Cidadão é o maior penalizado por 20 anos de gestão irresponsável da água
em SP
Desde o final de 2013, a população paulistana tomou ciência da restrição
hídrica que se aproximava, decorrente da falta de chuvas e dos baixos níveis de
água nos reservatórios empregados no abastecimento público. Já em 2014,
assistimos atônitos aos recordes e mais recordes de baixos níveis de água nos
reservatórios. Agora, no início de 2015, essa situação segue pior ainda, com
perspectivas sombrias para o restante do ano. Mas são inúmeras as cidades do
interior de São Paulo atingidas pela falta de água, inclusive em outros
estados. No presente, a falta de água não é mais gritante, pois na cidade de
São Paulo os cidadãos dão sua cota de colaboração, reduzindo o consumo como
podem. Do contrário, o poço já teria secado.
Esta grave crise serviu para mostrar que a lição de casa não foi feita
e, seja para o município, para o estado ou mesmo para a União, muita coisa tem
que mudar a partir deste triste cenário. Ficou claríssimo para quem quer ver
que nossas leis e a gestão das águas não são satisfatórias e a condução
política não preserva o cidadão e o meio ambiente, ao menos na oferta do
serviço público, como da água tratada de qualidade e na quantidade adequadas.
Nestes últimos 20 anos, o Estado não planejou e se preparou
adequadamente e o cidadão será penalizado por não ter água necessária aos seus
usos históricos e culturais. É novamente penalizado por ter que pagar a conta,
através de multas e/ou elevação de tarifas e, eventualmente, será mais
penalizado ainda por ter seu consumo medido pela média de 2014 (medida em
estudo pelo governo estadual). Uma média, sem dúvida, fora do padrão histórico
de consumo de cada família, já que foi em 2014 que o cidadão ativo reduziu o
consumo. E, por fim, o cidadão é o maior penalizado, pois caberá a ele a maior
parcela de contribuição, seja financeira ou de restrição hídrica.
Entre outros prejuízos, soma-se a menor quantidade de água para a
indústria e agricultura, que sem dúvida impactará o emprego, renda e os preços,
principalmente dos produtos originados do setor agrícola. Na questão da gestão
das águas, chegamos ao fundo do poço. Se ficou alguma coisa de bom, é que a
população sabe fazer a sua parte.
Um país com cerca de 12% da água doce superficial do mundo, apesar de
não tão bem distribuída pelo território nacional, não pode desconsiderar
planejamento no curto, médio e longo prazos. Ainda mais tendo nosso país sólida
tradição de pesquisas nas áreas de hidrologia, hidráulica, recursos hídricos
(aspectos qualitativo e quantitativo), ecologia, limnologia, saneamento,
legislação ambiental, por exemplo, com excelentes universidades, centros e
grupos de pesquisas, além de recurso financeiro suficiente, como uma das
maiores economias do mundo.
Portanto, não necessitamos importar especialistas para nos dizer como
fazer, mas trocar experiências é sempre importante. Nossos técnicos são bem
formados e sabem fazer, quando a eles é passada a tarefa. Daí concluir que o
modo de gerir a questão das águas no Brasil não está baseado primeiramente em
premissas científicas, na pesquisa estruturada, na consulta ao corpo técnico,
ou mesmo em questões de sustentabilidade e meio ambiente, mas, sim, deixa
transparecer que são decisões meramente políticas.
Mas não transparecem ser decisões políticas como parte de um claro plano
de governo, aberto, transparente, escrito e em diálogo com a sociedade. Neste
momento de crise, o que compreendemos das declarações de muitos técnicos do
setor, especialistas, gestores e políticos ligados ao tema, divulgadas pelos
diversos meios de comunicações, deixa claro que são sempre decisões tomadas de
última hora, pontuais e emergenciais, torcendo para Deus ser brasileiro,
esperando por São Pedro fazer o seu serviço ou culpando a natureza, mesmo quando
“trabalhamos sem parar”. São apresentadas soluções imediatistas tal como
puxadinhos, remendos, colcha de retalhos ou tapa buracos, como a retirada de um
primeiro volume morto, depois de um segundo, seguindo para um terceiro e
derradeiro volume morto (se necessário), seja de um reservatório e depois de
outro e mais outro, torcendo pelas chuvas, que chegaram, mas de pequena
intensidade.
Se não der certo, e não chover, o reservatório da vez será a Billings.
Há também de se manter o rio Pinheiros com águas altas e as comportas fechadas,
no Cebolão, junto ao rio Tietê, para reverter suas águas ao reservatório
Billings, mas também para gerar hidroeletricidade em Henry Boarden, na Baixada
Santista, quem sabe contribuindo para evitar outro apaguinho/blecaute. De outro
rio retira-se mais 0,5 m3/s. Outra ideia é interligar os mananciais, para
retirar água de dado reservatório na medida da necessidade, enquanto se reduz
em outro. E como recentemente declarou o secretário de Saneamento e Recursos
Hídricos, o Prof. Dr. Benedito Braga, em seis meses não é possível fazer obras
da envergadura adequada ao problema.
Durante 2014, nosso governador, pessoalmente, sempre reforçou que não
teríamos problemas, pois as chuvas logo estariam aí e tudo se resolveria. As
chuvas ainda não chegaram, ao menos onde deveriam. Há planos de retirar águas
do rio Ribeira de Iguape e autorização para captar água do Paraíba do Sul.
Outra opção, na gestão da crise do abastecimento público, é reduzir a pressão
na rede de abastecimento, ou mesmo cortar de vez o abastecimento, com rodízio
entre setores da cidade, que podem ter água em certos dias e horários da
semana, como forma de reduzir o volume de água ofertada e refletir na redução
do consumo.
Correm no meio da cidade importantes rios como o Tietê, Pinheiros e
Tamanduateí, por exemplo, esgotos a céu aberto, não sendo possível empregar
suas águas nem mesmo para a rega de parques e jardins, quanto mais para o
consumo humano. Não há efetiva e substancial captação de água de chuva para
emprego no abastecimento púbico. Há praticamente 30% de fuga da água limpa que
percorre as tubulações até chegar em nossas casas. Isso sem falar da
descaracterização total do ecossistema reservatório, com as comunidades
biológicas constituintes mortas ou substituídas, decorrente da quase seca total
do reservatório, como se de fato o reservatório fosse unicamente uma caixa de
água, não mais um estabelecido ecossistema, com estrutura, função e dinâmica
próprias, e prestando inúmeros e importantes serviços ecossistêmicos.
E nem mesmo há reconhecimento oficial formal de que estamos em período
de forte restrição hídrica e de racionamento. Isso tudo é a política de Estado
para a gestão dos recursos hídricos para abastecimento público em São Paulo?
Esse é o plano de governo para a gestão das águas no estado? Vale lembrar que
somente a Região Metropolitana de São Paulo é composta de quase 20 milhões de
habitantes e qualquer coisa para atender a demanda desse universo de pessoas
não pode ser realizada sem planejamento adequado.
Segundo Brasil (2003), os sistemas de abastecimento de água devem ser dimensionados
para atender às necessidades de água da região beneficiada. Ainda, segundo esse
mesmo documento, é importante que as projeções das necessidades e as
disponibilidades dos recursos hídricos, em função do aquecimento da economia e
do crescimento demográfico, sejam calculadas com antecipação.
Os sistemas devem ser planejados, arquitetados e construídos, para
funcionarem durante muito tempo sem riscos de deterioração. Apesar disso, as
atividades de monitoramento do sistema, buscando detectar, no mais curto espaço
de tempo, possíveis problemas ou defeitos, são de importância capital, para
garantir a retroalimentação sistêmica, relacionada com as atividades de
manutenção. Estas são as premissas do plano de governo que vivenciamos em São
Paulo?
Sendo urgente despender esforços para equacionar questões relativas à
manutenção da qualidade e quantidade da água nos mananciais e visando minimizar
os problemas relacionados ao abastecimento público e esgotamento sanitário nos
grandes centros urbanos e garantir mananciais mais saudáveis para gerações
futuras, são propostas:
a) nenhuma entidade federal, estadual, municipal ou privada poderá
captar qualquer quantidade de água bruta sem a aprovação prévia dos órgãos
competentes;
b) toda entidade federal, estadual, municipal ou privada terá o prazo
máximo de cinco anos para regularizar e cadastrar seu sistema de captação de
água bruta em operação, atendendo normas estabelecidas pelas diferentes esferas
de governo; no caso de descumprimento, ficará definida multa diária;
c) definir em lei a quantidade máxima de água bruta que poderá ser
captada, com base na quantidade – vazão e carga retiradas, levando em
consideração a vazão e carga do manancial (rio) e a recarga de lagos e
reservatórios, discriminando responsabilidades e sanções quando do seu
descumprimento;
d) o não cumprimento das normativas apresentadas nos itens anteriores
implicará em não ter analisadas novas solicitações de captação, até a
regularização da atual situação;
e) a obrigatoriedade definida em lei que, para cada metro cúbico de água
potável ofertada à população, seja definido em projeto a respectiva coleta e
tratamento da água servida. A oferta de água potável e coleta e tratamento do
esgoto gerado devem ser entendidos como um sistema único, integrados e
indissociáveis, implicando que sejam considerados conjuntamente no
planejamento, implantação e solicitação de recursos, com pena de não ter
aprovada a proposta de captação de água bruta;
f) definir em lei o limite máximo de 10% para a fuga de água, implicando
em multas e sanções quando do seu não cumprimento; para tanto será obrigatória
a implantação de sólido programa de monitoramento de perdas e controle da água
ofertada;
g) a obrigatoriedade definida em lei para que, no prazo máximo de dez
anos, todo esgoto gerado seja efetivamente coletado e tratado (descarte zero),
definindo severas sanções às diferentes esferas de governo e seus dirigentes
quando da não observância da lei;
h) empreendimentos já instalados têm o prazo de dez anos para se
integrarem à rede coletora de esgotos; após esse prazo, serão integrados
compulsoriamente, arcando com os custos de instalação, somados às despesas de
multas e custos processuais;
i) definir em lei que novos empreendimentos somente serão aprovados para
uso após serem definitivamente integrados à rede coletora de esgoto;
j) definir em lei prazos para a instalação de sistemas de tratamento e
descarte de lodo, proveniente das estações de tratamento de água para o
abastecimento público (ETAs) e das estações de tratamento de esgotos (ETEs),
com definições de responsabilidades, sanções e multas quando do seu não
cumprimento;
k) definir em lei que novos empreendimentos (condomínios, museus,
clubes, estádios, escolas, shopping centers, parques temáticos, indústrias,
hospitais, hotéis, motéis, restaurantes, casas de espetáculos e de exposições e
outros estabelecimentos comerciais e empreendimentos de grande porte público e
privado, com base na área física instalada e no número de pessoas atendidas)
implantem sistema de reuso de água, com prazos de instalação e projetos
aprovados por órgãos competentes;
l) definir que estes mesmos empreendimentos também implantem sistema de
captação de água de chuva, com prazos de instalação e projetos aprovados por
órgãos competentes;
m) definir em lei o prazo de dez anos para que empreendimentos já
instalados (ver item k) implantem sistema de captação de água de chuva, com
prazos de instalação e projetos aprovados por órgãos competentes;
n) cobrar de modo diferenciado e escalonado, segundo o consumo de água:
quanto mais consome, mais paga, garantindo uma tarifa social mínima de ao menos
110 litros/habitante/dia;
o) instalar medidores de consumo de água individuais – uma casa, um medidor
de consumo;
p) empreender esforços visando ampliar o controle e a vigilância da
qualidade da água pelos órgãos responsáveis pelo abastecimento e por órgãos de
saúde pública, da água bruta à torneira para o consumidor final;
q) empreender esforços em todos os níveis, com campanhas educacionais
sobre a importância da água, seu uso racional, a preservação de sua qualidade e
quantidade;
r) empreender esforços em campanhas educacionais relacionadas à saúde
pública, reforçando a importância de hábitos simples, como lavar as mãos com
sabão após usar o banheiro e antes das refeições;
s) estabelecer que estado e prefeitura obrigatoriamente implantem
secretaria de meio ambiente e de saneamento;
t) definir que toda a secretaria de estado (federal, estaduais e municipais),
de meio ambiente e de saneamento, deva manter site atualizado, com as ações
empreendidas e metas para o sistema de abastecimento de água e esgotamento
sanitário.
A intervenção divina não nos trará a água desejada e necessária. Caberá
ao homem planejar e vislumbrar cenários futuros, corrigindo distorções no curso
dos acontecimentos. (ecodebate)
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