Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): boa
intenção, grande ilusão
“Perder uma ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar
uma verdade” Ludwig Borne
O ano de 2015 começou com o secretário-geral
das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apresentando aos Estados-membros das Nações
Unidas um relatório-síntese sobre o trabalho desenvolvido até agora para a
definição e negociação da agenda pós-2015, que inclui os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), que guiarão o desenvolvimento global depois
do fim do prazo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM), segundo matéria do site do PNUD (22/01/15).
De acordo com Ban Ki-moon, as nações do mundo
têm uma oportunidade histórica e o dever de agir vigorosamente para tornar a
dignidade, para todos, uma realidade, sem deixar ninguém para trás. Ele
divulgou o relatório: “O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a
pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta” e afirmou que
nunca houve uma consulta tão ampla e profunda sobre desenvolvimento.
O documento, que começou a ser elaborado a
partir da deliberação da Rio+20, contou com o apoio e com a colaboração de
governos, de empresários, de todo o Sistema ONU e de milhares de pessoas ao
redor do mundo, por meio de consultas presenciais e online. Também relata os
progressos conquistados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM),
como a redução da pobreza em vários países, a expansão da educação e da
tecnologia sustentável e a reconstrução de nações após conflitos.
Assim, os ODS estão sendo construídos sobre as
bases estabelecidas pelos ODMs, procurando completar o trabalho inacabado até
2015, respondendo a novos desafios. No total, são 17 objetivos e 169 metas
sobre questões de desenvolvimento sustentável. Em setembro de 2015, a
Assembleia Geral da ONU (UNGASS) deve aprovar os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável e, em dezembro, haverá a COP-21 em Paris para decidir sobre um novo
protocolo sobre o clima.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), sem dúvida, são uma lista de prioridades bem-intencionadas e bem mais
ampla do que as oito metas dos ODMs. Mas para mudar o mundo é preciso bem mais
do que boa intenção. A despeito das desigualdades, a humanidade tem apresentado
grande progresso, enquanto o meio ambiente tem apresentado enorme regresso. Do
jeito que está, o sistema caminha para uma ruptura. Desta forma, é preciso ter
uma visão crítica do modelo de desenvolvimento que tem prevalecido globalmente
nos últimos 250 anos e, ao contrário da visão de Ban Ki-moon, perceber que
questões essenciais ficaram de fora dos ODS e a concepção de desenvolvimento
sustentável não foi suficientemente problematizada e aprofundada no documento e
na rodada de consultas.
Para tentar explicar melhor, vamos comentar os
17 objetivos e, na medida do possível, algumas das 169 metas que estão
propostas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
ODS1.
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;
A formulação do ODS1 não deixa claro qual tipo
de pobreza deverá ser erradicada. Mas a meta 1.1 esclarece que se trata da
pobreza extrema (US$ 1,25 por dia). Em 1990 haviam quase 2 bilhões de pessoas
vivendo na extrema pobreza e este número caiu para cerca de 1 bilhão de pessoas
em 2011, segundo o Banco Mundial. Em 25 anos o número de pessoas na pobreza
extrema foi reduzido quase pela metade, mas a maior parte disto aconteceu na
China e em outros países que aproveitaram o boom das commodities. Na América
Latina, houve redução da pobreza entre 2002 e 2012, porém, nos anos de 2013 e
2014, houve aumento da pobreza, segundo a Cepal. O ano de 2015 tende a ser
pior. Além do mais, US$ 1,25 um valor muito baixo. No Brasil equivale a R$ 3,70
por dia, por pessoa, o que não dá nem para um bilhete de ida e volta no metrô
do Rio ou São Paulo. A meta 1.2 fala em reduzir a pobreza (geralmente definida
como US$ 2,00 ou R$ 6,00 por pessoa por dia) pela metade até 2030. Ou seja, não
há proposta para erradicar a pobreza (mesmo com uma linha de pobreza baixa),
mas apenas a pobreza extrema. As metas 1.3 e 1.4 falam em ampliar o sistema de
proteção social e o acesso a recursos e serviços públicos. A questão é que
existem vários “Estados falidos” que não possuem condições de efetivar políticas
públicas e vivem em situação de conflitos e guerras. O mundo conseguiu algumas
vitórias na redução da pobreza nos últimos 15 anos, mas no próximo quindênio
(2015-2030) pode haver retrocesso devido à “estagnação secular” e ao aumento
dos conflitos sociais, religiosos e ambientais.
ODS2.
Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição, e
promover a agricultura sustentável;
O enunciado deste objetivo é claro e melhor
detalhado nas metas. Porém, as metas não tocam em questões que são fundamentais
para a erradicação da fome, como a falta de recursos. O mundo gasta cerca de
US$ 1,6 trilhão por ano com gastos militares e de guerra. Se estes recursos
fossem redirecionados, seriam suficientes para eliminar a fome e a má-nutrição.
Mas também seria preciso combate a obesidade e reconhecer que a fome é maior
entre as crianças e entre aqueles países que possuem maiores taxas de
fecundidade. Reduzir a gravidez indesejada é fundamental. Outra coisa não
tocada neste objetivo é o direito dos animais. A eliminação da fome humana não
pode ser resolvida com o sofrimento e a morte de outros seres vivos do Planeta.
Seria preciso definir e apoiar uma dieta vegetariana (ou vegana) e uma
agricultura orgânica, sem os abusos dos fertilizantes e dos agrotóxicos. Porém,
as grandes empresas de insumos, de sementes e de equipamentos, além da
concentração fundiária, dominam a produção de alimentos. Estas questões
críticas não foram tocadas pelos ODS (Ver Alves, 24/01/2012)
ODS3.
Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as
idades;
A maior parte das metas deste objetivo visam
reduzir as taxas de mortalidade em suas diferentes causas. São questões
fundamentais e necessárias. Mas há apenas uma meta sobre a questão da
universalização da saúde sexual e reprodutiva, meta que estava prevista para
2015 nos ODMs e agora parece que foi adiada para 2030. Neste sentido, isto é um
retrocesso, pois se está apenas adiando uma meta que já deveria ter sido
implementada, não foi e não se sabe se será atingida até lá.
ODS4.
Garantir educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades
de aprendizado ao longo da vida para todos;
As metas do objetivo 4 são boas e relevantes,
porém se evitou falar em educação sexual. Mas é difícil avaliar o que é
educação de qualidade e combater o analfabetismo funcional. Educação tem custos
e não pode ser encarada como uma panaceia que resolveria todos os problemas. No
caso brasileiro, a despeito dos avanços, a educação ainda está longe de
adquirir os padrões internacionais esperados.
ODS5.
Alcançar igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;
As metas do objetivo 5 são razoáveis, mas
estão bem aquém daquelas da IV Conferência Mundial das Mulheres em Beijing,
1995. Além disto, a questão de gênero nos ODS é baseada em uma noção binária e
não leva adequadamente em consideração os direitos e a realidade LGBT. Os ODS
também não tratam adequadamente as desigualdades raciais e outras desigualdades
sociais em suas formulações mais amplas. Também seria necessário tratar das
“desigualdades reversas” de gênero.
ODS6.
Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos;
As metas deste objetivo falam do direito à
água, da necessidade de saneamento, evitar a poluição, fazer um manejo
adequado, melhorar a eficiência no uso, etc. Não há nada sobre o “direito da
água” e o direito à água das outras espécies. Com o agravamento das mudanças
climáticas, a questão hídrica toma uma dimensão cada vez maior e é preciso
pensar na gestão da demanda e não apenas no aumento da oferta de água. Poluição
é o que mais se vê no mundo, inclusive grande quantidade de esgotos, produtos
químicos e milhões de toneladas de plástico que vão parar nos oceanos. A
população mais pobre é que mais sofre com a falta de água, a mercantilização
dos recursos hídricos e a poluição dos esgotos. Com o desmatamento
generalizado, não tem havido a devida restauração dos ecossistemas relacionados
com a água potável para todas as espécies.
ODS7.
Garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos;
Energia é uma necessidade vital para a
economia e as pessoas e a disponibilidade de fontes baratas e confiáveis é
fundamental. Mas o texto não explica o que é “energia moderna”. O objetivo 7
fala em aumentar a participação das energias renováveis na matriz energética
mundial, mas não diz nada sobre desestimular o uso de combustíveis fósseis e
eliminar os subsídios ao petróleo (reduzindo as emissões de gases de efeito
estufa). Além disto, a energia eólica e solar – as mais utilizadas – não estão
livres de problemas de diversos tipos, inclusive da intermitência do vento e do
sol na sua geração. Democratizar a produção e o consumo de energia renovável é
fundamental, incentivando os “prosumidores”. O Brasil se gaba de ter uma matriz
energética limpa, mas as hidrelétricas causam um impacto ambiental muito
negativo, especialmente no represamento dos rios e no livre fluxo das águas e
dos peixes. Hidrelétricas na Amazônia são um crime ambiental de grande
proporção para a ecologia e os povos da floresta.
ODS8.
Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego
pleno e produtivo, e trabalho decente para todos;
Este é um dos objetivos mais complicados e
contraditórios com a ideia de desenvolvimento sustentável. O enorme crescimento
econômico e demográfico dos últimos 250 anos está por trás da degradação da
natureza e está colocando na ordem do dia a questão dos limites ambientais. A
crise hídrica de São Paulo e Rio de Janeiro é uma prova da incompatibilidade do
crescimento desregrado que atinge os limites dos recursos naturais sustentáveis
e renováveis. Como disse Kenneth Boulding: “Anyone who believes
exponential growth can go on forever in a finite world is either a madman or an
economist”. O crescimento das
atividades antrópicas tem sido o principal vetor de depleção dos ecossistemas e
de redução da biodiversidade. Neste sentido, falar em crescimento sustentado é
seguir um caminho que leva ao colapso. Colocar no mesmo item a questão da
inclusão social, do pleno emprego e do trabalho decente parece muito mais um
truque para atingir o verdadeiro objetivo que é a continuidade da acumulação de
capital e a geração de riqueza (concentrada em poucas mãos). Crescimento
infinito num planeta finito é impossível. Além disto existem no Brasil cerca de
10 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que nem estudam e nem trabalham, é a
chamada “geração nem-nem”. Ou seja, isso quer dizer que falta direitos básicos
de cidadania e há desperdício do potencial humano da juventude.
ODS9.
Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e
sustentável, e fomentar a inovação;
Este provavelmente é o objetivo mais
questionável, pois é exatamente a industrialização que produz bens conspícuos
(carros de luxo, roupas finas, mansões, iates, jatinhos particulares, etc) que
mais provoca danos ao meio ambiente. Toda industrialização é danosa ao meio
ambiente. Manter o crescimento da indústria é o mesmo que manter as agressões à
natureza. Ao contrário de elevar o percentual de empregos da indústria (meta
9.2) no PIB, o melhor seria avançar na sociedade da informação e do
conhecimento, mudando os padrões de produção e consumo e buscando fortalecer
atividades menos dependentes de matérias-primas e de energia.
ODS10.
Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles;
Este parece ser um objetivo utópico. A regra
dos últimos 250 anos tem sido o de aumento das desigualdades econômicas entre
os países e dentro dos países. Maior igualdade e processo de convergência tem
sido a exceção e tem ocorrido em locais e tempos específicos. Poucos países
conseguiram reduzir as diferenças de renda entre os países, sendo que a China é
o caso de sucesso mais excepcional. O recente livro do economista francês
Thomas Piketty mostra que a desigualdade tem sido a regra do capitalismo e
tende a aumentar no século XXI. Segundo a ONG britânica Oxfam, a riqueza
combinada pelo grupo de pessoas do 1% mais rico do mundo é de 48% do PIB global
e deve ultrapassar a fortuna do resto da população em 2016. O patrimônio dos
mais ricos do planeta cresceu de 44% em 2009 para 48% em 2014, enquanto 80% da
população é dona de apenas 5,5% dos recursos globais. Dentro dos países a
tendência é de aumento das desigualdades sociais como se pode verificar nos Estados
Unidos e na China (as duas maiores economias). O Brasil continua um dos países
mais desiguais do mundo e embora possa ter havido uma pequena redução da
desigualdade de renda do trabalho a desigualdade da riqueza e do patrimônio
continua aumentando.
ODS11.
Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e
sustentáveis;
O mundo está ficando cada vez mais urbano, mas
a maioria das cidades dos países em desenvolvimento sofrem com problemas
diversos e especialmente com a mobilidade urbana. O problema do “carmagedon”
não é tocado pelos ODS que não é capaz de questionar o poder da indústria
automobilística e da indústria petrolífera.
ODS12.
Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis;
Na ideologia capitalista maior consumo é sinal
de maior felicidade. A máquina de publicidade garante o aumento da demanda por
novos produtos e pela ânsia e ganância de novas mercadorias. A metodologia da
Pegada Ecológica mostra que o padrão e o nível de consumo já ultrapassou em 50%
a biocapacidade da Terra. Portanto, a única forma de ser sustentável é reduzir
a produção e o consumo dos bens e serviços, especialmente da parcela mais rica
da população mundial.
ODS13.
Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos;
O Protocolo de Kyoto foi um fracasso. Todas as
Conferências do Clima (COP) tem falhado em atingir um acordo para redução das
emissões de gases de efeito estufa (GEE). A queima de combustíveis fósseis
continua, assim como o desmatamento e a pecuária que emite muito gás metano. As
emissões de gases de efeito estufa já fizeram a concentração de CO2 na
atmosfera ultrapassar 400 partes por milhão (ppm), quando o limite seguro seria
no máximo de 360 ppm. Somos a primeira geração a sentir o impacto da mudança
climática e a última geração que pode fazer alguma coisa para evitar um
desastre ecológico global. O ano de 2014 foi o mais quente já registrado. Tudo
indica que 2015 será ainda mais quente. Os eventos climáticos extremos tem
provocados enormes danos. Educação ambiental não vai resolver enquanto os
governos não desistirem dos planos de grandeza nacional e de disputa de
influência geoestratégica.
ODS14.
Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos
para o desenvolvimento sustentável;
O processo de acidificação dos oceanos, a
diminuição do estoque de peixes e a destruição dos corais continua em ritmo
acelerado. Quanto mais crescem as atividades antrópicas nas áreas urbanas e nas
áreas rurais maiores são os fluxos de poluição para os oceanos. A mortalidade
de animais marinhos causada pelos plásticos é facilmente observada em diversas
partes do mundo.
ODS15.
Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres,
gerir de forma sustentável as florestas, combater à desertificação, bem como
deter e reverter a degradação do solo e a perda de biodiversidade;
O desmatamento e a erosão dos solos avança em
ritmo veloz, embora as Conferências do Rio em 1992 e a Rio+20 em 2012 tenham
tentado evitar este processo. Segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), o ritmo do desmatamento, devido ao uso de
áreas florestais para fins agrícolas, foi de 14,5 milhões de hectares por ano
entre 1990 e 2005. Entre 2005 e 2010 o ritmo de destruição foi um pouco menor,
sendo que o planeta perdeu, em média, 4,9 milhões de hectares de floresta por
ano no período. Mas isto significou 10 hectares de desmatamento por minuto. O
biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson, acredita que o ser
humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “extinção em
massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar metade do planeta
exclusivamente para a proteção dos animais. A tese também é defendida pela
jornalista Elizabeth Kolbert no livro The Sixth Extinction.
ODS16.
Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável,
proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes,
responsáveis e inclusivas em todos os níveis;
Diversos países estão em guerra civil como a
Ucrânia, a Síria, o Iraque, o Afeganistão, a Nigéria, etc. A América Latina tem
assistido ao aumento da violência e das mortes por causas externas nas últimas
décadas. Tem crescido as ameaças terroristas. Não será fácil “construir instituições
eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
ODS17.
Fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para
o desenvolvimento sustentável.
O mundo carece de governança. Há muito se
espera uma reforma do FMI. A OMC não consegue implementar os acordos de
comércio. O Banco Mundial continua sobre o controle dos Estados Unidos. As
Conferências do Clima (COPs) não conseguem formatar um acordo viável e efetivo
para mitigar as mudanças climáticas. O fundo verde não sai do papel. A ONU tem
limitações evidentes. O Oriente Médio continua um barril de pólvora e vários
países pobres não conseguem atingir níveis mínimos de governabilidade, sendo
que os genocídios continuam ocorrendo como em Darfur no Sudão e Baga na
Nigéria.
Desta forma, podemos perceber que os 17
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agregação de boas
intenções, mas não tocam no essencial do processo de acumulação de capital, não
tem mecanismos para interferir e reduzir o complexo militar global e as ações
dos grupos armados que promovem genocídios, assim como não reconhece que o
crescimento econômico tem sido o principal vetor da degradação ambiental. Não
será com o aprofundamento do capitalismo e do fundamentalismo de mercado que o
meio ambiente será protegido e o fluxo metabólico entrópico será revertido.
Na verdade os ODS estão mais focados no
“direito ao desenvolvimento” no que nos direitos humanos e nos direitos da
natureza e das demais espécies.
Os ODSs também não tocaram na questão da dinâmica
demográfica, ignorando a questão do crescimento populacional, da mudança da
estrutura etária (bônus demográfico) e do envelhecimento, deixando para trás
diversas propostas apresentadas na Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (CIPD) de 1994. De acordo com a Organização da ONU para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), se o atual ritmo de consumo continuar, em
2050 será necessário 60% a mais de comida, 50% a mais de energia e 40% a mais
de água, para atender a demanda dos 9 bilhões de habitantes do planeta.
Em síntese, o desenvolvimento sustentável, tal
como proposto pela ONU, tem se tornado um oximoro e tem sido utilizado muito
mais como uma maquiagem verde (greenwashing) que tenta se legitimar utilizando
de forma indiscriminada a palavra sustentável. Para a escola da Economia
Ecológica o caminho do crescimento sem limite leva ao abismo e ao colapso.
Nicholas Georgescu-Roegen mostrou que a
economia não pode ignorar a entropia, ou degradação de energia, conforme
estabelecido na 2ª Lei da Termodinâmica (“a quantidade de trabalho útil que se
pode obter a partir da energia do universo está constantemente diminuindo”).
Uma mesma fonte de energia não pode ser queimada duas vezes, muito menos ad
infinitum. Antes do crescimento da civilização do Homo Sapiens, ocorria a
retenção da energia mais rapidamente do que a sua dissipação. Atualmente, a
sinergia está sendo substituída pela entropia. Georgescu-Roegen mostrou que, em
algum momento, a escala da economia teria que ser reduzida, tanto em termos de
capital, quanto de força de trabalho.
Portanto, precisamos superar o fetiche do
crescimento e do desenvolvimento sustentável. Não se trata de produzir mais com
menos. Porém, produzir menos com menos. Ou seja, como mostrou Georgescu-Roegen,
diante da possibilidade do declínio da civilização e de uma possível catástrofe
econômica e ambiental, a alternativa passa pelo decrescimento das atividades
antrópicas, quanto mais cedo melhor. Evidentemente o decrescimento deve começar
pelos países mais ricos e pelas atividades mais poluidoras, reduzindo as áreas
ecúmenas e aumentando as áreas anecúmenas.
Também para Herman Daly, as atividades humanas
já ultrapassaram os seus limites econômicos planetários e entraram em uma fase
de “crescimento deseconômico”. Para estabelecer o equilíbrio é preciso haver
decrescimento até o ponto de intercessão entre as curvas de utilidade marginal
e desutilidade marginal. Depois de restaurado o equilíbrio, a adoção de uma
economia de estado estacionário permitiria evitar se ultrapassar novamente o
limite econômico sustentável. O Estado Estacionário, em um ponto anterior ao
crescimento deseconômico, é um seguro contra o risco de uma catástrofe
ecológica.
Uma importante contribuição para a análise
ambiental atual pode ser encontrada no artigo “Planetary boundaries: Guiding
human development on a changing planet”, publicado na revista Science (on line
15/01/2015) por 18 renomados autores. O artigo traça um quadro dos limites
planetários e define um espaço operacional seguro para a humanidade com base
nos processos biofísicos intrínsecos que regulam a estabilidade do Sistema
Terra. Os autores atualizam a metodologia e o quadro das fronteiras
planetárias, com foco na ciência biofísica subjacente e com base nos avanços
científicos dos últimos 5 anos (a primeira versão foi publicada em 2009). O
novo estudo mostra que quatro das nove fronteiras planetárias foram
ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da integridade da biosfera; Mudança
no uso da terra; Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a
Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam
de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um
novo estado que pode ser substancialmente e persistentemente transgredido. O agravamento
destas duas fronteiras fundamentais podem levar o Planeta ao colapso.
Desta forma, podemos perceber que os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) só serão viáveis se houver decrescimento
demoeconômico. Acreditar no contrário é fomentar uma ilusão que pode custar
muito caro em futuro não muito distante. Como disse Ludwig Borne: “Perder uma
ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar uma verdade”. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário