A resolução da crise hídrica de São Paulo
depende, estruturalmente, de um projeto de revegetação dos 34 mil hectares
desmatados em torno do Sistema Cantareira, defende Eduardo Assad, pesquisador
da Embrapa. Segundo ele, cálculos baseados em estudos científicos apontam para
a necessidade de plantar em média 800 mudas de árvores por hectare, totalizando
30 milhões de mudas em torno da Cantareira. “Se fizer a regeneração com novas
mudas, a água volta em cinco anos”, garante, em entrevista concedida à IHU
On-Line por telefone.
Reservatórios secos e falta de
governança são sintomas de problema crônico que começa a ficar mais evidente no
Brasil.
O pesquisador afirma que se um plano
emergencial não for posto em prática, com a previsão de menos chuvas para este
ano, a tendência é de que a crise fique ainda mais acentuada, correndo-se o
risco de falta de abastecimento em julho. Ele explica que por conta das
mudanças climáticas, nos últimos cinco anos, em Campinas, houve uma redução na
quantidade de chuvas, e a média anual de 1.600 milímetros de chuva caiu para
1.200, embora no último ano o registro tenha sido de 900 milímetros. “Essa é
uma quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido”. Diante desse
cenário, alerta, é preciso “iniciar imediatamente a manutenção da distribuição
na área urbana, e isso inclui o início imediato da revegetação”. Obviamente a
transposição também é necessária, porque o paciente está na UTI, porque do
contrário em julho não haverá água.
Eu não sou contra a transposição, mas
sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é olhar o problema de
um lado só, quando vários pontos precisam ser observados”, pontua. E adverte:
“Para ter a solução no curto prazo, essas obras têm de ser feitas, mas deve-se
tirar água de onde tem, e o rio Paraíba do Sul está sem água. Esse problema
está interconectado, e se mexerem nisso desse jeito, a crise vai chegar no Rio
de Janeiro”.
Eduardo Assad também critica a falta de
planos de emergência para vislumbrar alternativas diante da crise. “Quando há
alertas como esse, a primeira coisa a fazer é criar os planos de
contingência – não quando a crise começa, mas cinco ou seis anos antes,
prevendo uma possível crise, porque pode, sim, chover menos, e tudo tem
indicado isso”.
Qual é a situação do Sistema Cantareira?
Quais as causas próximas e as distantes
que afetaram o sistema?
É uma sucessão de erros, e isso não vem
de hoje. Há um dimensionamento muito bom do Sistema Cantareira para atender a
cidade de São Paulo, mas acontece que, em primeiro lugar, houve uma expansão
urbana muito grande no Sistema Cantareira e nos 12 municípios em volta dele.
Essa expansão provocou a impermeabilização do solo, o que evita que a água
infiltre e reabasteça os reservatórios. Essa é uma das situações mais complicadas.
Por outro lado, houve um desmatamento muito grande em volta das nascentes e ao
longo dos rios de toda a rede de drenagem da Cantareira, e esse desmatamento
gerou erosão – há muita erosão e, portanto, a água escorre e não infiltra;
logo, não reabastece o sistema.
Na discussão do Código Florestal houve
aquela questão sobre a proteção de Áreas de Preservação Permanente (APPs), que
foi absolutamente inócua e ninguém levou em consideração a questão hídrica da
biodiversidade, do ecossistema. Esse ecossistema que está em volta das matas
ciliares e galerias é frágil. Se mexer ali, desregula todo o ecossistema e mata
a nascente. Matando a nascente, não brota água, se não brota água, não é
possível abastecer o sistema.
E as mudanças climáticas?
O outro problema é que estamos tendo um
aumento muito forte das temperaturas no Brasil inteiro. Apesar de alguns
colegas e do Ministro de Ciência e Tecnologia questionarem as mudanças
climáticas, há um aumento crescente da temperatura e um aumento forte das ondas
de calor, que provocam uma alta de evaporação. Então, se não tem vegetação,
perde-se mais água para a atmosfera – e isso acontece com todos os sistemas,
não somente com o da Cantareira. Além disso, todos os cálculos realizados para
esse tipo de sistema de abastecimento urbano são feitos em cima de séries de
chuvas estacionárias, são séries cujos valores oscilam em torno de uma mesma
média ao longo de 40, 50 anos. Acontece que, podendo ou não ser efeito do
aquecimento global, estamos mostrando que essas séries não são mais
estacionárias e em muitos casos essa média está reduzindo.
Então, quando há alertas como esse, a
primeira coisa a fazer é criar os planos de contingência – não quando a crise
começa, mas cinco ou seis anos antes, prevendo uma possível crise, porque pode,
sim, chover menos, e tudo tem indicado isso. Vou dar um exemplo real: em
Campinas, nos últimos cinco anos, essa média despencou de 1.600 para 1.200
milímetros. No ano passado, choveu 900 milímetros em Campinas. Essa é uma
quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido, quer dizer, houve
uma redução muito forte da quantidade de chuva. Isso não significa que vai
continuar assim, mas temos de ficar alertas para essa oscilação na quantidade
de oferta de água e, em cima disso, criar os planos de contingência.
A questão do desperdício de água também
é um problema citado. E as campanhas de conscientização?
Outros problemas são da ordem da
engenharia, tais como manutenção da rede, redução de perdas, controle correto
de uso da água, campanhas de esclarecimento para a população sobre o uso da
água. Fico impressionado porque não vejo nenhuma campanha do governo explicando
para a população como tem de usar a água corretamente. Aliás, diga-se de
passagem, parabéns à população de São Paulo, que está dando uma aula ao governo
e mostrando como se faz para economizar água. A população está economizando por
conta própria, sem orientação. A única campanha que se vê é a que está no
metrô. O governo deveria estar fazendo, desde agosto, uma campanha muito grande,
mas as ações estão acontecendo somente por conta da população.
Pela avaliação que fizemos, temos hoje
na Cantareira mais ou menos 8.100 Km de rio, nos 12 municípios que circundam o
sistema, e 34 mil hectares desmatados na beira dos rios. Não há sistema de
abastecimento de água para uma cidade de 22 milhões de habitantes que suporte
uma situação dessas.
Segundo notícias da imprensa, um estudo
de 2009 da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp mostrou
que não havia assoreamento na Cantareira. O senhor conhece esse estudo?
Eu gostaria de ver esse estudo, porque
as imagens de satélite mostram exatamente o contrário: muito desmatamento, e se
não houvesse assoreamento, a água não estaria marrom. Quando se tem água marrom
e não se tem água azul, é porque está vindo sedimento. E se está vindo
sedimento, tem erosão. Não estou questionando esse estudo, mas gostaria de ver
quais parâmetros eles utilizaram para dizer que não havia erosão.
O que o governo de São Paulo poderia ter
feito para prevenir a crise? Quais medidas poderiam ter sido tomadas para
amenizar os dados?
Fazer o que o mundo todo faz. Nova York,
por exemplo, comprou terras acima da cidade e as revegetou, começou a proteger
as suas nascentes. No município de Extrema, em Minas Gerais, tem um trabalho
muito bom sendo desenvolvido, onde quando ocorreram as primeiras chuvas, as
águas voltaram a nascer nas nascentes. E é claro que quando se protegem as
nascentes você consegue fazer isso. O Código Florestal prevê ações preventivas e,
portanto, algumas delas já deveriam ter sido feitas, como, por exemplo, cercar
as áreas ao longo dos rios, das matas ciliares para permitir a revegetação, e a
proteção das nascentes para permitir que a água brote e, principalmente, evitar
a perda de água, porque há uma perda acentuada de água por falta de manutenção
do sistema. É complicado, porque pagamos um imposto altíssimo e não há
manutenção no sistema de distribuição.
Essas coisas deveriam ser feitas. Por
que não foi feito um plano de contingência? Todo mundo sabia que iria faltar
água. Em dezembro de 2014 nós nos reunimos no Jardim Botânico, em São Paulo, e
elaboramos a carta de São Paulo, que foi publicada na revista da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp, na qual apontamos a razão
dessa crise. Agora, não criar saídas, não buscar financiamentos, não fazer
planos com os municípios, não discutir melhor o zoneamento urbano para evitar
expansão de condomínios em cima de áreas frágeis, tudo isso demonstra uma falta
de governança deste e de todos os governos. Esse é um problema crônico do
Brasil.
Além disso, em 2011 a Agência Nacional
de Águas - ANA publicou um relatório em Brasília dizendo que em 2015 – e não
era bola de cristal – haveria problemas de abastecimento em mais da metade dos
municípios brasileiros, incluindo São Paulo. E ninguém fez nada. Então, para
que servem esses estudos se eles alertam e ninguém faz nada? Nessa hora não
devemos poupar críticas: sim, os políticos estão aí para resolver os problemas
da população. Nós pagamos impostos para que os serviços públicos sejam bons, e
não para ficar passando aperto e nesta situação de insegurança em função de
serviços que não foram feitos. A situação é séria e não me interessa se a culpa
é do partido A, B ou C. O que estamos vendo no Brasil é que todos os partidos
têm, em suas gestões, problemas de desabastecimento de água.
Que medidas devem ser feitas agora para prevenir
o abastecimento urbano diante da oscilação da oferta de água por conta das chuvas?
Primeiro, iniciar imediatamente a
manutenção da distribuição na área urbana e isso inclui o início imediato da
revegetação. Obviamente a transposição também é necessária, porque o paciente
está na UTI, porque do contrário em julho não haverá água. Eu não sou contra a
transposição, mas sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é
olhar o problema de um lado só, quando vários pontos precisam ser observados.
Tem gente comprando piscinas de plástico e carro-pipa. Quando se imaginou que
chegaríamos a uma situação dessas? O governo do estado de São Paulo criou um
comitê de crise e espero que ele olhe para todos os lados. (tribunadonorte)
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