quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Entulho reciclado, oportunidade inexplorada

Sucesso no exterior, uso do material cresce a passos tímidos no Brasil.
Esteira de usina móvel de reciclagem de entulho, comum em obras de grande porte.
Sustentabilidade não é só proteger a biodiversidade, mas também oferecer soluções práticas que atendam necessidades. Um exemplo disso está na Europa. Ao final da II Guerra Mundial (1939-1945), o continente estava com a sua infraestrutura e finanças em ruínas por conta do conflito. Era necessário reconstruir cidades, países inteiros, mas como? A solução foi reciclar o entulho das construções destruídas.
Esse momento é considerado chave para o conceito moderno de reciclagem de entulho, que no Velho Continente teve forte expansão entre as décadas de 1970 e 1980 e hoje é uma prática muito comum por lá. Por cá, no Brasil, onde o entulho representa 40% dos resíduos produzidos no país, o conceito chegou no início dos anos 1990, com forte incentivo do Poder Público.
Belo Horizonte possui um sistema de RCD considerado modelo. Os números impressionam: só em 2012 foram recicladas 112 toneladas de entulho em suas três usinas de reciclagem (Pampulha, Estoril e BR-040). Dessas verdadeiras linhas de montagem saem agregados que substituem a areia e a brita em obras públicas. A reciclagem gera uma economia na ordem de R$ 7 mi ao município.
O processo começa quando todo o entulho é despejado e espalhado pelo pátio da usina (com área de 6000 m² em média). Em seguida é realizada a coleta das impurezas com a ajuda de jatos d’água que fazem baixar a poeira. O que não pode ser reciclado é impureza e é enviado a um aterro. Sobra o material, classificado em classe A (lajes, pilares, blocos, etc) ou B (azulejos, telhas, tijolos de cerâmica, etc).
Esse material depois é enviado por uma pá-carregadeira até o britador de impacto, que com a vibração que gera, acaba triturando o entulho em grãos de cinco tamanhos diferentes. O que antes era considerado material descartável e virava passivo ambiental, hoje vira matéria-prima para blocos de alvenaria para construção de edifícios ou pavimentação de vias públicas, além de meio fio para calçadas.
Não se discute o sucesso do sistema. O mesmo não se pode dizer, porém, quando o assunto é o tamanho do impacto dessa iniciativa. Segundo Levi Torres, coordenador da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), o sistema de Belo Horizonte “não coíbe o descarte irregular”. “Fora que só essas três usinas não estão dando conta. Seriam necessárias, pelo menos, mais três”.
Sistemas públicos como o da capital mineira podem passar a ser mais comuns em um médio prazo, na avaliação da professora Eglé Novaes Teixeira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A principal razão, de acordo com a especialista, é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que passará a valer a partir de 2014 e determina o fim dos lixões em todo o país, muitos deles repletos de entulho.
“A PNRS está ‘obrigando’ a reciclagem, e coloca isso como condição para o município ter acesso à verba federal. Então, com esse dispositivo, eu acho que [a reciclagem] vai crescer, não sei se para todo tipo de entulho, mas para uma parte do dele. Vai ser aquela parcela suficiente para dizerem que estão atendendo a legislação”, projeta Eglé.
Entulho é reciclado em uma das três unidades de reciclagem de Belo Horizonte. 112 toneladas de entulho foram reciclados só em 2012.
Obstáculos
A incapacidade do Poder Público dar conta de tantas demandas virou uma oportunidade para o setor privado, que hoje domina o mercado da reciclagem de entulho. De acordo com levantamento realizado pela própria Abrecon, que mapeou 300 iniciativas em reciclagem de entulho pelo país em 2012, 82% das usinas são particulares, sendo 76% fixas, como as estações de BH e 24% móveis.
As usinas móveis, geralmente montadas no próprio canteiro de obras, são interessantes financeiramente, na avaliação de Eglé, porque atrelam a questão da reciclagem à da destinação dos materiais. “No caso de uma grande empreiteira, tem uma vantagem porque ela não precisa pagar pela disposição [do entulho] e se ela usar na própria empresa ela deixa de comprar”.
Apesar de promissor, as empresas privadas ainda caminham a passos lentos. Para se ter uma ideia, as usinas de reciclagem do estado de São Paulo têm capacidade para reciclar 800 mil toneladas de entulho por mês, mas produzem apenas 25% desse total. As construtoras que seriam maiores interessadas nessa solução, até pela economia de até 50% no custo da obra, resistem à RCD.
Para Eglé a principal razão que trava o avanço da reciclagem de entulho no Brasil é justamente o preço do material “O resíduo da construção civil tem um valor agregado muito baixo porque, na construção civil, ele vai substituir brita e areia que são dois produtos de custo relativamente baixo, não tem esse valor atrativo que o alumínio, por exemplo, possui”.
Torres aponta a questão cultural como fator da baixa adesão dos empreiteiros. “O mercado tem resistência ao material reciclado. Está resistência é motivada pelo desconhecimento. Quando vão construir um estande de vendas para um empreendimento, as empresas colocam brita para função decorativa. Eles poderiam usar brita reciclada, mas preferem gastar dinheiro comprando a nova”.
O transporte é outro fator de resistência. “Esse entulho que vai para a reciclagem é depositado em uma caçamba especial ao preço de R$250,00 cada. Pode não parecer muito, mas se você multiplicar isso para uma média de 1200 caçambas usadas nessas obras de grande porte, o custo fica bem maior. Já o caçambeiro cobra R$ 50,00 mais barato, mas ele ganha para jogar em qualquer lugar”, explica Levi.
Como consequência, muitas usinas ainda não saíram do vermelho. “Em uma usina de 10 m² se investe, pelo menos, R$ 1,5 milhão. Temos usinas com dois anos de atividade que não pagaram esse investimento até hoje, porque ganhar dinheiro com reciclagem é coisa rara Você ganha dinheiro com consultoria, descarte e venda do agregado [resíduo britado]”.
Casa feita com blocos de entulho reciclado.
Soluções
O caminho para o Brasil passar ter índices de reciclagem de entulho de construção e demolição comparáveis ao da Europa é longo e difícil. Todos os entrevistados ouvidos pela Reportagem são unânimes em apontar a mudança de hábito, tanto dos empreiteiros quanto dos pequenos construtores, como a chave para a expansão da RCD.
Na opinião de Levi Torres, no caso das empreiteiras é necessário investir no treinamento dos funcionários. “As construtoras precisam investir mais em capacitação dos operadores, não só para separar o entulho que vai para a reciclagem das impurezas como também para utilizar o material de construção de uma forma mais racional”.
“Uma solução é tentar construir de forma mais racional, reduzindo o consumo de matérias primas. Hoje vemos quantidades de areia, pedra e argamassa sendo aplicadas de forma muito exagerada. O pequeno construtor pode usar esses materiais de forma mais. Construímos hoje como nossos avós construíam no passado. É preciso um pouco de inteligência”, completa Torres.
Eglé Teixeira aposta nos Ecopontos, locais de entrega voluntária de pequenos volumes de entulho, grandes objetos e resíduos recicláveis. “Os Ecopontos, desde que bem operados, são perfeitos. Porque o pequeno gerador já leva para aquele local pré-definido. […] E ainda compensa para o município porque ele passa a ter um controle sobre a destinação desse material”, sublinha.
A equação é simples: a construção civil continuará crescendo enquanto as cidades se expandirem, logo o espaço para alocar entulho será cada vez menor. A reciclagem desses resíduos aparece como solução para dar destinação adequada a um passivo ambiental e ainda oferece vantagens econômicas em médio prazo. É hora de usar a infinita vontade humana na preservação dos recursos naturais, estes sim, finitos. (ambientelegal)

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