Uso do 3º volume morto do Cantareira vai exigir bombeamento
de água para interior.
Medida em estudo tira 41 bi de litros de água da Represa
Atibainha.
O uso de uma terceira cota do
volume morto do Sistema Cantareira, que está sendo preparado pelo governo
Geraldo Alckmin (PSDB) para tentar evitar o colapso do abastecimento na Grande
São Paulo, vai obrigar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp) a bombear água também para o interior paulista, algo nunca antes
imaginado por gestores e especialistas em recursos hídricos. A medida ainda
precisará de aval dos órgãos reguladores.
Com a retirada de até 41 bilhões de
litros prevista para a Represa Atibainha, em Nazaré Paulista, o nível do
reservatório ficará abaixo da soleira do túnel por onde a água é liberada para
o Rio Atibaia, responsável pelo abastecimento de 95% da população de Campinas,
a 90 quilômetros da capital. Desta forma, a água não sairá mais do reservatório
por gravidade, apenas por bombeamento, a exemplo do que a Sabesp já faz desde
maio no sistema para abastecer a Grande São Paulo.
Raio X do Jaguari
O rio Jaguari, manancial que fornece água para 12 milhões de
paulistas, está com sua capacidade hídrica 90% menor, em pleno período de
chuvas.
No terceiro ano da maior estiagem já registrada no interior
paulista desde 1890, o mais importante rio da Bacia do Piracicaba, que tem
profundidade média no verão de 3,2 metros, está agora em 24 centímetros perto
de sua foz, em Cosmópolis.
No interior, o Jaguari virou um grande brejo, o mato alto
cresce em bancos de areia que surgiram no meio do rio com a seca.
Rio Pirapitingui, afluente do Rio Jaguari, com mato
crescendo em suas margens quase secas.
As margens do Rio Jaguari que ficavam alagadas na região de
Bragança Paulista viraram pastagens para gado. Agricultores de soja e milho que
viviam às margens do rio estão prestes a perderem a segunda safra consecutiva.
Rio Piracicaba no seu início, após encontro dos rios Jaguari
com Atibaia. Já nesse ponto ele encontra-se degradado com esgoto e águas verdes
com a ação de algas
Chamado de descarga de fundo, esse
túnel tem 1 metro de largura por 1,10 de altura, e fica a 17 metros de
profundidade em relação à borda da represa, o equivalente a um prédio de seis
andares. Segundo o professor de hidrologia Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp,
esse terceiro volume morto "é o fundo do poço" do reservatório.
Apesar disso, explica, a água deve ter qualidade semelhante à que já é retirada
hoje da segunda cota da reserva profunda.
"Aparentemente, essa água está
parada lá há anos. Mas, como o nível da represa está baixo há muito tempo, ela
vem recebendo mais luz e oxigênio do que recebia antes, além de sofrer uma
circulação vertical. Por causa dessa mudança toda na dinâmica do reservatório,
essa água deve ter qualidade semelhante à que estão captando hoje", afirma
Zuffo.
Conforme o Estado mostrou em maio
do ano passado, 76% da água do Cantareira que é considerada volume morto para a
Sabesp, porque fica abaixo do nível mínimo das comportas por onde a companhia
faz a transferência para a Grande São Paulo, já é fornecida para a Bacia dos
Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), na região de Campinas. Com o
agravamento da seca no manancial neste ano e ainda muito dependente do sistema,
a companhia terá de captar uma água até então intocável.
"A partir do momento em que
começarem a usar essa terceira cota, nosso túnel vai ficar sem água. Não tem
alternativa a não ser bombear. Caso contrário, o Rio Atibaia seca", afirma
o engenheiro Marco Antonio dos Santos, diretor técnico da empresa de saneamento
de Campinas, a Sanasa. Segundo a Sabesp, o nível de retirada da terceira
reserva na Represa Atibainha ainda está em estudo, mas o bombeamento de água
para o PCJ está garantido, e o Rio Atibaia "não sofrerá
consequências".
Até 16/01/15 restavam em todo o
sistema 60 bilhões de litros da segunda cota do volume morto, que começou a ser
captada em outubro. De acordo com o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, se a
estiagem no manancial persistir, essa reserva pode se esgotar em março.
Por isso, a empresa planeja reduzir
a retirada de água do Cantareira para São Paulo de 16 mil litros por segundo
para 13 mil litros por segundo, principalmente intensificando a redução da
pressão da água na rede e com a multa para quem elevar o consumo. Segundo o
professor Zuffo, ainda assim, se a seca no manancial nos próximos meses repetir
o cenário de 2014, o nível dos reservatórios continuará caindo, e a terceira
cota do volume morto pode se esgotar em maio. "Se isso acontecer, não
haverá água para ser tratada e nós teremos de usar água bruta de outros
reservatórios, porque não há estação de tratamento com capacidade suficiente
para suprir o Cantareira."
Atibaia
De margens largas e dimensões que
lembram um rio amazônico durante as cheias, o Atibaia teve sua paisagem
desfigurada pela estiagem dos últimos dois anos. Com profundidade que chega a
4,2 metros no período de chuvas, o rio tinha, em 14/01/15, 6 centímetros na
região entre Campinas e Pedreira.
Com chuvas abaixo da média nos
últimos 50 dias, o Rio Atibaia segue com águas paradas e pedras à vista em todo
seu percurso até Americana. Ao atravessar uma das regiões mais desenvolvidas do
País, ainda recebe toneladas diárias de esgoto doméstico e tem sua água
desviada por criadores de gado, que transformaram a área de várzea em pasto, e
por condomínios de luxo, que criaram lagos artificiais em seus terrenos.
O rio chega perto de sua foz
praticamente morto, exalando um cheiro insuportável e com cor de tom
esverdeado. Em Americana, o Atibaia encontra o Rio Jaguari e forma o Rio
Piracicaba - que já nasce como se fosse um córrego de esgoto. "O rio já
tem pouca água porque o pessoal de São Paulo desvia tudo lá no Cantareira.
Agora que não tem chuva, vamos ficar sem rio aqui. Vai virar deserto",
lamenta o agricultor Renato Graciano, de 42 anos, em Paulínia. (OESP)
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