O debate
sobre a relação bidirecional entre população e desenvolvimento (P & D)
ficou centrado, durante muito tempo, nos efeitos do crescimento demográfico
sobre as taxas de aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Porém, após o
fenômeno da transição demográfica (redução das taxas de mortalidade e
natalidade) a atenção se deslocou para os efeitos da estrutura etária da
pirâmide populacional sobre o desenvolvimento econômico e social.
A redução
das taxas de fecundidade (número médio de filhos por mulher) implica em um
estreitamento imediato da base da distribuição de sexo e idade da população, um
alargamento, no médio prazo, da parte central da pirâmide e um adensamento, no
longo prazo, do topo da pirâmide etária.
Como
resultado do primeiro movimento e no transcurso das primeiras décadas
posteriores ao início da queda da fecundidade (quando a pirâmide fica mais
parecida com um botijão de gás), a população em idade ativa (PIA) cresce em
ritmo superior ao da população total. Este efeito puro, transitório pela própria
natureza, decorrente da mudança da estrutura etária é conhecido como bônus
demográfico.
Se a
população economicamente ativa (PEA) acompanha o crescimento da PIA, a taxa de
crescimento do PIB per capita tende a ser maior do que a taxa de crescimento da
produtividade do trabalho. Quando isto acontece, o bônus demográfico está sendo
colhido e dando frutos, o representa um estímulo ofertado pela demografia ao
crescimento econômico, à redução da pobreza e à melhoria do bem-estar social.
O bônus
demográfico (ou dividendo demográfico ou janela de oportunidade) acontece
quando a razão de dependência demográfica se reduz (resultante do aumento da
relação entre produtores e consumidores efetivos na população). Ou seja, o
bônus cresce na medida em que há um grande contingente da população em idade
produtiva concomitantemente a um menor percentual de crianças e idosos no total
da população. Se o desempenho econômico e institucional do país for positivo
haverá aproveitamento da janela de oportunidade demográfica.
O gráfico
acima mostra que, em 1950, a população economicamente ativa (PEA) era de 17,1
milhões de pessoas para uma população total de 51,9 milhões de habitantes. Isto
quer dizer que havia 33% de pessoas ocupadas e/ou procurando emprego no Brasil.
Essa relação caiu nos vinte anos seguintes, atingindo o nível mais baixo
(31,3%), em 1970. Ou seja, antes da transição da fecundidade havia uma pessoa
na PEA para cada duas pessoas fora da PEA. Isto é, um produtor efetivo tinha
que sustentar dois outros consumidores, além de si próprio. Pode-se dizer,
grosso modo, que uma renda originária do trabalho era repartida por três
pessoas.
Após a
transição da fecundidade (que se generalizou pelo país depois de 1970) a PEA
começou a crescer em ritmo mais rápido do que a população atingindo 35,6% em
1980, 39,8% em 1991, 45,7% em 2000 e quase 50% em 2010. Pode-se dizer, então,
que uma renda passou a ser repartida somente entre duas pessoas em 2010. Neste
processo, cresceu a capacidade de consumo, poupança e investimento dos cidadãos
brasileiros. Somente pelo efeito da mudança da estrutura etária e do bônus
demográfico, ceteris paribus, a renda cresceu cerca de 50% entre 1970 e 2010. A
demografia atuou no sentido de facilitar o crescimento da renda per capita,
garantindo avanços sociais e maiores direitos de cidadania.
Por
definição, o crescimento econômico é igual ao incremento da força de trabalho
multiplicado pelo aumento da produtividade das pessoas ocupadas (via aumento do
estoque de capital, progresso técnico e aumento do capital humano). Segundo as
séries históricas do IPEADATA, entre 1970 e 2010, o PIB brasileiro cresceu, em
termos reais, 438%, a população cresceu 105% e o PIB per capita cresceu 163%. O
crescimento populacional e a mudança da estrutura etária contribuíram para
transformar o Brasil em uma das dez maiores economias do mundo.
Porém, como
dito anteriormente, o bônus demográfico é um fenômeno temporário e tem prazo de
validade. Adicionalmente, pouco contribui o fato de haver muitas pessoas em
idade produtiva se a situação do mercado de trabalho não garante o pleno
emprego e o trabalho decente. Também, pouco contribui a redução da razão de
dependência demográfica se os jovens não conseguem se inserir adequadamente nas
atividades produtivas e se há uma retirada precoce do mercado de trabalho.
Infelizmente,
na conjuntura atual, o Brasil está deixando de colher os últimos frutos
oferecidos por uma situação demográfica ainda favorável. As tendências
observadas entre 1970 e 2010 poderiam ser estendidas facilmente até 2020 e, com
esforço, até 2030. Todavia, parece que as políticas macroeconômicas do país
estão contribuindo para o fim precoce do bônus demográfico brasileiro.
Os dados dos
censos demográficos nos dão uma noção clara dos ganhos do bônus demográfico
entre 1970 e 2010. Para o período mais recente precisamos acompanhar os dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa Mensal de
Emprego (PME). No primeiro caso, a série da PNAD do século XXI mostra que a
estrutura etária brasileira continua favorável. Entre 2001 e 2013 a População
em Idade Ativa (PIA) passou de 65,2% para 68,8%, enquanto a razão de
dependência demográfica (população de 0-14 anos + população de 65 anos e mais
dividida pela população de 15-64 anos) caiu de 53,3% para 45,2%. Isto quer
dizer que cresceu a população em idade ativa e diminuiu a população em idade
considerada dependente. Mas para colher este bônus em potencial seria preciso
que o mercado de trabalho oferecesse as vagas necessárias para incorporar a
disponibilidade de mão de obra.
Contudo, a
PNAD mostra que a relação da População Economicamente Ativa (PEA) com a PIA
cresceu e acompanhou a relação da PIA com a população total (POP) somente até
2005, declinando ligeiramente até 2009 e caindo rapidamente no período
2011-2013. A relação entre a população ocupada (PO) e a PIA apresentou melhor
desempenho, pois houve redução do desemprego no período. A relação PO/PIA passou
de 54,8% em 2001 para 57,6% em 2009. Isto quer dizer que o bônus demográfico
estava sendo “colhido” (mesmo que de forma parcial). Mas houve queda da PO/PIA
entre 2011 e 2013.
Ou seja,
embora a razão de dependência demográfica ainda esteja em declínio e em nível
muito baixo no Brasil, o ritmo de geração de emprego perdeu fôlego desde o
final da década passada e, mesmo com baixas taxas de desemprego até 2013, os
dados da PNAD mostram que o bônus demográfico não está sendo aproveitado em
decorrência do fraco desempenho econômico. Havia esperança que o declínio da
relação PO/PIA fosse temporário e que houvesse recuperação no restante da
década. Porém, os dados da PME confirmam a piora das condições do mercado de
trabalho e a crise econômica de 2015 indica um colapso dos níveis de emprego.
Vejamos
então os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE que fornecem
informações atualizadas do mercado de trabalho para as seis maiores regiões
metropolitanas do país (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre). O gráfico mostra que a taxa de atividade (PEA/PIA) ficou
aproximadamente estável entre setembro de 2003 (58,2%) e novembro de 2012
(58,1%), mas declinou desde então e atingiu o nível de 55,8% em fevereiro de
2015.
A relação
entre a população ocupada e a população em idade ativa (PIA) cresceu desde o
início da nova série histórica, em março de 2002 (quando estava em 47,9%) e
atingiu o pico de 55,3% em novembro de 2008. A população ocupada cresceu
enquanto a PEA permanecia aproximadamente constante porque houve redução das
taxas de desemprego (a taxa de desemprego da PME atingiu o valor máximo em
agosto de 2003 com 13,1% das pessoas desocupadas). Embora as taxas de
desemprego tenham se mantido baixas em 2013 e 2014, a relação entre a população
ocupada e a população em idade ativa (PIA) decresceu desde novembro de 2012
(quando estava em 55,3%), atingindo o valor de 52,3% em fevereiro de 2015. O
percentual de população ocupada em fevereiro de 2015 é equivalente ao mês de
agosto de 2009
(quando estava em 52,2%).
Ou seja, o
mês de fevereiro de 2015 mostrou uma estabilidade na relação PEA/PIA, mas como
houve aumento do desemprego de 5,3% em janeiro para 5,9% em fevereiro de 2015 a
relação PO/PIA caiu para os níveis dos meados de 2009, quando a crise nacional
e internacional estava no auge. Assim, os dados da PME também mostram que o
bônus demográfico não está sendo aproveitado em decorrência do fraco desempenho
econômico mesmo nas regiões metropolitanas mais dinâmicas do país. E o quadro
deve piorar.
Tanto os
dados da PNAD, quanto os dados da PME mostram que o ritmo de geração de emprego
e de crescimento da população ocupada em relação à PIA perdeu fôlego
principalmente após o final do ano de 2012. O tamanho da PEA e da População Ocupada
(PO) é menor no início de 2015 do que era no início de 2010. Ou seja,
considerando que o bônus demográfico acontece quando a população ocupada (PO)
cresce em ritmo superior ao da população total, pode-se dizer que o bônus
demográfico no Brasil terminou em 2012, pois o mercado de trabalho estagnou na
segunda metade do primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff e tende a
entrar em desfalecimento em 2015.
A análise do
comportamento do mercado de trabalho formal – a partir das bases estatísticas
do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) – mostra que houve crescimento do emprego em todos os
anos entre 1996 e 2014. Desde o início do século (2001) até 2013 houve a
geração de quase 16 milhões de postos de trabalho, com uma média de 1,2 milhão
de empregos formais por ano. Este tipo de emprego geralmente é mais produtivo e
garante direitos trabalhistas para a população trabalhadora.
Porém, o
CAGED aponta a geração de apenas 152 mil empregos em 2013, sendo que, em 2015,
houve perda de 81.774 empregos em janeiro e perda de 2.415 empregos em
fevereiro. A consultoria MB Associados estima uma perda de 645 mil empregos
formais em 2015. Seria o primeiro ano, em duas décadas, a apresentar redução
dos postos de trabalho. Este é mais um indicador do fim do bônus demográfico.
Nota-se que o problema não está na dinâmica da razão de dependência
demográfica, mas na falta de dinamismo do crescimento econômico e do emprego.
Considerando
somente o lado demográfico, a janela de oportunidade continuaria aberta entre
os anos de 2020 e 2030, fechando progressivamente nas décadas seguintes.
Todavia, a razão de dependência só voltaria aos níveis do ano de 1970 no final
do século XXI. Desta forma, haveria espaço para aproveitar as condições
demográficas favoráveis pelo menos até 2030.
Mas para
tanto, seria fundamental incorporar um maior número de brasileiros e
brasileiras ao mercado de trabalho. Segundo dados da PNAD, enquanto a PEA em
2013 era de 103,4 milhões de cidadãos, havia 70 milhões de pessoas de 10 anos
ou mais fora da PEA. Somente entre os jovens de 15 a 29 anos havia cerca de 10
milhões de indivíduos que não estavam nem trabalhando e nem estudando, a
chamada “geração nem-nem”. No outro extremo do ciclo de vida, havia uma grande
quantidade de pessoas fora da PEA entre a população acima de 50 anos, pois o
Brasil é conhecido como um dos países onde a idade média de aposentadoria é uma
das mais baixas do mundo.
Todavia, ao
contrário do esperado, a falta de dinamismo da economia brasileira tem
contribuído para a estagnação da população economicamente ativa. A deterioração
das condições econômicas do Brasil é reconhecida até mesmo pelo Boletim Focus
do Banco Central que prevê, para 2015, inflação acima da meta, altas taxas de
juros e queda de pelo menos 0,6% do PIB. Nesse modelo em que prevalece baixas
taxas de poupança e investimento, não é de se estranhar que a população ocupada
se reduza e o desemprego aumente, sem perspectivas de grandes mudanças
estruturais.
Na verdade,
houve uma regressão produtiva nos últimos anos, pois o país passa por um claro
processo de desindustrialização e de reprimarização da economia. Ao mesmo
tempo, o Brasil tem um grande déficit em transações correntes, grande déficit
público nominal (inclusive déficit primário em 2014), aumento das dívidas
interna e externa, perda de competitividade, baixa produtividade do trabalho,
reduzida qualidade da educação e grande déficit da previdência num processo de
rápido envelhecimento populacional. O potencial produtivo da população em idade
de trabalhar nunca foi totalmente aproveitado no Brasil, mas tem entrado em
situação crítica após 2012, com reversão do bônus demográfico.
A relação
entre população ocupada e PIA chegou ao pico entre 2008 e 2012 (fim do bônus) e
agora vai se reduzir gradualmente. Ou seja, o ritmo de crescimento da população
ocupada será menor do que o ritmo de crescimento da população. Haverá menor
proporção de “produtores” e maior proporção de “consumidores”. Embora a
demografia ainda pudesse servir de estímulo para a economia, os baixos níveis
de poupança e investimento não ajudam na geração de emprego e a inserção
produtiva. Talvez não seja coincidência que as manifestações de rua de junho de
2013 e março de 2015 tenham acontecido justamente quando o mercado de trabalho
perdeu dinamismo, a despeito de haver taxas de desemprego aberto relativamente
reduzidas.
Há quem diga
que a situação da economia brasileira é conjuntural e que haverá, em breve,
depois do ajuste fiscal, retomada do crescimento do PIB e do emprego. Porém,
com a continuidade da Operação Lava-Jato de combate à corrupção, a crise na
Petrobras e a desorganização da cadeia produtiva dos combustíveis fósseis será
difícil voltar ao ciclo de crescimento do emprego e da renda das famílias. As
crises hídrica e energética somente agravam a situação.
Na verdade,
houve uma regressão produtiva no Brasil nos últimos anos, pois há um claro
processo de desindustrialização e de reprimarização da economia. O Brasil tem
passado por uma situação de grande déficit em transações correntes, grande
déficit público nominal (inclusive déficit primário em 2014), aumento das
dívidas interna e externa, aumento da inflação, aumento dos juros, perda de
competitividade, baixa produtividade do trabalho, reduzida qualidade da
educação e grande déficit da previdência num momento de rápido incremento dos
benefícios da seguridade social. O potencial produtivo da população em idade de
trabalhar nunca foi totalmente aproveitado, mas tem entrado em situação crítica
após 2012, com reversão do bônus demográfico. O Brasil está em estágio de
aceleração do processo de envelhecimento populacional (aumento da razão
demográfica dos idosos) antes mesmo de ter conseguido resolver os problemas
básicos de inclusão social.
Exatamente
pelos motivos acima, há quem considere que a presente crise econômica é
estrutural e que estamos diante de uma nova década perdida, sem perspectiva de
uma forte retomada da economia, do emprego e da renda. A elevação dos juros nos
Estados Unidos e uma possível perda do “grau de investimento” no Brasil podem
gerar um choque cambial que impactará negativamente a economia brasileira e
dificultará o aumento dos investimentos produtivos, necessários para o
crescimento do emprego.
Na maioria
das vezes, a população foi vilã no debate sobre P & D. Contudo, neste
momento da história brasileira é a crise do modelo de desenvolvimento que está
emperrando a abertura da janela de oportunidade demográfica. Se prevalecer o
cenário mais dramático traçado acima, podemos assistir, com pouca chance de
erro, a uma crise de longo prazo no mercado de trabalho. Além do retrocesso das
conquistas sociais dos últimos 20 anos, seria o fim definitivo e precoce da
colheita do bônus demográfico no Brasil. (ecodebate)
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