A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp) e o governo estadual estão se comportando como médicos do século
passado. Sabendo que a doença é séria, se recusam a discutir o futuro com o
paciente. Fazem o que podem para curar o doente, mas o poupam da angústia de
enfrentar a realidade. Hoje, os médicos são educados para contar a verdade.
Isso causa angústia, mas ao menos não priva o doente da liberdade de decidir
como e onde quer viver enquanto espera o desfecho.
O Sistema Cantareira está se aproximando rapidamente do
colapso. Quando não for possível retirar mais água das represas, 6 milhões de
pessoas ficarão literalmente sem uma gota de água. É a parte da população de
São Paulo que só pode ser abastecida pelo Cantareira. Esta é uma possibilidade
real, cuja probabilidade é difícil de calcular. É por isso que vou tentar
descrever de maneira objetiva a realidade hoje, deixando para os leitores as
especulações sobre o futuro. Todos as informações foram extraídas de documentos
oficiais da Agencia Nacional de Águas (ANA), do Departamento de Águas e Energia
Elétrica (DAEE) e da Sabesp.
O Sistema Cantareira é composto por três represas. As duas
maiores, Jaguari/Jacareí e Atibainha, representam 92% do sistema. Quando cheia
até a borda, a Represa Jaguari/Jacareí (acompanhe pelo quadro nesta página)
atinge a conta 844 (ou seja, 844 metros acima do nível do mar), armazena 1,047
bilhão de m3 de água (um m3 são 1.000 litros) e cobre uma
área de 50 km2 (cada km2 corresponde a 100 quarteirões). Em
18/11 ela estava na cota 815,5, tendo baixado 28,5 metros, e continha somente
140 milhões de m3 de água (13,3% do máximo). Sua superfície cobria
somente uma área de 16 km2, deixando 34 km2 de terra e
lama expostos (é o que você pode ver nas fotografias publicadas
diariamente).
Neste dia, foi iniciada a retirada da segunda fração da
reserva técnica - também chamada de volume morto -, o que vai reduzir o volume
para 42 milhões de m3 (4% do máximo) e reduzir a área coberta por água para 8
km2. O barro vai cobrir 84% da área da represa (o quadro mostra os
mesmos números para a Represa do Atibainha).
É muito difícil acreditar que seja possível extrair dessas
represas uma reserva técnica 3. Se ela existir, será muito pequena. A reserva
técnica 1, de 182,5 milhões de m3, já foi consumida. A reserva
técnica 2, de 106 milhões de m3, já começou a ser retirada da
Represa de Jaguari/Jacareí e praticamente já foi toda retirada da Represa do
Atibainha.
Os dados mostram que ainda restam 232 milhões de m3
nessas duas represas, sendo possível retirar 99 milhões de m3.
Grande parte do restante não será possível utilizar.
Quando o nível da água baixou para 820, a água deixou de
fluir por gravidade para o túnel. Para evitar a interrupção do fornecimento,
foi construído um dique em volta do túnel. Grandes bombas flutuantes
transportam a água para o interior do dique, de onde ela flui pelo túnel. Dessa
maneira, foi possível retirar a chamada reserva técnica 1. Quando a água da
parte de fora do dique acabou, um segundo dique foi construído, isolando um
grande braço da represa para permitir a retirada da reserva técnica 2. Nesse
segundo dique foi instalado outro grupo de bombas. Hoje, as bombas do segundo
dique transportam a água para esse braço isolado da represa e a água chega ao
primeiro dique, onde é bombeada novamente para poder alcançar a entrada do
túnel. Como os locais em que a Sabesp decidiu instalar esses dois grupos de
bombas não têm energia elétrica, grandes geradores movidos a diesel foram
transportados até a proximidade das bombas. Caminhões-tanque levam o diesel por
estradas precárias para manter os geradores ligados 24 horas. É desse esquema improvisado
que agora dependem os 6 milhões de pessoas que recebem água do Sistema
Cantareira.
O sistema de bombas é capaz de retirar até 20 m3
por segundo da represa (20 pequenas caixas de água por segundo). Mas o problema
é que, atualmente, só chegam às represas, trazidos pelos rios, 6 m3
por segundo de água. Assim, a cada segundo, 14 m3 a mais do que
chega são retirados da represa. A rápida velocidade de perda das reservas
significa que a, cada dia, a represa perde 1,2 milhão de m3 de água.
Mantido esse ritmo de perdas, é fácil calcular que a duração
das reservas atuais é de 79 dias até o término da reserva técnica 2 e de 6
meses até que toda a água existente na represa se esgote.
Para que esse prazo seja estendido é necessário que a
entrada de água na represa aumente. Se os atuais 6 m3 por segundo
aumentarem para um número menor do que 20 m3 por segundo, a represa
vai continuar a ser delapidada, mais lentamente. Se ela chegar a 20 m3
por segundo (o mesmo que as bombas retiram hoje), a represa vai parar de esvaziar.
Mas são necessários mais de 20 m3 por segundo, um aumento constante
de 4 vezes no fluxo atual dos rios, para que a represa volte a encher.
O problema é que isso não está ocorrendo nestes dois
primeiros meses de chuva deste final de ano (outubro e novembro) e não ocorreu
nenhuma vez nos meses de chuva do início de 2014 (janeiro, fevereiro, março e
abril).
É claro que pode chover, e espero que chova muito, mas se o
futuro próximo se comportar como o passado próximo, 6 milhões de pessoas
ficarão sem água. E, infelizmente, é impossível abastecer 6 milhões com
caminhões-pipa. Como e onde essas pessoas vão viver até que o Cantareira se
recupere ou outras represas tomem seu lugar? É isso que eu gostaria de saber.
(OESP)
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