terça-feira, 3 de junho de 2014

A dinâmica demográfica da África Subsaariana

A população do continente africano ficou estagnada, entre os anos de 1500 e 1900, em função das ações europeias do processo de colonização e de outros condicionantes históricos. Mesmo tendo taxas de natalidade elevadas, a mortalidade era alta e a esperança de vida era muito baixa. Porém, com a queda das taxas de mortalidade, a população africana cresceu 7 vezes durante o século XX e pode crescer 5 vezes durante o século XXI, ou seja, um crescimento de 35 vezes em 200 anos, o que, se acontecer, seria algo totalmente excepcional, segundo os pesquisadores Jean-Pierre Guengant e John F. May (2011). O Norte da África e a África do Sul apresentam menor crescimento demográfico nos dias atuais.
Mas a África Subsaariana é a região que apresenta atualmente as maiores taxas de crescimento demográfico do mundo. Tinha uma população de 180 milhões de pessoas em 1950 e passou para 639 milhões no ano 2000, chegando a 831 milhões em 2010. Somente na primeira década do século XXI a região cresceu quase 200 milhões de habitantes, mais do que toda a população brasileira contada no último censo brasileiro.
No quinquênio 2005-2010, a Taxa de Fecundidade Total (TFT) era de 5,4 filhos por mulher na África Subsaariana. Se esta taxa continuar constante no restante do século, a região pode chegar a um volume populacional de 16,3 bilhões de habitantes em 2100.
Mas a Divisão de População da ONU considera que a taxa de fecundidade deve cair nas próximas décadas. Se o ritmo de queda for lento, a projeção alta indica uma população de 5,4 bilhões de habitantes em 2100. Na projeção média o total em 2100 seria de 3,8 bilhões de pessoas e na projeção baixa um montante de 2,6 bilhões de pessoas.
Ou seja, em qualquer cenário a população da África Subsaariana vai crescer muito durante o século XXI. Na projeção baixa o aumento será de 4 vezes entre 2000 e 2100. Na projeção média o aumento será de 6 vezes. Na projeção alta a população vai crescer quase 10 vezes. O recorde seria no caso de as taxas de fecundidade permanecerem constantes o que provocaria um aumento populacional de 25 vezes. Ou seja, se as taxas de fecundidade Subsaarianas não diminuírem a região vai ter uma população de 2,5 vezes o tamanho da população mundial do ano 2000.
Projeções dos demógrafos Basten, Lutz, Scherbov (2013) mostra que se a taxa de fecundidade total da África Subsaariana se mantiver ao nível de 5 filhos por mulher a população da região poderia alcançar a impressionante cifra de 335 bilhões de habitantes em 2200.
Evidentemente seria impossível manter um ritmo tão intenso de crescimento populacional na região. Se a fecundidade não cair, provavelmente o ajuste seria feito pelo aumento das taxas de mortalidade e pela redução da esperança de vida. Crises econômicas e ambientais seriam fatores limitantes do crescimento. A emigração dificilmente teria um efeito de reduzir significativamente o volume populacional da região, pois haveria resistência em outras regiões para receber um volume tão alto de pessoas.
O fato é que muitos governos africanos não possuem estrutura e capacidade de implementar políticas públicas de avanço dos direitos de cidadania. Sem inclusão social e sem acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva não há como as mulheres e os casais autodeterminarem livremente a reprodução.
Dada a dimensão do problema, o processo de revisão da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) – o chamado Cairo + 20 – deveria fazer propostas concretas no sentido de ajudar a África subsaariana a sair da “armadilha da pobreza” e caminhar no sentido da estabilização da população o mais rápido possível, antes que a degradação ambiental e a perda de biodiversidade atinjam níveis críticos. A África merece alcançar os direitos sexuais e reprodutivos que outras regiões do mundo já alcançaram.
Porém, na reunião da Comissão sobre População e Desenvolvimento (CPD) da ONU, ocorrida em Nova Iorque, entre 7 e 11 de abril de 2014, com a presença de 193 delegações nacionais, foram os países africanos (aliado com os países árabes) que mais insistiram na defesa das concepções desenvolvimentistas e do crescimento econômico como fim em si mesmo. No documento final da CPD, não foi feita qualquer referência à estabilização da população (como na CIPD do Cairo de 1994) e não foram condenados os padrões de produção e consumo insustentáveis. Também foram rejeitadas as propostas de defesa dos direitos sexuais e os itens que falavam em diversidade das formas de família. Infelizmente, o fundamentalismo de mercado, o conservadorismo moral, as forças nacionalistas, positivistas, populacionistas, familistas, machistas e do dogmatismo religioso patriarcal ainda defendem políticas pró-natalistas para a África, como se o continente precisasse de maior volume de população humana.
Porém, nas discussões sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos na Conferência Rio + 20, a rede (“Top-level United Nations knowledge network) instituída sob os auspícios do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, propôs uma agenda de ação para apoiar os esforços globais para alcançar o desenvolvimento sustentável durante o período de 2015-2030. No item 2 está proposto:
Alcançar o desenvolvimento dentro dos limites das fronteiras planetárias: todos os países têm o direito ao desenvolvimento que respeite as fronteiras planetárias, garanta padrões de produção e consumo sustentáveis e ajude a estabilizar o tamanho da população global até meados do atual século”.
Assim, embora a CPD 2014 tenha evitado discutir a questão da estabilização da população mundial, no processo posterior à Rio+20, existe uma proposta concreta, com data, para que esta estabilização ocorra até 2050. Estabilizar o volume da população mundial não é uma tarefa impossível, pois basta a taxa de fecundidade total (TFT) da população global cair do atual patamar de 2,5 filhos para mulher para 2,1 filhos por mulher. Como existem diversos países do mundo com TFT abaixo do nível de reposição, a estabilização da população mundial pode ocorrer mesmo com a TFT da África Subsaariana ficando por volta de 2,5 a 3 filhos por mulher. Ou seja, pode haver estabilidade da população mundial (ou até decrescimento) mesmo com um crescimento moderado da população da África Subsaariana.
Mas se as taxas de fecundidade não caírem a estabilização populacional poderia acontecer pela via do aumento da mortalidade, o que não é desejável de forma alguma. O fato é que dificilmente a África Subsaariana conseguirá manter alto crescimento demográfico e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida. A escolha é entre mais gente ou maior qualidade de vida humana e não humana. (ecodebate)

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