sábado, 7 de março de 2015

Crise hídrica é resultado de uma sucessão de erros

A resolução da crise hídrica de São Paulo depende, estruturalmente, de um projeto de revegetação dos 34 mil hectares desmatados em torno do Sistema Cantareira, defende Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa. Segundo ele, cálculos baseados em estudos científicos apontam para a necessidade de plantar em média 800 mudas de árvores por hectare, totalizando 30 milhões de mudas em torno da Cantareira. “Se fizer a regeneração com novas mudas, a água volta em cinco anos”, garante, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Reservatórios secos e falta de governança são sintomas de problema crônico que começa a ficar mais evidente no Brasil.
O pesquisador afirma que se um plano emergencial não for posto em prática, com a previsão de menos chuvas para este ano, a tendência é de que a crise fique ainda mais acentuada, correndo-se o risco de falta de abastecimento em julho. Ele explica que por conta das mudanças climáticas, nos últimos cinco anos, em Campinas, houve uma redução na quantidade de chuvas, e a média anual de 1.600 milímetros de chuva caiu para 1.200, embora no último ano o registro tenha sido de 900 milímetros. “Essa é uma quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido”. Diante desse cenário, alerta, é preciso “iniciar imediatamente a manutenção da distribuição na área urbana, e isso inclui o início imediato da revegetação”. Obviamente a transposição também é necessária, porque o paciente está na UTI, porque do contrário em julho não haverá água.
Eu não sou contra a transposição, mas sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é olhar o problema de um lado só, quando vários pontos precisam ser observados”, pontua. E adverte: “Para ter a solução no curto prazo, essas obras têm de ser feitas, mas deve-se tirar água de onde tem, e o rio Paraíba do Sul está sem água. Esse problema está interconectado, e se mexerem nisso desse jeito, a crise vai chegar no Rio de Janeiro”.
Eduardo Assad também critica a falta de planos de emergência para vislumbrar alternativas diante da crise. “Quando há alertas como esse, a primeira coisa a fazer é criar os planos de contingência  – não quando a crise começa, mas cinco ou seis anos antes, prevendo uma possível crise, porque pode, sim, chover menos, e tudo tem indicado isso”.
Qual é a situação do Sistema Cantareira?
Quais as causas próximas e as distantes que afetaram o sistema?
É uma sucessão de erros, e isso não vem de hoje. Há um dimensionamento muito bom do Sistema Cantareira para atender a cidade de São Paulo, mas acontece que, em primeiro lugar, houve uma expansão urbana muito grande no Sistema Cantareira e nos 12 municípios em volta dele. Essa expansão provocou a impermeabilização do solo, o que evita que a água infiltre e reabasteça os reservatórios. Essa é uma das situações mais complicadas. Por outro lado, houve um desmatamento muito grande em volta das nascentes e ao longo dos rios de toda a rede de drenagem da Cantareira, e esse desmatamento gerou erosão – há muita erosão e, portanto, a água escorre e não infiltra; logo, não reabastece o sistema.
Na discussão do Código Florestal houve aquela questão sobre a proteção de Áreas de Preservação Permanente (APPs), que foi absolutamente inócua e ninguém levou em consideração a questão hídrica da biodiversidade, do ecossistema. Esse ecossistema que está em volta das matas ciliares e galerias é frágil. Se mexer ali, desregula todo o ecossistema e mata a nascente. Matando a nascente, não brota água, se não brota água, não é possível abastecer o sistema.
E as mudanças climáticas?
O outro problema é que estamos tendo um aumento muito forte das temperaturas no Brasil inteiro. Apesar de alguns colegas e do Ministro de Ciência e Tecnologia questionarem as mudanças climáticas, há um aumento crescente da temperatura e um aumento forte das ondas de calor, que provocam uma alta de evaporação. Então, se não tem vegetação, perde-se mais água para a atmosfera – e isso acontece com todos os sistemas, não somente com o da Cantareira. Além disso, todos os cálculos realizados para esse tipo de sistema de abastecimento urbano são feitos em cima de séries de chuvas estacionárias, são séries cujos valores oscilam em torno de uma mesma média ao longo de 40, 50 anos. Acontece que, podendo ou não ser efeito do aquecimento global, estamos mostrando que essas séries não são mais estacionárias e em muitos casos essa média está reduzindo.
Então, quando há alertas como esse, a primeira coisa a fazer é criar os planos de contingência – não quando a crise começa, mas cinco ou seis anos antes, prevendo uma possível crise, porque pode, sim, chover menos, e tudo tem indicado isso. Vou dar um exemplo real: em Campinas, nos últimos cinco anos, essa média despencou de 1.600 para 1.200 milímetros. No ano passado, choveu 900 milímetros em Campinas. Essa é uma quantidade de chuva de transição entre agreste e semiárido, quer dizer, houve uma redução muito forte da quantidade de chuva. Isso não significa que vai continuar assim, mas temos de ficar alertas para essa oscilação na quantidade de oferta de água e, em cima disso, criar os planos de contingência.
A questão do desperdício de água também é um problema citado. E as campanhas de conscientização?
Outros problemas são da ordem da engenharia, tais como manutenção da rede, redução de perdas, controle correto de uso da água, campanhas de esclarecimento para a população sobre o uso da água. Fico impressionado porque não vejo nenhuma campanha do governo explicando para a população como tem de usar a água corretamente. Aliás, diga-se de passagem, parabéns à população de São Paulo, que está dando uma aula ao governo e mostrando como se faz para economizar água. A população está economizando por conta própria, sem orientação. A única campanha que se vê é a que está no metrô. O governo deveria estar fazendo, desde agosto, uma campanha muito grande, mas as ações estão acontecendo somente por conta da população.
Pela avaliação que fizemos, temos hoje na Cantareira mais ou menos 8.100 Km de rio, nos 12 municípios que circundam o sistema, e 34 mil hectares desmatados na beira dos rios. Não há sistema de abastecimento de água para uma cidade de 22 milhões de habitantes que suporte uma situação dessas.
Segundo notícias da imprensa, um estudo de 2009 da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp mostrou que não havia assoreamento na Cantareira. O senhor conhece esse estudo?
Eu gostaria de ver esse estudo, porque as imagens de satélite mostram exatamente o contrário: muito desmatamento, e se não houvesse assoreamento, a água não estaria marrom. Quando se tem água marrom e não se tem água azul, é porque está vindo sedimento. E se está vindo sedimento, tem erosão. Não estou questionando esse estudo, mas gostaria de ver quais parâmetros eles utilizaram para dizer que não havia erosão.
O que o governo de São Paulo poderia ter feito para prevenir a crise? Quais medidas poderiam ter sido tomadas para amenizar os dados?
Fazer o que o mundo todo faz. Nova York, por exemplo, comprou terras acima da cidade e as revegetou, começou a proteger as suas nascentes. No município de Extrema, em Minas Gerais, tem um trabalho muito bom sendo desenvolvido, onde quando ocorreram as primeiras chuvas, as águas voltaram a nascer nas nascentes. E é claro que quando se protegem as nascentes você consegue fazer isso. O Código Florestal prevê ações preventivas e, portanto, algumas delas já deveriam ter sido feitas, como, por exemplo, cercar as áreas ao longo dos rios, das matas ciliares para permitir a revegetação, e a proteção das nascentes para permitir que a água brote e, principalmente, evitar a perda de água, porque há uma perda acentuada de água por falta de manutenção do sistema. É complicado, porque pagamos um imposto altíssimo e não há manutenção no sistema de distribuição.
Essas coisas deveriam ser feitas. Por que não foi feito um plano de contingência? Todo mundo sabia que iria faltar água. Em dezembro de 2014 nós nos reunimos no Jardim Botânico, em São Paulo, e elaboramos a carta de São Paulo, que foi publicada na revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp, na qual apontamos a razão dessa crise. Agora, não criar saídas, não buscar financiamentos, não fazer planos com os municípios, não discutir melhor o zoneamento urbano para evitar expansão de condomínios em cima de áreas frágeis, tudo isso demonstra uma falta de governança deste e de todos os governos. Esse é um problema crônico do Brasil.
Além disso, em 2011 a Agência Nacional de Águas - ANA publicou um relatório em Brasília dizendo que em 2015 – e não era bola de cristal – haveria problemas de abastecimento em mais da metade dos municípios brasileiros, incluindo São Paulo. E ninguém fez nada. Então, para que servem esses estudos se eles alertam e ninguém faz nada? Nessa hora não devemos poupar críticas: sim, os políticos estão aí para resolver os problemas da população. Nós pagamos impostos para que os serviços públicos sejam bons, e não para ficar passando aperto e nesta situação de insegurança em função de serviços que não foram feitos. A situação é séria e não me interessa se a culpa é do partido A, B ou C. O que estamos vendo no Brasil é que todos os partidos têm, em suas gestões, problemas de desabastecimento de água.
Que medidas devem ser feitas agora para prevenir o abastecimento urbano diante da oscilação da oferta de água por conta das chuvas?
Primeiro, iniciar imediatamente a manutenção da distribuição na área urbana e isso inclui o início imediato da revegetação. Obviamente a transposição também é necessária, porque o paciente está na UTI, porque do contrário em julho não haverá água. Eu não sou contra a transposição, mas sou contra falar só em transposição. Falar apenas nisso é olhar o problema de um lado só, quando vários pontos precisam ser observados. Tem gente comprando piscinas de plástico e carro-pipa. Quando se imaginou que chegaríamos a uma situação dessas? O governo do estado de São Paulo criou um comitê de crise e espero que ele olhe para todos os lados. (tribunadonorte)

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