Operários trabalham a toque de caixa para a captação de reserva começar em
15/05/14
É preciso sair da
rodovia e dirigir por 2,3 quilômetros em uma estradinha de terra batida, no
limite entre as cidades de Piracaia e Joanópolis, a cerca de 100 quilômetros da
capital paulista, para encontrar os litros de água que restam nas represas
Jaguari-Jacareí. É no local, que virou um enorme vale por causa da pior
estiagem dos últimos 84 anos, que cerca de 25 operários trabalham a toque de
caixa para finalizar as obras de captação de uma reserva profunda até agora
intocável, o chamado “volume morto” do Sistema Cantareira.
Guindaste é usado para a instalação de tubos
Inédita e polêmica,
a retirada da água represada abaixo do nível mínimo de captação começa no
próximo dia 15 de maio nos reservatórios que representam 80% da capacidade
total do manancial, mas que estão com menos de 3% do volume armazenado. A
escassez hídrica impressiona quem passa pelos 13 quilômetros da Rodovia José
Augusto Freire (SP-36) entre as duas cidades do interior. Onde antes era
possível encontrar jovens saltando da ponte sobre a água, agora moradores
estacionam no acostamento para fotografar a mata que restou no solo.
A trilha até a água
leva inevitavelmente à obra do “volume morto” que acontece no túnel 7 da
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). É lá que a
empresa está instalando o conjunto de bombas flutuantes que vai sugar até 2 mil
litros de água do fundo dos reservatórios e transpor por meio de tubulações
especiais até a entrada do último túnel de captação. Dali, a água passa pelas
represas Cachoeira, em Atibaia, Atibainha, em Nazaré Paulista, e Paiva Castro,
em Mairiporã, até chegar à estação de tratamento Guaraú, na zona norte da
capital paulista.
O mesmo
procedimento está sendo feito no reservatório Atibainha, que tem 12% da
capacidade do Jaguari-Jacareí, mas ainda está com cerca de 50% do volume
armazenado e deve secar em “meados de julho”, segundo o comitê anticrise que
monitora o Cantareira. As duas obras devem custar cerca de R$ 80 milhões. Ao
todo, a Sabesp pretende captar cerca de 190 bilhões de litros da reserva
profunda, praticamente metade dos 400 bilhões do volume captável. Pelos
cálculos apresentados pela companhia, a quantidade é suficiente para abastecer
a Região Metropolitana de São Paulo até o fim de novembro, quando se espera a
volta da temporada de chuvas.
No mês passado, o
Ministério Público Estadual (MPE) abriu um inquérito civil para apurar
possíveis danos à saúde que podem ser causados pelo consumo da água do “volume
morto”. A investigação teve como ponto de partida um relatório elaborado por
especialistas em biologia e toxicidade em corpos d’água que afirmam que, quanto
mais baixo o nível dos reservatórios, maior é a concentração de poluentes.
“Quando se cogita
fazer o uso do ‘volume morto’, por causa das condições emergenciais de
necessidades hídricas, antes que esteja disponível para o abastecimento
público, deve passar por análise criteriosa e tratamento adequado para
atendimento dos padrões normatizados de qualidade de água”, afirmam no
documento Dejanira de Franceschi de Angelis e Maria Aparecida Marin Morales, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Silvia Regina Gobbo, da Universidade
Metodista de Piracicaba (Unimep).
Segundo a Sabesp, a
água do “volume morto” não apresenta riscos à saúde e “será tratada dentro dos
rígidos padrões de qualidade” seguidos pela companhia. Especialistas em
recursos hídricos, como o professor Rubem Porto, da USP, e técnicos da Agência
Nacional de Águas (ANA) e do Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE)
confirmam as boas condições de uso da água da reserva profunda.
Impacto
Outra preocupação
levantada com o uso inédito do “volume morto” é o impacto da retirada da água
na fauna do Cantareira. A suspeita levantada por ambientalistas também é
investigada pelo Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) de
Piracicaba, que já sofreu com a mortandade de cinco toneladas de peixe por
causa do baixo nível do rio que leva o nome da cidade e pertence à bacia
hidrográfica onde fica o Cantareira.
Para a
secretária-geral da ONG WWF-Brasil, Maria Cecília Wey de Brito, ainda há um
ponto importante a ser esclarecido: “Quanto tempo o Sistema Cantareira vai
levar para se recompor?”, indaga. “Corremos o risco de termos crises severas a
cada semestre. Não dá para apostar que vai voltar a chover ou que outras obras
podem resolver. A conta está no limite e é preciso utilizar outras ferramentas
para recuperar os nossos mananciais.”
Segundo o
presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, o esgotamento do volume
útil do Cantareira mostra à sociedade que a água é um bem finito e que precisa
ser consumida com parcimônia. “Agora, na iminência de ficar sem água, espero
que as pessoas comecem a entender a essencialidade dela e passem a usá-la com
racionalidade. Não dá para ficar confiando que o tempo vai ajudar nem querer
correr com os investimentos em infraestrutura hídrica agora.”
Somente nos últimos
dois meses, o Sistema Cantareira perdeu 50 bilhões de litros, segundo cálculos
feitos pelo comitê que monitora a crise do manancial, porque o consumo de água
foi muito maior do que a produção. Embora a Sabesp tenha reduzido em 6 mil
litros por segundo a retirada de água do Cantareira, com a política de bônus e
com a reversão de água dos Sistemas Guarapiranga e Alto Tietê, o grupo técnico
recomendou que a ANA e o DAEE determinem uma reserva estratégica a ser
preservada ao fimde novembro, quando termina a captação prevista do “volume
morto”. Segundo o secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, Mauro
Arce, a quantidade de água disponível nos reservatórios garante o abastecimento
de água na Grande São Paulo até março de 2015. (OESP)
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