Resíduos plásticos e agrícolas estão transformando os
oceanos em lixões invisíveis
Os cientistas ficaram
horrorizados ao entrar no chuveiro e encontrar pequenas bolinhas coloridas, de
2 a 3 mm de diâmetro, misturadas ao sabonete líquido oferecido pelo hotel. Era
o prenúncio de uma crise no início da conferência sobre poluição nos oceanos
promovida pelas Nações Unidas em Montego Bay, na Jamaica, no fim de 2013, e que
acontecia no mesmo lugar onde todos os 250 participantes estavam hospedados.
A suspeita dos
pesquisadores era de que o sabonete fosse um daqueles produtos de higiene
pessoal que vêm com microesferas de plástico. Elas vêm sendo usadas nos últimos
10 anos pelos fabricantes de cremes de barbear, xampus, esfoliantes e outros
cosméticos. As estações de tratamento de água não foram projetadas para reter
partículas tão pequenas e as bolinhas acabam indo da pia direto para os mares.
Plásticos são um grande desastre para os oceanos e ecossistemas costeiros, e
quanto menores, pior o estrago. Microesferas plásticas são encontradas em
ostras, mariscos e até baleias.
A conferência
promovida pelo governo da Jamaica e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma) debatia justamente os elos entre as atividades terrestres e
seu impacto no mar. O cenário não é animador: esgotos, produtos químicos e
plásticos estão transformando as costas em lixões, reduzindo a biodiversidade
marinha e aumentando as zonas mortas em todos os oceanos.
“Resíduos plásticos
são um problema transfronteiriço clássico”, diz estudo do Pnuma. “É possível
recuperar uma parte através da limpeza das costas, mas há muito mais em áreas
não visíveis do oceano, tanto na superfície como no fundo”, continua. “Os
oceanos estão sofrendo e as soluções não podem vir de um único país”, disse
Elizabeth Maruma Mrema, vice-diretora
do Departamento de Políticas Ambientais do Pnuma. “Temos que buscar parcerias,
dividir as melhores práticas e o setor privado têm que estar a bordo”,
continuou.
É difícil quantificar
o volume de lixo que chega aos mares do mundo, só é possível fazer estimativas.
Em 1997, a Academia de Ciências dos Estados Unidos estimou o volume em 6,4
milhões de toneladas anuais. Outros cálculos projetam que 8 milhões de itens de
lixo vão para os oceanos todos os dias. Os navios seriam responsáveis por 5
milhões disso, segundo o Pnuma.
Outras análises falam
em 13 mil pedaços de lixo plástico flutuando em cada quilômetro quadrado de
superfície oceânica. Estima-se que 90% dos esgotos dos países em
desenvolvimento cheguem aos rios, lagos e mares sem tratamento, sem falar no
excedente dos produtos químicos usados na agricultura – um fenômeno conhecido
como ciclo do fósforo e do nitrogênio. Segundo a Global Partnership for Oceans,
aliança internacional de governos, ONGs e empresas, existem atualmente 405
zonas mortas nos oceanos – lugares onde a vida marinha não pode sobreviver.
Neste panorama, as
microesferas de plástico aumentam o desastre. “Há dois problemas complexos
relacionados aos microplásticos: o físico, do plástico que não degrada, e o
químico, que tem a ver com o produto que está dentro das microesferas”, diz o
britânico Peter J. Kershaw, especialista em ecossistemas marinhos. O
pesquisador, que representa o Gesamp (grupo de especialistas em oceanos que
assessora agências da ONU), explica que os micro plásticos foram usados há
vários anos como abrasivos na limpeza de prédios, e só mais recentemente
chegaram à indústria de cosméticos.
“Os grandes plásticos
se quebram no mar e a limpeza fica cada vez mais complicada, mas eles são
visíveis, chegam às praias. Mas e o que não vemos? E o que está no leito do
mar?”, questiona. “Sabemos que os microplásticos afetam a saúde de organismos
marinhos. Foram encontrados em moluscos, terão efeito na pesca. Têm um risco em
potencial, que ainda não conseguimos detectar claramente.”
Em 2011, a pequena
ONG holandesa North Sea Foundation começou uma campanha pedindo às empresas que
parassem de usar microesferas plásticas assim que possível. Outra organização,
a Plastic Soup Foundation, juntou-se ao esforço. “Há lugares em que a
concentração de plásticos no mar é 20 vezes superior à de plâncton”, diz a
ambientalista Maria Westerbos, diretora da Plastic Soup. As duas ONGs lançaram
um aplicativo para celulares que funciona na Holanda e permite aos consumidores
escanearem produtos de higiene pessoal para ver se têm ou não microesferas
plásticas.
Fizeram mais que
isso: pediram às pessoas que participassem de um “tuitaço” solicitando à
Unilever que deixasse de usar microesferas em seus artigos. O esforço deu
resultado imediato, diz Westerbos. A Unilever anunciou que todos os seus
produtos ao redor do mundo não teriam mais microesferas plásticas até 2015.
Outros grandes nomes do setor também informaram que estavam parando de usar,
algumas pedindo prazos maiores. “Miramos os cosméticos, mas estou convencido
que há microesferas em muitos produtos que usamos”, diz Jeroen Dagevos, gerente
da North Sea. “Não há legislação sobre isso ainda.”
No Brasil, nenhum
executivo da Unilever quis falar sobre o assunto com a reportagem do Valor. A
assessoria de imprensa enviou um comunicado da empresa no exterior. Ali se lê
que a Unilever utiliza hoje microesferas apenas em produtos esfoliantes, pela
sua característica de eliminar células mortas da pele, e confirma a decisão de
abandonar o material, em resposta à preocupação de stakeholders. Diz ainda que
estão sendo pesquisados substitutos naturais.
Algumas estatísticas
calculam que plásticos respondem por 90% da poluição marinha. “Nosso foco é a
poluição por plásticos. As pessoas jogam fora, porque é um material feito para
jogar fora”, diz Daniella Russo, diretora-executiva da Plastic Pollution
Coalition, uma rede de indivíduos, organizações e empresas. “É um produto
difícil de fazer, muitos não são recicláveis. As pessoas começam a entender que
suas atitudes têm que mudar”, continua. A organização está buscando sensibilizar
os jovens para o problema. “Trabalhamos em 120 campi universitários no mundo
que estão reduzindo seu uso de plástico. Todos podem trazer de casa sua própria
xícara e reutilizar a garrafinha de água.”
A ambientalista
aposta que alguns produtos têm seus dias contados. “Canudinhos? Pode-se viver
sem, acho. Banir o uso de sacolas plásticas no mundo é algo que,
definitivamente, vai acontecer um dia”, diz ela. “E a razão disso é econômica,
não ambiental: é caro para as prefeituras se livrar das sacolas de plástico.”
Os ecossistemas
costeiros contribuem com 38% do PIB mundial, diz Elizabeth Mrema, e as áreas de
mar aberto, por outros 25%. Nas estimativas da Global Global Partnership for
Oceans, as perdas globais pela má exploração dos estoques pesqueiros foram de
US$ 2,2 trilhões nas últimas três décadas.
A pressão sobre os
oceanos tende a aumentar. Em 2015, as estimativas projetam que um quinto da
população mundial viverá em áreas costeiras. Em 2030 perto de 5 bilhões de
pessoas viverão em cidades, muitas a menos de 60 quilômetros do mar. “Algumas
destas tendências são inevitáveis. Mas o mundo pode ainda determinar a
quantidade e a qualidade dos efluentes que chegam aos rios e mares se conseguir
criar elos sustentáveis entre cidades, áreas rurais e os ecossistemas ao
redor”, diz material do Pnuma.
O desafio de proteger
os oceanos não é simples. Se a meta for preservar a biodiversidade marinha, os
procedimentos são diferentes daqueles dos ecossistemas terrestres. “A proteção
da biodiversidade marinha é complexa”, diz o professor Richard Kenchington, do
Australian National Centre for Ocean Resource & Security (Ancors). “Em
terra, quando um sistema está ameaçado, é comum criar um parque para
protegê-lo. No mar, criar áreas protegidas é útil, mas complicado. É preciso
ter um conceito mais global.”
O australiano diz que
aumentar a consciência ambiental sobre a necessidade de se proteger as
barreiras dos corais foi útil porque é algo que as pessoas podiam identificar.
“Os corais são como bonitos jardins do mar, têm impacto visual, são um símbolo.
Mas são tão importantes quanto outros ecossistemas marinhos que são vistos
apenas por quem mergulha.”
A conferência na Jamaica
terminou com os participantes reforçando a necessidade de se criar parcerias
para lidar com a poluição marinha. E com um alívio: as bolinhas do sabonete
líquido do chuveiro eram de material gelatinoso totalmente degradável.
Cor do mar jamaicano
reflete o uso excessivo de fertilizantes agrícolas
A água do parque
marinho de Montego Bay é muito verde, mas de perto a ilusão se desfaz: o mar do
Caribe, naquele ponto, não é o paraíso que se imagina. A água é turva e cheira
estranho. É só o barco se afastar da orla, dos esgotos e dos riachos para a
água ficar cristalina e exibir corais e cardumes. “Água verde é excesso de
nutrientes”, diz o guia Wrenford Whittingham. “Isso não é bom.”
“Nutrientes” são
nitrogênio, fósforo e potássio, além de outros elementos essenciais para o
crescimento das plantas e a produção alimentar. A fertilização dos solos
procura corrigir as carências, a questão é encontrar o equilíbrio. A escassez,
como acontece em países africanos, empobrece solo e colheita. O excesso também
é problema: não aumenta a produtividade e contamina terra, água e ar, além de
causar impacto nos oceanos.
“O uso excessivo de
nitrogênio e fósforo na agricultura chega aos ambientes marinhos, causa a
proliferação de algas e a consequente falta de oxigênio na água e zonas
mortas”, diz Christopher Corbin, responsável pelo programa de política
ambiental do Pnuma no Caribe. “O desafio é usar estes produtos de forma
eficiente em terra e diminuir o impacto no mar.”
O uso de produtos à
base de fósforo e nitrogênio dobrou nas últimas décadas, embora em alguns
países continue deficiente e em outros, exagerado. “Cerca de 20 milhões de
toneladas de fósforo são extraídas ao ano e quase a metade chega aos oceanos, o
que representa oito vezes a taxa natural”, diz Elizabeth Mrema, vice-diretora
da divisão de Implementação de Políticas Ambientais do Pnuma. “Temos que ter
melhores políticas ou em dez anos vamos acabar com recursos dos oceanos.”
“A menos que alguma
ação urgente seja tomada, o aumento da população e do consumo per capita de
energia e de produtos de origem animal irá exacerbar as perdas de nutrientes,
os níveis de poluição e a degradação da terra”, diz o relatório do Pnuma “Our
Nutrient World”. O estudo foi feito pela Parceria Global no Manejo de
Nutrientes (GPNM, em inglês), uma aliança entre governos, indústria,
universidades, ONGs e agências das Nações Unidas.
“É preciso aumentar a
eficiência no uso de nutrientes”, diz Mark Sutton, do Centro de Ecologia e
Hidrologia do Reino Unido, um dos coordenadores do estudo. Se a eficiência no
uso de nitrogênio aumentar em 20% em 2020, pode-se economizar 20 milhões de
toneladas e ter melhoras na saúde, no clima e na biodiversidade, diz ele.
O exemplo holandês
mostra que é possível. O país chegou a usar 1000 kg de nitrogênio por hectare
para fertilizar, diz Jan Willem Erisman, do Louis Institute. “As algas
proliferaram no Mar do Norte, piorou a qualidade do ar e da água”, lembra. O
governo limitou o uso e educou os agricultores sobre o desperdício. “O consumo
foi reduzido para menos de 400 kg por hectare sem nenhuma perda na produção.”
(ecodebate)
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