Reali, da Universidade de Pisa,
na Itália, detectaram uma contaminação semelhante, mas em menor nível, em
amostras de água mineral italiana. Elas não souberam explicar a origem dos
interferentes que apareceram em 10% das garrafas. Isso levou vários cientistas
a pedir para a indústria do plástico que revelasse os segredos de
fabricação, para entender o que acontece em uma água que fica um certo tempo
nesses recipientes. A resposta foi o silêncio.
Devido à pouca
colaboração da indústria, os problemas causados pelos ftalatos, outros produtos
químicos usados no plástico, ainda são pouco conhecidos e estudados. Tanto os
ftalatos quanto o BPA estão presentes em praticamente todo o plástico que há
nas nossas casas. Os ftalatos são usados na fabricação de acessórios
domésticos (piso, papel de parede), produtos infantis (mamadeiras,
brinquedos, colchonetes para troca de fraldas, mordedores), embalagens (filme
transparente, garrafas descartáveis) e até em utensílios médicos (cateteres,
bolsas de sangue e soro). O BPA está nos equipamentos esportivos, em
dispositivos médicos e odontológicos, produtos para obturação dentária e
selantes, lentes para os olhos, todos os produtos com PVC, e policarbonatos,
CDs e DVDs, eletrodomésticos, embalagens de plástico duras, jarras de água em
plástico duro e latas de alumínio.
“Existem na vida
janelas de exposição do BPA mais problemáticas do que outras. As crianças são
mais expostas do que um adulto. Também ocorre maior migração de produtos químicos
para a comida ou a água com o calor”, diz o pesquisador Wilson Jardim, da
Unicamp. Ou seja, ainda falta muita informação sobre o perigo dos produtos e a
toxicidade dos que já estão no meio ambiente. Hoje, temos consciência do perigo
de substâncias que a geração anterior à nossa usava de maneira regular, como o
DDT. Mas, como acontece agora, a indústria ou não informava ou negava o
problema da contaminação.
Qual água é melhor?
É impossível saber se
a água envasada é de melhor qualidade do que a água da torneira, pois há muito
pouca informação sobre o uso de recipientes plásticos. A água tratada também
tem poluentes em um nível pouco conhecido, mas com certeza menor do que o da
comida não orgânica. A grande diferença entre as duas é que a água envasada traz
ainda mais problemas para o meio ambiente, pelo fato de gerar lixo, aumentar as
emissões de carbono e envolver consumo de energia na sua produção.
Qual é a água que
devemos beber? Responder a essa pergunta, que já é complicado atualmente, será
ainda mais difícil para a próxima geração, por causa do aumento nos níveis de
poluição no meio ambiente. Será que morar no campo é garantia de encontrar água
pura? Hoje isso já não acontece. No Brasil e em outros países, a qualidade da
água em zonas de produção agrícola como as do Mato Grosso é bem ruim, devido ao
uso intensivo dos agrotóxicos.
Parece que o único
caminho para salvar a água potável é o da cidadania. As melhores experiências
para se obter uma qualidade de água razoável ocorrem quando os cidadãos participam
da gestão da água, fiscalizando as empresas de tratamento e exigindo que as
autoridades aumentem o orçamento para o recurso “água”.
Hoje, o monitoramento
das concessionárias no Brasil é feito pelas agências de vigilância sanitária de
cada estado. Mas até as empresas reconhecem que não há fiscalização. As
autoridades não parecem ter vontade de aumentar o orçamento para saneamento,
mesmo sabendo, há muitos anos, que isso é mais do que necessário para melhorar
tanto a água e o meio ambiente quanto a saúde das pessoas.
Ainda é possível
mudar as coisas. As soluções existem, só que custam caro. No mesmo estudo sobre
a contaminação das garrafas de água com agrotóxicos e medicamentos, as ONGs
foram para regiões mais poluídas da França (nem toda a França é como Paris), aonde
os agrotóxicos chegam a níveis bem acima do permitido pela legislação, há
muitos anos. A poluição obrigou as autoridades a investir em tecnologia de
ponta para melhorar a qualidade da água. Conseguiram. Entre essas novas
tecnologias estão nanofiltração, ultrafiltração, osmose reversa e tratamento
com raios ultravioleta solares. Mas, para que os impostos sirvam a essa causa,
a mobilização das pessoas é obrigatória.
.No Canadá, na Europa,
no México ou na Bolívia, existem numerosos exemplos de como a população retomou
o poder sobre a qualidade, o preço e, inclusive, a propriedade da água. Também
é necessária a vontade política das autoridades para limitar o uso de
produtos químicos no meio ambiente e aumentar o apoio à agricultura orgânica. E
da ajuda de todos no momento das compras – um consumo consciente, que prefira
produtos menos danosos ao meio ambiente, tanto na fabricação quanto na vida
útil. Isso significa não trocar de celular a cada novo modelo ou deixar de
beber três pequenas garrafas plásticas de água por dia. (ecodebate)
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