Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS. O desafio de
garantir uma lei de proteção ambiental
“Não vejo, mesmo sabendo que em algumas localidades há uma
certa parceria entre catadores e prefeitura, uma confiança no trabalho que pode
ser realizado pelos catadores, constata o biólogo.
A quantidade de
lixões tem diminuído.
De acordo com o Ministério
da Saúde, a Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos – PNRS contém instrumentos
importantes para permitir o avanço necessário ao país no enfrentamento dos
principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo
inadequado dos resíduos sólidos. Apesar dos avanços, os desafios ainda são
enormes, como avalia Alessandro Soares, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
“A lei 12.305 validou
muitas coisas que eram desejos antigos dos catadores: não só a maior facilidade
para a contratação de cooperativas para realizar a coleta seletiva, mas o
reconhecimento como um agente de proteção ambiental. Entretanto, ainda temos
que nos acostumar com certos apontamentos da lei”, considera.
Além da questão de
gestão e relação entre os catadores e os órgãos públicos, há também a
problemática da construção dos aterros sanitários, pois a maioria dos
municípios tem uma estrutura precária para dar conta desta determinação. “As
condições para construção de um aterro sanitário são tão especiais que não é em
qualquer lugar que se constrói. O aterro, por norma, deve ter vida útil de 10
anos, o que exige bastante espaço para armazenamento, sendo afastado da
população e cuidando o lençol freático; não são condições fáceis”, esclarece Alessandro.
O resultado de tal
conjuntura é uma queda de braço entre a Confederação Nacional dos Municípios –
CNM e a obrigatoriedade de cumprimento da legislação. Entretanto, o
entrevistado é enfático. “Deveriam (os municípios) ter se manifestado durante a
construção da lei. Agora não adianta muito dizer isso. O que separa o
cumprimento ou não da lei é a quantidade de dinheiro que pode ser investido no
gerenciamento dos resíduos”, avalia.
Alessandro
Soares (foto) é biólogo
e membro do Centro de Assessoria Multiprofissional – CAMP.
IHU On-Line –
Como a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS está sendo desenvolvida na
grande Porto Alegre? Quais são seus efeitos até agora?
Alessandro
Soares - É um processo
lento. A Lei 12.305/2010 validou muitas coisas que eram desejos antigos dos
catadores: não só a maior facilidade para a contratação de cooperativas para
realizar a coleta seletiva, mas o reconhecimento como um agente de proteção
ambiental. Entretanto, temos que nos acostumar com certos apontamentos da lei.
Não vejo, mesmo sabendo que em algumas localidades há uma parceria entre
catadores e prefeitura, uma confiança no trabalho que pode ser realizado pelos
catadores. Por um lado, existe razão de não haver confiança,
por outro, há uma falha por não se investir na formação desses trabalhadores.
Revisei os planos de
gerenciamento de alguns municípios da região. Inclusive, alguns muito
parecidos, de estrutura semelhante, o que me leva a crer que foram construídos
pela mesma empresa/pessoa; a construção de um plano deste tipo é complicada e
necessita da descrição de inúmeras variáveis. No geral, temos muito que fazer,
mas já houve avanços – em Canoas, por exemplo, as cooperativas
assumiram a coleta; em Dois Irmãos, a cooperativa realiza a coleta seletiva e
do material orgânico. Estes são pontos muito positivos.
IHU On-Line –
A PNRS determina que os catadores sejam responsáveis pela coleta seletiva nos
municípios. Como está acontecendo a introdução deles nesse serviço em São
Leopoldo e no Vale do Sinos? Houve algum treinamento?
Alessandro
Soares - Acompanhei este
processo em Canoas entre 2010 e 2011. Como era um acontecimento novo, houve
alguns equívocos. Mas, em suma, é fundamental que os catadores se aproximem da
fonte de sua matéria-prima. Creio que os catadores de São Leopoldo necessitam
fazer um benchmarking em Canoas para ver quais problemas aconteceram.
Sobre os treinamentos, sempre há alguma ação, mas não se tem uma metodologia de
inserção destes catadores na realização da coleta. As universidades e
organizações não governamentais – ONGs ajudam no que podem.
IHU On-Line –
Como os catadores e cooperativas têm reagido diante da proposta de fazer a
coleta seletiva, como determina a PNRS?
Alessandro Soares - Em todos os lugares por onde passo, vejo os catadores ambicionando isso. Exceto em Porto Alegre. Acho que os catadores devem lutar por este trabalho.
IHU On-Line –
Como vai funcionar esse trabalho na prática ou como tem funcionado no Vale do
Sinos? Esse processo é viável? Que infraestrutura os catadores precisam para
realizar essa atividade?
Alessandro Soares - É interessante pensar nisso. Como vai
funcionar eu não sei. Eu teria algumas ideias se estivesse envolvido no
processo. Vejo que o projeto começa pela proposta financeira para as
cooperativas por parte das prefeituras, sendo que deveria iniciar pelo
levantamento do roteiro para o trabalho, para aí, sim, levantarem-se os custos
e o preço final pelo serviço. Fazer também um levantamento da geração
atualizada de resíduo e um estudo de quantos catadores em quantas cooperativas
são necessários para dar conta do resíduo gerado. A viabilidade disso tem que
ser calculada sobre a parte de infraestrutura; no geral os galpões de
reciclagem têm deficiências fortíssimas em seus espaços de trabalho, carências
estruturais e de segurança. Temos trabalho pela frente.
IHU On-Line – Quantos municípios gaúchos têm
o serviço de coleta seletiva? O que dificulta a adesão de muitas cidades à
coleta seletiva? Qual a eficiência desse serviço?
Alessandro Soares - Não tenho este levantamento – o site do
Compromisso Empresarial pela Reciclagem – CEMPRE é uma boa fonte. A coleta
seletiva é cara se comparada à coleta tradicional. Um valor aproximadamente 4,5
vezes maior pela tonelada coletada. Mas a lei obriga a isso, então os
municípios devem se adequar.
IHU On-Line – A PNRS também prevê a extinção
de lixões até 2014. Considerando a estrutura do Vale, essa meta poderá ser
cumprida na região? Os municípios da grande Porto Alegre têm planos de ação
para garantir o destino correto do lixo?
Alessandro Soares - Esta questão é complicada. Temos que dividir
conceitualmente a diferença de lixões e aterros sanitários.
A quantidade de lixões tem diminuído, mas ainda vejo a disposição de resíduos
em aterros por longo tempo. Infelizmente.
IHU On-Line – Os municípios têm estrutura
para fazer aterros em vez de lixões?
Alessandro Soares - No geral, não. As condições para construção
de um aterro sanitário são tão especiais que não é em qualquer lugar que se
constrói. O aterro, por norma, deve ter vida útil de 10 anos, o que exige
bastante espaço para armazenamento, sendo afastado da população e cuidando o
lençol freático; não são condições fáceis.
IHU On-Line – Quais são as fragilidades da
PNRS? A Confederação Nacional dos Municípios alegou que é impossível cumprir
10% do que prevê a lei. O senhor concorda?
Alessandro Soares - Deveriam ter se manifestado durante a
construção da lei. Agora não adianta muito dizer isso. O que separa o
cumprimento ou não da lei é a quantidade de dinheiro que pode ser investido no
gerenciamento dos resíduos. Não deve ser barato manter um trabalho deste tipo.
IHU On-Line – Quais são as metas mais
urgentes da PNRS a serem cumpridas?
Alessandro Soares - Na minha opinião, vejo que se deve
regularizar de forma mais clara a logística reversa. Muitas embalagens
plásticas são recicláveis, mas não são comercializadas pelas cooperativas, uma
deficiência clara de mercado e de falta de investimento em pesquisa. A lei nos
traz que a empresa produtora deve se responsabilizar pelo ciclo de vida de seus
produtos. Esta conta ainda está sendo enterrada nos aterros. Também aponto na
direção do apoio mais formal aos catadores, na realização da coleta seletiva
por estes e em uma proposta voltada ao cumprimento do controle social por parte
da população. (ecodebate)
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