Sem Copa Verde: como Manaus se prepara para o megaevento
A arena de futebol
custou aos cofres públicos mais de R$ 600 milhões e ninguém sabe o que será
dela depois; a reforma do porto consumiu R$ 71 milhões de recursos
federais (via DNIT) e teve o processo de licitação contestado – as obras
foram há pouco retomadas mas ainda não se sabe o porto estará pronto antes da
Copa. As obras do aeroporto internacional Eduardo Gomes soterraram um curso
d’água e desmataram uma área protegida da capital amazonense. Os centros de
treinamento – dois – não têm data para abertura.
Quando Manaus foi
escolhida para sediar quatro jogos da Copa, a decisão foi saudada pela imprensa
local e por políticos e um clima de euforia reinou na cidade. Uma lista de
projetos que fariam parte “do legado da Copa” entrou nas agendas de discussão
dos gestores públicos e passou a pautar reportagens e debates: obras de
mobilidade urbana, incremento da rede hoteleira, revitalização de áreas
degradadas, melhorias no transporte público. Até mesmo um projeto de geração de
energia solar, que seria instalado no entorno da Arena da Amazônia, foi
previsto no pacote.
A maioria dos
projetos foi abandonada ao longo do caminho e a população não esqueceu.
Pressionados agora a dar uma resposta à sociedade, os gestores públicos se
empenham em anunciar como “legado” intervenções de menor porte, planejadas a
toque de caixa, na área de segurança pública, do trânsito urbano.
O desapontamento com
o (não) legado da Copa vem acompanhado pelo desalento trazido pela morte de
três operários ao longo da construção da Arena da Amazônia: foram duas mortes
em 2013 e uma nesse início de fevereiro de 2014. Uma quarta morte, embora não
associada diretamente a acidente de trabalho, também trouxe comoção ao canteiro
de obras – um trabalhador morreu vítima de infarto – e marcou Manaus com a
cidade-sede da Copa com o maior número de acidentes fatais durante os
preparativos para o megaevento. A construtora Andrade Gutierrez – uma das mais
beneficiadas pelas obras da Copa no país – é alvo de uma ação por dano moral
coletivo e, em 7 de fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho pediu
prioridade no julgamento dessa ação contra a responsável pela obra, no valor de
R$ 20 milhões.
Momento “positivo”
Nem mesmo o gestor da
Copa – como é informalmente conhecido o cargo de coordenador da Unidade Gestora
do Projeto Copa em Manaus (UGP Copa), criado pelo governo do Amazonas – Miguel
Capobiango, cita mais as prometidas obras de mobilidade e revitalização urbana
ao falar do legado da Copa. “O principal legado que a Copa vai deixar para
Manaus é a visibilidade”, ele diz. “E ela trará turistas. Então, é preciso
tentar dentro do projeto da Copa fazer com que este momento de visibilidade se
torne um momento positivo”, incentiva.
Não vai ser fácil
mostrar um cenário tão “positivo” para os visitantes. Embora detenha o sexto
PIB do país, segundo o IBGE de 2010, sobretudo por abrigar o Polo Industrial de
Manaus (PIM), a cidade se destaca por sua elevada desigualdade social. O
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) vem melhorando, hoje é de
0,737 (o máximo é 1), mas o Índice Gini, usado para medir a concentração de
renda, indica que a desigualdade em Manaus vem crescendo: passou de 0,56 em
1991 para 0,61 em 2010 (numericamente, O significa total desigualdade e o 1,
completa desigualdade).
Eliane Nascimento que
vive com sua família em um barco no Igarapé de Educandos
“Prometeram um
legado, mas isso não passou de discurso. Está muito claro quem está ganhando
com a Copa em Manaus: as construtoras, os organizadores, os dirigentes do
Estado e a própria FIFA. Esses são os que vão lucrar com as grandes somas
investidas. Enquanto isso, as mazelas da cidade estão expostas”, afirma
Hamilton Leão, presidente do Instituto Amazônico de Cidadania (IACi), uma das organizações
de Manaus mais atuantes na cobrança dos gastos públicos na cidade.
“Fazem tantas
propagandas sobre a cidade que não correspondem à realidade. Se quiserem fazer
um raio-X da cidade não perguntem ao empreiteiro, ao empresário, ao homem
público. Vá a um bairro da periferia e consulte o cidadão comum e veja
como é o dia-a-dia dele e pergunte se a Copa está trazendo algum benefício para
ele”, completa.
Aposta de risco no
turismo
A aposta no
crescimento do turismo é um risco: Manaus tem uma rede de hotelaria pequena
para o aumento projetado durante e depois da Copa. A Unidade Gestora da Copa
estima que 18 mil turistas visitem Manaus no período da Copa, enquanto
Capobiango diz que Manaus tem 14 mil leitos em hotéis convencionais. Há os
chamados “3 mil leitos alternativos”, instalados em motéis, locações
temporárias em residências e até em embarcações localizadas na orla de Manaus.
O governo do Amazonas
reservou um montante de R$ 10 milhões para divulgar o turismo pré-Copa em
“ações voltadas para workshops de educação para operadores e jornalistas de
turismo, nacionais e internacionais, dando ênfase aos oito países da Copa e às
11 cidades sedes do Brasil”, segundo declarações da titular da Amazonastur,
Orenir Braga. As ações incluem também anúncios publicitários em revistas de
bordo de companhias aéreas e revistas especialistas” e participação do órgão em
feiras de turismo no exterior e no Brasil, que deverão começar em março,
segundo o cronograma da Amazonastur.
Copa Verde
Localizada no centro
do maior Estado da Amazônia, a capital do Amazonas, que conserva 90 % de
cobertura florestal, foi escolhida como cidade-sede em 2009 mesmo sem ter
nenhum time de expressão no futebol brasileiro. A surpreendente vitória contra
a outra forte candidata, Belém (PA), com maior tradição no esporte, pode ser
atribuída a uma boa campanha de marketing: Manaus vendeu a marca “Copa Verde” –
a “capital da floresta amazônica”.
Mas a realidade
urbana é bem diferente da imagem projetada. Manaus é uma cidade com arborização
mínima (com exceção das poucas áreas preservadas por lei), fruto de uma
política de urbanização que jamais valorizou a vegetação nativa (incluindo o
próprio entorno da Arena Amazônia, onde não se vê árvores).
A preservação da
arquitetura também não é o forte da cidade e a Copa parece ter contribuído para
uma perda nessa área. Todos esperavam, por exemplo, que o antigo estádio, o
Vivaldo Lima, chamado de Vivaldão, criado pelo renomado arquiteto
Severiano Mário Porto fosse reformado. Mas, apesar da comoção em muitas pessoas
que tentaram impedir sua derrubada, ele foi demolido. Somente um novo estádio
corresponderia às exigências da Fifa, justificou-se.
O transporte público
também é precário e as prometidas obras de mobilidade foram abandonadas. Entre
as mais importantes estavam uma linha de monotrilho que faria a ligação da Zona
Norte (a mais populosa de Manaus) ao centro da cidade e o corredor exclusivo
para ônibus (chamado de BRT – Bus Rapid Transit). O monotrilho foi orçado em R$
1,3 bilhão e o BRT em R$ 200 milhões e ambos seriam bancados com recursos
públicos locais e federais.
Ministério Público do
Trabalho vistoriou as obras no Aeroporto de Manaus
A ausência de dados
técnicos fundamentando os projetos, porém, provocou uma série de
questionamentos do Ministério Público Federal (MPF), do Tribunal de Contas da
União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU). A sociedade civil também
questionou o traçado do monotrilho quando ele ainda estava no papel pela
possibilidade de centenas de desapropriações e de impactos em área tombada pelo
Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no centro de
Manaus.
Em outubro de 2013,
acatando a uma ação do MPF, a Justiça Federal do Amazonas determinou, em
liminar, a suspensão das obras do monotrilho, e orientou a Caixa Econômica
Federal a não liberar empréstimos para o governo do Amazonas. Até o momento,
não há informações de que o governo estadual tenha recorrido da decisão, mas
empresas que ganharam a licitação, em 2011, sim. O caso está no Tribunal
Regional Federal (TRF1), em Brasília.
Irregularidades
permanecem
O projeto do
monotrilho acabou sendo retirado da Matriz de Responsabilidade da Copa e
transferido pelo governo do Amazonas para o PAC da Mobilidade Urbana do
Ministério das Cidades, mas isso não altera em nada a ação do MPF, já que as
irregularidades permanecem como explica o Procurador da República Jorge
Medeiros, que atua na área do patrimônio público.
“O monotrilho não tem
a devida especificação do que deve ser licitado. Tem rubricas abertas, que constam
apenas como ‘verbas´. Verbas para que? A justificativa que era que apenas
depois da licitação é que seria possível determinar. O que é uma temeridade. A
lei exige que o detalhamento seja prévio. Isso gera problema concreto porque,
se não existe especificação antes, que já é ilegal, no momento posterior,
fatalmente vai ter termos aditivos”, diz o procurador, que aponta ainda outra
irregularidade identificada no projeto: a falta de observância de exigências da
lei federal de 2002 que determina que os modais de transporte devam ser
inseridos no contexto do plano diretor da cidade.
A Pública tentou
ouvir, diversas vezes, a Secretária Estadual de Infra-Estrutura (Seinfra),
Valdívia Lopes, responsável pelo projeto do monotrilho, sem sucesso.
Já o BRT foi suspenso
e substituído por outro projeto, o BRS (Sistema Bus Rapid Service), também fora
da matriz da Copa. Orçado em R$ 150 milhões, o BRS começou a ser implantado, de
fato, nas últimas semanas e apesar do pouco tempo de funcionamento, vem sendo
questionado pela população por ter sido criado sem levar em conta o fluxo real
do trânsito na cidade, trazendo mais congestionamentos.
“O BRT foi retirado
da Copa porque ele estava vinculado ao monotrilho. Com os complicadores em
relação aos dois, a gente adotou uma medida mais simples”, explicou Antônio
Nelson, diretor de engenharia da Secretaria Municipal de Infra-Estrutura
(Seminf), responsável pela obra. Os R$ 150 milhões estão sendo bancados pela
prefeitura de Manaus, segundo Nelson, mas a administração municipal espera
receber do governo federal um empréstimo a fundo perdido da Caixa Ecônomica
Federal. “O Ministério do Planejamento aprovou o projeto, mas ele ainda será
analisado pela Caixa para ver se o banco libera R$ 125 milhões. Os outros R$ 25
milhões serão do tesouro da prefeitura”, disse.
Uma arena com o
futuro a definir
O governo do Amazonas
terá 20 anos para pagar o empréstimo de R$ 400 milhões ao BNDES destinado à
construção da Arena da Amazônia. O restante dos recursos – cerca de 200
milhões, vêm dos cofres do governo estadual. Fazem parte do projeto dois
centros de treinamento – o CT Colina e o CT Coroado que custaram R$ 21 milhões
e R$ 14 milhões, respectivamente, ao governo do Amazonas.
As cifras assustam
quando se junta a esses gastos o valor estimado para a manutenção da Arena da
Amazônia: R$ 500 mil por mês, de acordo com os cálculos feitos com base nos
custos do Estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, explica Miguel Capobiango. De
onde virá o dinheiro? Isso nenhum gestor sabe responder. Sem uma equipe de
futebol de peso (o time melhor ranqueado no futebol brasileiro é o Nacional,
que está na Série D) e, por conseguinte, sem atrativo suficiente para chamar
público para os 44 mil lugares do estádio, o futuro da Arena Amazônia virou
tema de especulação: já circularam rumores de que se faria ali um presídio
depois da Copa (mera especulação, logo negada pelo governo) ou um shopping
center.
Miguel Capobiango diz
que o governo contratou uma empresa de consultoria “para mapear o que está
funcionando no Brasil e no exterior e assim estudar o mercado” de modo a
“enfrentar o desafio de manter a arena sem que ela onere o poder público”. Uma
eventual evolução do futebol amazonense, atualmente na quarta divisão, também é
mencionada: “Com um palco adequado, o futebol passa a ter visibilidade. Se vai
(o futebol amazonense) se tornar grande, isso vai depender dos operadores do
futebol”, diz, evasivo.
Autor de
representações no Ministério Público Federal e Estadual para tentar evitar a
demolição do Vivaldão, o engenheiro industrial Jerônimo Maranhão é mais
contundente quando fala no assunto: “A população vai gastar R$ 150 milhões por
cada um dos quatro jogos da Copa. E depois? O que vai acontecer? Este estádio
vai servir apenas para a população vê-lo todos os dias, quando passar de ônibus
em frente a ele”, diz ele.
Segundo os cálculos
do engenheiro, uma reforma com custo máximo de R$ 200 milhões teria
preservado o antigo estádio e poupado recursos públicos. “Se era para atender
exigências da Fifa, bastava, por exemplo, inclinar a arquibancada, rebaixar o
gramado, entre outras intervenções”, afirma, questionando também o valor
estimado para a manutenção do estádio. “Como se chega a esse valor se tudo ali
é novo e está na garantia? Se, por acaso, ocorrer algum problema é a construtora
que tem que responder por pelo menos dois anos”, diz.
Miguel Capobiango, o
gestor da Copa, diz que não é verdade que a nova Arena se tornará um “elefante
branco” como se comenta na cidade. “A Arena vai gerar serviços para a
população. Se falava a mesma coisa quando foi construído o Sambódromo, em
Manaus, e hoje ele é usado para caramba. Ninguém diz que o Sambódromo é um
elefante branco”, diz, referindo-se ao Centro de Convenções de Manaus, mais
conhecido como Sambódromo, onde acontecem atividades culturais e shows
musicais.
O fim da nascente de
um igarapé
Manaus é uma cidade
cortada por centenas de cursos d’água conhecidos localmente como igarapés –
microbacias que, juntas, vão formar um grande rio. No caso de Manaus, o rio
Negro, o segundo maior do mundo em volume de água, atrás apenas do rio
Amazonas.
“A importância dos
igarapés está na sua atividade biológica e química. A presença de um igarapé,
além de indicar a qualidade do ambiente, também atesta a qualidade do solo. É
esse ambiente que mantém a sustentabilidade da Amazônia”, explica o pesquisador
Sérgio Bringel, da Coordenação de Dinâmica Ambiental do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa) doutor em Hidrogeoquímica e membro do Conselho de
Recursos Hídricos do Amazonas.
A maioria dos
igarapés de Manaus estão poluídos e/ou foram aterrados para obras de
urbanização. Os poucos que sobrevivem estão em áreas de proteção ambiental
(APPs). Ainda assim, não tem a vida garantida: durante as obras de
ampliação do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, por exemplo, uma das
nascentes do Igarapé da Água Branca, localizado no bairro Tarumã, zona Oeste de
Manaus, foi soterrada. Áreas de vegetação nativa também foram suprimidas. A
obra faz parte da Matriz de Responsabilidade da Copa.
Nascente do Igarapé
da Água Branca foi soterrado
A área impactada é
conhecida como APP do Aeroporto foi atingida com o aval do órgão estadual
Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que concedeu a licença
para a obra. A nascente que desaguava em um igarapé maior, o Tarumã-Mirim,
alcançando então o rio Negro, não existe mais.
O jornalista Jó
Farrah, morador do Tarumã e ativista em defesa da floresta e da fauna silvestre
e dos igarapés que ainda resistem por ali, denunciou os danos, mas já era tarde
para salvar a nascente. “Começamos a fazer denúncia no facebook no perfil
do Igarapé da Água Branca e exibimos fotos. Fizemos a mesma denúncia na
comissão ambiental da Assembleia Legislativa do Amazonas e depois uma visita
técnica. Fomos no local e identificamos que não tem mais jeito. Soterraram
tudo”.
A Infraero,
responsável pelo Aeroporto Eduardo Gomes, foi acionada e, segundo Farrah,
admitiu que a obra foi feita no local por opção, já que outro traçado poderia
forçar desapropriações de residências, aumentando os custos. “A Infraero
justificou dizendo que só havia aquela área para fazer a obra. Desapropriar
sairia caro. Saiu mais barato destruir a floresta e impactar o igarapé”, diz o
ativista.
Desolado, Jó Farrah
diz que o Igarapé da Água Branca, um dos poucos de Manaus que tem água limpa,
perderá volume com o desaparecimento da nascente. “O igarapé da Água Branca tem
água cristalina, e pura e fria. Abastece e oxigena as águas poluídas da bacia
do Tarumã-Mirim. Em suas águas peixes como matrinchãs, traíras, bagres, carás,
sardinhas e jaraquis crescem até o tamanho certo para migrar para os rios. Sem
esse igarapé este fluxo de vida morre”, diz Jó.
Igarapé Água Branca
Farrah também conta
que durante as obras, o barro do aterro foi lançado na parte limpa do
igarapé e muitos buritizais (palmeira típica da Amazônia) morreram soterrados
pela lama. “Fizemos uma reunião com a Infraero, que se comprometeu a realizar
ações de mitigação. Mas não sabemos quais serão. Agora, também passaremos a
fazer outras cobranças. Com a ampliação do aeroporto, queremos saber para onde
vão os efluentes já que a demanda de passageiros vai aumentar. Para onde vão
jogar os resíduos? Para outros igarapés, para o rio Negro?”, questiona.
O pesquisador Sérgio
Bringel explica que quando uma microbacia, como um igarapé, é impactada, além
do desaparecimento de uma fonte natural e da vida que ali existia, também
ocorrem danos ao solo. Ao ouvir da Pública o caso da nascente do Igarapé Água
Branca, ele não tem dúvidas em classificar a obra como um crime ambiental. E,
se houve licenciamento ambiental então também houve “falta de responsabilidade
do órgão responsável”, ele diz.
A assessoria de
imprensa da Infraero informou que, em janeiro passado, a Infraero obteve do
órgão ambiental licença de instalação e disse que “todos os procedimentos
administrativos e técnicos referentes ao licenciamento foram adotados
previamente junto ao órgão ambiental competente”, e que “aguardará pela
manifestação do órgão licenciador sobre possíveis impactos ambientais”.
Procurada, a
assessoria do Ipaam informou que a obra foi licenciada e que “se houver
irregularidades e descumprimento das condicionais constantes da licença
ambiental”, o órgão vai tomar medidas cabíveis e divulgá-las.
Com um orçamento de
R$ 444, 46 milhões, a ampliação do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes é uma
promessa antiga, ressuscitada pela Copa. Com as obras, a capacidade do
aeroporto, atualmente de 6,4 milhões de passageiros ao ano, subirá para 13,5
milhões ao ano, segundo a assessoria da Infraero.
Mas, além dos
prejuízos ambientais, as obras do aeroporto também foram questionadas por
irregularidades trabalhistas. Chegaram a ser interditadas por determinação
judicial em processo movido pelo MPT. No início de fevereiro, após audiência
com o MPT, as obras foram retomadas. Segundo a assessoria de imprensa a
previsão é que ele seja reinaugurado no final de abril.
Barcos, palafitas e
vista do Rio Negro
Quem passa apressado
pela avenida Lourenço da Silva Braga, mais conhecida como Manaus Moderna, pouco
tempo tem para observar os detalhes de um dos lugares mais degradados do centro
da cidade e, ao mesmo tempo, um dos que possuem a vista mais bela da capital
amazonense – o rio Negro. Apesar da paisagem, os turistas que visitam Manaus
são direcionados para áreas mais arejadas e elitizadas da cidade, como a região
da Ponta Negra, na zona Centro-Oeste da cidade.
Casas no Igarapé de
Educados
Se um cidadão se
dignar a circular na estreita calçada (com vários trechos quebrados) da artéria
permanentemente congestionada, vai logo perceber porque ali não há turistas.
Basta se escorar na frágil mureta que a circunda e olhar para baixo para uma
vista inesquecível: uma orla suja, cheia de lixo e uma fileira de embarcações
atracadas no igarapé de Educandos, um dos principais e maiores cursos d´água de
Manaus.
Um olhar desatento
nem imagina que mora gente ali. Mas é na margem do Igarapé de Educandos, que
Eliane Nascimento, 36 anos, trabalha como vigia de embarcações junto com o
marido, Pedro dos Santos, e vive há cinco anos com os oito filhos em um barco
cujo proprietário sumiu. “Eliane, você acompanha notícias sobre a Copa em
Manaus? Sabe o que significa isso?”, pergunto. “Olha, sei pouco. Dizem que vai
trazer coisas boas, mas não sei que é. Não falam para gente disso. A senhora
sabe?”, pergunta de volta Eliane.
“Será que vão
melhorar as coisas aqui na época da Copa?”, entra na conversa Estônia Gomes,
53, comandante de outro barco ancorado. Estônia trabalha no comando do “timão”
do barco transportando produtos extrativistas de cidades do interior próximas
para comercializar em Manaus. Passa a maior parte do tempo no rio, mas tem
residência fixa.
Palafitas do Igarapé
de Educandos
“Seria bonito se
limpassem, tirassem essa sujeira toda que se acumula há anos”, sonha
Estônia. “Olha, a gente não tem nem água limpa para beber. Não tem torneira. Eu
compro água do outro lado do rio, num posto de gasolina e encho várias garrafas
de refrigerante PET. Imagine só. A gente morando na cidade onde tem um rio
desse tamanho”, lamenta.
A cerca de 300 metros
dos barcos ancorados estão as palafitas, cujos donos não sabem até quando vão
ficar. As moradias erguidas em estacas de madeira com mais de 30 metros para
resistir à cheia do rio, que davam a Manaus o aspecto de “cidade flutuante”,
perderam sua aura romântica entre o odor do esgoto e o lixo jogado no rio. Os
canoeiros continuam a fazer o transporte entre as orlas e as casas, oferecendo
serviços pagos. Foi de uma canoa, que a Pública
conseguiu conversar com alguns moradores, que ainda sonham com melhorias
também na área de Educandos. “Estou
aqui há 15 anos. Gostaria de sair, mas para onde vou? Se Deus permitir, eu
saio. Ou me tiram. Mas, pra ser sincera, eu gostaria de ficar. Se ao menos
limpassem o igarapé. Está muito sujo”, diz dona Juraci de Souza, 54 anos.
A comandante de barco
Estônia Gomes
Políticas públicas
A reportagem tentou
saber da Prefeitura de Manaus se a administração tem planos de revitalização,
reforma ou melhorias para a área da Manaus Moderna. Afinal, a atual gestão da
prefeitura criou uma pasta, Secretaria Municipal do Centro, apenas para
responder demandas da área. Pela assessoria de imprensa, porém, soube que
aquele trecho não faz parte da atuação desta secretaria.
A Secretaria
Municipal de Infraestrutura (Seminf) sinaliza com um projeto de revitalização
do centro, estimado em R$ 1 milhão, que inclui pavimentação, faixa exclusiva
para pedestres, balcões com baias para estacionamento e bilheteria para
passageiros que usam barcos para viajar. Os recursos viriam da Caixa Econômica
Federal, mas o banco ainda está analisando o projeto, segundo Antônio Nelson,
diretor de engenharia da Seminf. “Esperamos que a Caixa libere esse recurso,
que são sobras aplicadas em um outro projeto anterior e que só podem ser
investidas no centro”, disse Nelson.
Como política pública
para os moradores das palafitas há o Programa Social e Ambiental dos Igarapés
de Manaus (Prosamim) que realiza assentamento de famílias, com financiamento do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), principalmente quando afetadas
por inundações durante o período de chuva. Essas famílias são reassentadas em
unidades residenciais de baixa renda, e os igarapés canalizados, embora os
pesquisadores da área de recursos hídricos em Manaus afirmem que o ideal seria
revitalizar os cursos d´água e não aterrá-los.
Juraci de Souza, em
palafita no Igarapé de Educandos
Sobre o Igarapé de
Educandos, a assessoria de imprensa do Prosamim disse que ainda não há projeto
destinado às (aproximadamente) 500 casas, e que as melhorias estão sendo
realizadas em outras áreas de igarapés da cidade. A Pública também
visitou o Igarapé dos Franceses, no bairro Alvorada I, próximo ao estádio. Além
de residências humildes, encontrou dois campinhos de futebol, desolados e
precários, cercados por um terreno baldio. Quase nada de área verde. “A maior
parte dessa vegetação é mato. E ainda temos um igarapé poluído, sujo, que
tem mau cheiro. E isso há poucos metros da arena”, disse o comerciante
Francisco Gonçalves, de 80 anos, que circulou todo o trecho do Igarapé dos
Franceses, um curso d’agua manso e poluído, com a Pública (mas não aceitou sair
na foto).
“Moro aqui perto, mas
eu nem sei dizer o que penso sobre isso [a Copa]. Estou preocupado sobre o que
vai acontecer com os moradores durante os jogos. Imagine como vai ficar isso
aqui”, diz.
Falta de água na
capital da “rain forest”
Há aproximadamente 40
anos, Manaus era uma cidade com pouco mais de 400 mil habitantes. Hoje, são
quase dois milhões, segundo o Censo do IBGE de 2010, e os bairros que eram considerados
como zona Norte já foram engolidos pela região central. A atual zona Norte
forma com a zona Leste a “periferia” da capital, carregando todos os estigmas
sociais dessas áreas.
São bairros nascidos
de ocupação irregular que foram sendo urbanizados (a maioria das vezes de forma
precária) por pressão dos seus moradores. Raramente aparecem nos anúncios
publicitários, com suas ruas esburacadas e mal iluminadas, tragadas por
erosões, sistema de transporte público caótico, fornecimento de água irregular.
Cano de água exposto
na rua do bairro Nova Floresta
Um exemplo desse
microcosmo da periferia de Manaus é o bairro Jorge Teixeira, localizado na zona
Leste e dividido em 13 comunidades. Uma delas se chama João Paulo, formado por
três blocos (etapas, dizem em Manaus).
Salatiel Cordovil dos
Reis, 61 anos, é um dos moradores da etapa 3 e também a principal liderança
comunitária. Para respaldar suas críticas, reclamações e denúncias contra
descasos aos moradores, carrega sempre um exemplar da Constituição de 1988.
Um dos maiores
“abusos” cometidos pelas autoridades, diz, é a cobrança de tarifa de água a que
são submetidos há vários anos os moradores do bairro. A indignação tem um
motivo simples: os moradores nunca tiveram fornecimento de água da concessionária
privada Manaus Ambiental (nome adotado há dois anos, quando até então se
chamava Águas do Amazonas).
“Deixei de pagar
conta de água há vários anos, pois nunca tive água em casa. Meu nome, assim
como de outros moradores, foi parar no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), e
está lá até hoje. Entramos na justiça para não pagar”, conta Salatiel, que
elenca vários outros problemas da cidade: transporte público insuficiente,
carência de posto de saúde, ausência de obras de melhorias das vias públicas,
etc.
No final do ano
passado, após muita pressão popular, a prefeitura e a concessionária de água
firmaram um acordo para levar abastecimento de água aos moradores da zona Leste
e há dois meses, segundo os moradores, a água começou a chegar, embora ainda
sem regularidade e qualidade.
“Vem suja, poluída,
com gosto ruim. A gente usa para lavar louça e tomar banho, mas não para beber.
Muita gente daqui de casa passou mal e voltei a comprar água mineral”, diz a
dona de casa Ângela de Souza, 27, moradora da rua Erva Doce, no Jorge Teixeira.
Ângela também está endividada e com o “nome sujo”. Ela acumula faturas da
concessionária de água cujo valor mensal médio é de R$ 600.
“Nunca tivemos água e
continuamos recebendo faturas com esse valor. Não entendo como eles medem. Por
isso decidir nunca pagar”, diz Ângela, cuja rua exibe várias crateras
enlameadas por causa de vazamentos feitos pela concessionária para supostos
consertos.
A
Pública visitou outras ruas do bairro Jorge Teixeira e os bairros Nova
Floresta e Grande Vitória, também na zona leste. Em várias partes dos bairros
encontrou tubulações de água expostas na rua, sem proteção – até pouco tempo os
moradores retiravam água de poços artesianos particulares. No bairro Nova
Floresta, um morador foi flagrado retirando água de um cano quebrado da calçada
e se justificou dizendo que ela vem mais limpa do que a que vai direto para as
casas.
Francisca de Souza
mostra contas de água
No bairro Grande
Vitória, a aposentada Francisca de Souza, 74, mostrou várias faturas de água
que também nunca pagou: apesar de prometido, o abastecimento de água ainda não
chegou e ela continua tirando água de um poço artesiano de um vizinho, para
quem pagou R$ 700 pelo direito de uso. Sobre o que acha da Copa em
Manaus, Francisca disse: “Se vai trazer benefícios, de certeza não será
para mim, nem para a minha família, nem para o meu bairro. Para ser sincera, eu
nem sei o que significa isso de benefício de que tanto falam”.
A Manaus Ambiental
diz que o fornecimento e a rede de distribuição de água atende a 98% da
população de Manaus e que até março pretende ampliar a cobertura para
100%. Também disse ter incorporado 16 mil novas ligações de água ao
sistema atual e que vários bairros das zonas Norte e Leste estão sendo
atendidos pelo Programa Águas para Manaus (PROAMA).
Em relação à
qualidade da água, a Manaus Ambiental informou que a água tratada e distribuída
pela concessionária atende integralmente todas as exigências da Portaria
2914/11 do Ministério da Saúde. (ecodebate)
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