Enquanto as discussões da Conferência do Clima em Lima (COP
20) começam a se acalorar, uma ducha de água fria atingiu os delegados reunidos
na capital peruana. O banho veio na forma de um novo relatório, divulgado pelas
ONGs Germanwatch e Climate Action Network Europe e realizado por 300
especialistas, que concluiu: nenhum país elaborou políticas públicas
satisfatórias contra as mudanças climáticas. O Brasil teve um desempenho
particularmente vergonhoso.
Caiu 14 posições, entre as 58 nações avaliadas, atingindo o
“fundo do poço”, segundo o relatório. Em 2007, chegou a figurar entre os dez
melhores.
Os países estudados pelo relatório anual, criado em 2005, são
responsáveis por mais de 90% das emissões de CO2 do mundo. Assim como na edição
anterior, as três primeiras posições ficaram em branco, um sinal de que nenhuma
nação está cumprindo integralmente o seu papel para evitar que a temperatura
global suba mais do que 2°C – limite acima do qual, segundo
estudos, poderia haver “consequências desastrosas”.
Dinamarca, Suécia e Reino Unido foram os países com maior
nota. Austrália e Arábia Saudita terminaram na lanterninha. O Brasil ficou
atrás de China e EUA – os maiores poluidores do planeta –, e de diversos
emergentes, como México, Índia, África do Sul e Argentina.
“O desempenho do Brasil nos últimos anos parece ter atingido
o fundo do poço, perdendo um total de 14 posições com a queda em quase todos os
setores”, ressalta o relatório. No último documento, o país era o 35º entre os
mais bem-sucedidos no desenvolvimento de políticas públicas contra as mudanças
climáticas. Em 2011, o Brasil era o sétimo com maior rendimento em projetos
voltados ao clima.
“As emissões cresceram principalmente na geração de eletricidade,
aviação e construção civil” ressalta Jan Burck, coautor do relatório.
“Esperamos que o país suba mais de 20 posições na próxima avaliação, se um novo
documento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO), que será divulgado no ano que vem, indicar um progresso no combate ao
desmatamento na Amazônia”.
Posição
pode melhorar
Diretor do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia, Osvaldo Stella concorda que a atualização dos
dados sobre o desflorestamento vai catapultar o país para as melhores posições
do ranking. “Os índices desatualizados sobre o desmatamento prejudicam
principalmente dois países, a Indonésia e o Brasil”, destaca. “São os dois
únicos avaliados em que a grande maioria das emissões vem das florestas. Então,
se mostrarmos nossa luta contra a devastação das áreas verdes, vamos melhorar
substancialmente nossa performance”.
O ano também foi crítico em outros setores da economia, que
chutaram o Brasil para a lista dos países menos empenhados contra as mudanças
climáticas.
“Os especialistas atuaram em uma conjuntura muito crítica
para o país, em meio à seca e ao esvaziamento dos reservatórios”, lembra.
“Houve uma diminuição da geração de energia por hidrelétricas e um consequente
aumento na procura por combustíveis fósseis. Também foi um recado de que
precisamos investir mais em energia renovável”.
O aumento da frota de veículos também foi problemático,
porque a diminuição do preço da gasolina obscureceu o etanol, menos poluente e
mais renovável.
“Esta situação conjectural precisa ser melhorada para não
enveredarmos por um caminho muito ruim, em que todos esses problemas se tornem
estruturais”, alerta. “Por isso precisamos de biocombustíveis, hidrelétricas e
um melhoramento na política do transporte”.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente afirmou
que o levantamento deveria ser comentado pelo Ministério das Relações
Exteriores. O Itamaraty não respondeu ao pedido de entrevista.
EUA e
china
Origem da liberação de 45% dos gases poluentes do planeta,
EUA e China tiveram um desempenho modesto – aparecem, respectivamente, na 44ª e
na 45ª posições. No país asiático, as energias renováveis exercem um papel cada
vez maior na geração de riquezas, mas novas usinas nucleares ainda estão sendo
construídas.
Já na maior superpotência global, o nível de emissões está em
queda desde 2008, principalmente no setor de transportes. No entanto, o
estabelecimento de metas mais ambiciosas contra as mudanças climáticas esbarra
em um Congresso resistente ao temor de que a política contra o carbono afete a
economia.
“Ambos os países têm metas pouco ambiciosas” lamenta Burck.
“Da forma como se comportam, a temperatura do planeta vai superar os 2 graus
Celsius. Faltam estratégias de mitigação à altura do impacto que essas nações
causam”.
Na COP 20 Austrália e Arábia Saudita fizeram jus às últimas
posições que ocupam no ranking da Germanwatch. O governo do país da Oceania
pediu que sua Barreira de Corais, que perdeu metade de seu ecossistema nos
últimos 30 anos, deixe de ser considerado “em perigo”. Como compensação,
anunciou doação do equivalente a R$ 430 milhões ao Fundo Climático Verde. Já
autoridades sauditas sugeriram que petrolíferas sejam recompensadas para aderir
a programas contra mudanças climáticas.
O secretário-geral da ONU, Ban ki-Moon, anunciou que a
segunda edição da Cúpula do Clima deve ser realizada no ano que vem nos EUA,
antes da Conferência de Paris. O primeiro encontro do tipo, promovido pelas
Nações Unidas, resultou em uma grande injeção de recursos no Fundo Climático
Verde, que agora acumula US$ 10 bilhões em doações.
“Todos os países devem chegar a um entendimento. Este não é
um tempo para consertos, e sim para transformações”, reivindicou.
Um dos primeiros presidentes a chegar a Lima, o boliviano Evo
Morales afirmou que diversos países são “ladrões” e “roubam carbono de outros”:
“Há um grande grupo de países que historicamente abusou da
atmosfera e cometeu ecocídio”, ressaltou. “Após 20 anos ainda não colhemos
resultados. Isso é um fracasso. Hoje encaramos o início do desaparecimento da
raça humana”. (biodieselbr)
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