“Os
gestores públicos têm de avançar para uma visão de que não se pode simplesmente
continuar explorando recursos naturais de forma indiscriminada. Obviamente isso
tem a ver com a forma que se consomem os recursos do planeta. Estamos num
círculo vicioso e o desafio é sair dele, trazendo para a sociedade a reflexão
de que, se os recursos são finitos, ela precisa ser chamada a cuidar desses
recursos não apenas no momento da crise”, pontua o sociólogo.
“Nós sabemos quantos
litros de água são gastos para se tomar um cafezinho?”, pergunta Pedro Jacobi
na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone. A indagação faz
parte de uma série de perguntas a serem respondidas através da pegada hídrica,
um indicador que analisa o uso da água na produção, para identificar quando e
como ocorre o desperdício. Esse tipo de contabilização, explica o sociólogo,
“passa a ser algo importante, mas é um processo lento e (…) ainda está se
internalizando na sociedade”. Pedro Jacobi
menciona que no Brasil as pesquisas sobre pegada hídrica ainda são
“insignificantes” em relação ao volume de trabalhos realizados na área, e as
empresas apresentam resistência em aderir ao indicador, porque “têm medo de que
os números indiquem que elas não estão usando a água racionalmente”.
Pedro Jacobi também
comenta a atual crise envolvendo a gestão dos recursos hídricos no Brasil e
pontua que ela “precisa ser qualificada em termos regionais, porque algumas
regiões são mais afetadas e outras menos”. De todo modo, destaca, “aspectos
associados aos investimentos, às perdas de distribuição de água e os aspectos
associados à contaminação de fontes hídricas, que impedem que a água seja
melhor aproveitada”, contribuem para a crise do setor. Diante desse quadro,
reitera, “as mudanças climáticas devem ser consideradas de forma mais objetiva,
porque esse fenômeno tende a se repetir de modo mais recorrente”.
Pedro Roberto Jacobi é
graduado em Ciências Sociais e Economia pela Universidade de São Paulo – USP,
mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Graduate School of Design –
Harvard University e doutor em Sociologia pela USP, onde leciona atualmente.
Jacobi e Sonia Maria Flores Gianesella são os organizadores da obra A
sustentabilidade socioambiental; diversidade e cooperação (São Paulo:
Annablume, 2012). O pesquisador também é um dos editores da revista eletrônica
Ambiente&Sociedade.
Entrevista: |
IHU On-Line – A crise em relação à gestão dos
recursos hídricos no Brasil é um problema frequente ou pontual?
Pedro Jacobi – Essa crise precisa ser qualificada em termos
regionais, porque algumas regiões são mais afetadas e outras menos. Umas
enfrentam uma crise por conta do excesso de água, como a que aconteceu na
região Amazônica recentemente, e outras, como a cidade de São Paulo, devem
considerar a variável das mudanças climáticas. Além disso, é importante
destacar aspectos associados aos investimentos, às perdas de distribuição de
água e os aspectos associados à contaminação de fontes hídricas, que impedem
que a água seja melhor aproveitada. Então, trata-se de uma somatória de fatores
e, nesse quadro, as mudanças climáticas devem ser consideradas de forma mais
objetiva, porque esse fenômeno tende a se repetir de modo mais recorrente.
IHU On-Line – É possível estimar qual é o
impacto das mudanças climáticas nos recursos hídricos, comparando com outros
períodos de crise?
Pedro Jacobi – Estamos considerando este fenômeno das
mudanças climáticas porque, de um lado, há o que aconteceu nos últimos dez anos
e, de outro, o que virá a acontecer nos próximos anos. O fato é que a lógica
climática começa a sofrer variações cada vez mais significativas, mas seria
arriscado dizer que a crise do setor hídrico tem as mudanças climáticas como
razão primeira. Entretanto, o que não se pode desconsiderar é que olhar para o
futuro não significa mais apenas olhar como se deram esses processos no
passado.
IHU On-Line – E quais são as causas da crise
por conta da falta de planejamento? O que o incidente da crise hídrica em São
Paulo evidenciou sobre a questão do abastecimento no país?
Pedro Jacobi – Neste caso, temos de olhar dois aspectos. O
primeiro deles está muito associado à especialidade dos hidrólogos no sentido de
saber quanta água precisamos e quanta água está disponível. Mas como até hoje o
planejamento esteve associado — não sei se ainda estará — a um histórico que o
precedeu, a gestão dos recursos hídricos ficou acomodada. Então, nesse sentido,
é preciso observar que a lógica atual, ao menos para a região metropolitana, é
insuficiente. Nesse sentido, precisamos nos referir a uma lógica
macrometropolitana, que implica a interdependência de toda uma região que
transcende os 39 municípios correspondentes à região metropolitana, e que se
amplia para 170 municípios que correspondem às outras bacias hidrográficas que
sempre estão vinculadas à região metropolitana de São Paulo.
“Cada um de nós é
responsável pelo volume de água que consumimos e deterioramos”
A região metropolitana
de São Paulo tem 20 milhões de habitantes, ou seja, necessita da água de outras
bacias, e ao mesmo tempo despeja água de má qualidade pela falta de saneamento
básico, o que prejudica a captação e o aproveitamento de água, afetando várias
cidades do interior do estado. De outro lado, sempre abordo um tema que é
fundamental: como se dá a relação entre o Estado e o cidadão? O Estado só
lembra de colocar o cidadão como corresponsável pela gestão dos recursos
hídricos na hora da crise. No meu entender, o Estado e o cidadão precisam estar
permanentemente como corresponsáveis, ou seja, os recursos não podem mais ser
tratados a partir de uma lógica de tutela. Tem de ser tratados a partir de uma
lógica de corresponsabilização, coenvolvimento do cidadão. Cada um de nós é
responsável pelo volume de água que consumimos e deterioramos. Nesse sentido,
dentro de uma lógica de planejamento, tem de se incluir a variável de
comunicação social e o diálogo com a sociedade, para que esta tome conhecimento
de uma situação que pode ser melhor contornada, porque, quando o problema é
apenas a falta de chuva, escapa ao controle do Estado.
IHU On-Line – Quais são os projetos e regras
que orientam a gestão dos recursos hídricos no país?
Pedro Jacobi – A legislação parte do princípio de uma ação
do Estado com a participação da sociedade a partir dos Comitês. A questão é
saber se os comitês são eficientes e, ao mesmo tempo, saber quais decisões dos
comitês ficam em segundo plano, porque os conselhos estaduais passam por cima das
próprias decisões dos comitês. Então, temos um problema importante a ser
tratado. Lutamos muito para ter uma participação maior, entretanto, notamos que
há uma perda da capacidade dos comitês de tomarem decisões, visto que eles são
encobertos e sobrepostos por decisões tomadas de forma mais centralizada. Essa
é uma questão complexa porque, por outro lado, sempre prevalece o saber técnico
sobre o saber social. O técnico sempre tem o conhecimento para tomar a decisão,
o técnico orienta o gestor a tomar a decisão e, nesse sentido, o posicionamento
da sociedade fica em segundo plano.
Mas, sem dúvida, a
questão que se coloca agora é que é preciso reduzir a perda da água através dos
problemas que existem, de conexões, do envelhecimento dos equipamentos nas
grandes cidades e, de outro lado, é preciso reduzir a contaminação de fontes de
água que poderiam ser melhor aproveitadas. Nesse sentido, devem ser
considerados esses dois aspectos dentro do planejamento. Hoje, o fato de não
haver tratamento de forma adequada acaba sendo um problema que tem de ser
reduzido significativamente para que as fontes de água estejam mais
disponíveis, considerando a sua escassez.
Os gestores públicos
têm de avançar para uma visão de que não se pode simplesmente continuar
explorando recursos naturais de forma indiscriminada. Obviamente isso tem a ver
com a forma que se consomem os recursos do planeta. Estamos num círculo vicioso
e o desafio é sair dele, trazendo para a sociedade a reflexão de que, se os
recursos são finitos, ela precisa ser chamada a cuidar desses recursos não
apenas no momento da crise. Assim, o Estado, que é o gestor, precisa avançar no
sentido preventivo, ou seja, tem de se encontrar maneiras de garantir a
preservação e o armazenamento das águas para que seja possível distribuí-la no
momento em que não houver chuva.
Todo esse processo
tem de ser de absoluta transparência das informações e do conhecimento. Fiz uma
pesquisa com um colega sobre a transparência nas informações acerca dos
recursos hídricos no Brasil, utilizando os sites das diferentes instâncias
responsáveis pelos recursos hídricos no país, e o resultado foi muito precário.
Com isso, quero chamar atenção de que o poder público provavelmente nem
disponha dos dados necessários para fazer uma avaliação. Então, corresponsabilidade,
transparência e redução do desperdício e da contaminação são fatores
fundamentais para garantir a gestão dos recursos hídricos, como a cobrança de
quem gasta mais água e um planejamento e investimento que não precisam ser
megalomaníacos, mas que envolvam a sociedade no processo de decisões.
“Corresponsabilidade,
transparência e redução do desperdício e da contaminação são fatores
fundamentais para garantir a gestão dos recursos hídricos”
IHU On-Line – Quais são as inovações na
governança da água e seus desdobramentos em diferentes escalas e processos?
Pedro Jacobi – Toda a questão do reuso é fundamental. Na
área industrial o reuso de água avança bastante, porque é de interesse da
indústria economizar. Outra questão necessária é a cobrança da água; é preciso
implantar a cobrança da água para que os grandes consumidores sejam cada vez
mais responsáveis pela forma que a utilizam. A água tem de ser olhada como
um componente finito, pelo qual a sociedade é responsável tanto pela quantidade
quanto pela qualidade. O reuso em projetos urbanos também é importante, ou
seja, os prédios novos a serem construídos precisam ter modos de reutilizar a
água. Então, esses são aspectos que devem ser considerados quando falamos em
inovação. Nessa mesma perspectiva, deve-se incluir a pegada hídrica, para ter
maior racionalização do volume de água na produção, como, por exemplo, na
agricultura, que é um dos grandes agentes de consumo exagerado de água no Brasil e
no mundo todo.
IHU On-Line – Qual tem sido a aplicabilidade
da Pegada Hídrica no setor público e privado? O senhor pode dar alguns exemplos
nacionais?
Pedro Jacobi – Ainda é muito restrito. Algumas empresas
utilizam a pegada hídrica, mas não tornam os dados públicos. Nós fizemos
pesquisas e percebemos que os dados não estão sendo divulgados porque as
empresas têm medo de que os números indiquem que elas não estão usando a água
racionalmente. Em outros países, por outro lado, há mais pesquisas. A rede da
pegada hídrica internacional, sediada na Holanda, tem olhado essa questão com
muita ênfase, desenvolvendo pesquisas, porque o objetivo da pegada hídrica é
justamente mostrar o volume de água que se utiliza e o volume que se
desperdiça. Nós sabemos quantos litros de água são gastos para se tomar um
cafezinho? Esse tipo de contabilização passa a ser algo importante, mas é um
processo lento, como a pegada de carbono. Esses processos ainda estão se
internalizando na sociedade e podem levar décadas para serem internalizados. No
Brasil ainda é insignificante o volume de trabalhos e pesquisas sobre esse tema
(ecodebate)
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