O
Rio? É doce.
A
Vale? Amarga.
Ai,
antes fosse
Mais
leve a carga.
Quantas
toneladas exportamos
De
ferro?
Quantas
lágrimas disfarçamos
Sem
berro?
(Carlos
Drummond de Andrade, 1902-1987)
A
demografia não é culpada pela atual crise brasileira. Ao contrário, o Brasil
vive o seu melhor decênio (2015-2024) demográfico da história… passada,
presente e futura. Nunca nos 515 anos, desde a chegada do Cabral, a razão de
dependência (RD) foi tão baixa. Porém, este período de bonança não vai durar
para sempre. Após 2025 a RD subirá novamente, segundo as projeções do IBGE.
Assim, a RD está no fundo do vale, pois os níveis eram mais elevados no passado
e serão mais elevados no futuro.
A
queda da razão de dependência ocorre devido à transição demográfica, que só
acontece uma vez na história de cada país. Consequentemente, a baixa relação
entre pessoas em idade de trabalhar e pessoas em “idade dependente” também só
acontece uma vez na história, criando uma janela de oportunidade singular.
Portanto, o bônus demográfico ocorre em função da mudança da estrutura etária
da população. É um fenômeno único que acontece em função da passagem de uma
estrutura etária jovem para uma estrutura etária envelhecida. Da mesma forma
como uma pessoa passa somente uma vez de criança, para adolescente, para adulto
e para idoso, a mudança da estrutura etária só acontece uma vez na história de
cada país.
Ou
seja, o Brasil está passando pelo melhor momento do seu bônus demográfico. O
período exato depende da forma como se mede a razão de dependência (RD). Se
adotarmos o período de idade produtiva como sendo de 15 a 59 anos e as idades
dependentes como sendo de 0 a 14 anos e 60 anos e mais, então a RD estará em
seu nível mais baixo (55,9%) entre 2015 e 2018 (lembrando que a pessoa idosa no
Brasil é definida a partir dos 60 anos, conforme o Estatuto do Idoso). Se
adotarmos a definição de população em idade ativa como sendo de 15 a 64 anos,
então a RD estará em seu nível mais baixo (43,4%) entre os anos de 2021 e 2024.
Assim,
o nível mais baixo da razão de dependência (RD) varia em função da definição de
qual é a população em idade ativa e a população dependente. Mas qualquer que
seja o critério adotado, a RD vai começar a subir inevitavelmente. Subirá ou em
2019 ou em 2025. Portanto, não dá para culpar o envelhecimento populacional
pela crise econômica de 2015. Pode ser que o envelhecimento seja uma carga
pesada no futuro (vai depender de como os idosos serão tratados e de como eles
irão agir e reagir), mas por enquanto o Brasil ainda tem uma razão de
dependência baixa e muito favorável.
Os
noticiários mostram que o Brasil está no meio da maior crise econômica da sua
história. Os institutos de pesquisa e os organismos internacionais (Cepal, FMI,
OCDE, etc.) confirmam o péssimo desempenho do país. Mas isto nada tem a ver com
a demografia e sim com os erros da política econômica, com o populismo social e
cambial e com as condições políticas do presidencialismo de coalizão.
Os
governos Lula e Dilma adotaram uma estratégia de crescimento baseado no aumento
do consumo, sem se preocupar com o aumento da produtividade e pouco fazendo
para aumentar as taxas agregadas de poupança e investimento. Para piorar a
situação, estabeleceram uma taxa de câmbio sobrevalorizado enquanto os ciclos
do boom das commodities permitiu. Até o ano de 2011 as exportações estavam
crescendo e a competitividade do comércio internacional não preocupava tanto os
gestores. O mercado de trabalho também estava avançando e aumentando as taxas
de ocupação até 2012 (segundo a PME do IBGE). Os diferenciais de juros internos
(spread) garantiam a entrada de capitais forâneos. O gasto público crescia
muito, mas as receitas não estavam fazendo feio. A ampliação dos gastos sociais
evitava uma rebelião entre a população mais pobre.
Todavia,
este quadro relativamente tranquilo se transfigurou para uma situação crítica a
partir de 2013. As manifestações de junho daquele ano já apontavam, consciente
ou inconscientemente, para o descontentamento popular com o quadro
macroeconômico do país. As taxas de atividade no mercado de trabalho começaram
a declinar, embora o desemprego aberto não estivesse subindo. As contas
públicas mostraram sinais de rápida deterioração. Os déficits em transações correntes
subiram de forma alarmante. Para sustentar suas reservas cambiais, o governo
passou a gastar fortunas com os swaps do Banco Central. A inflação escapou do
centro da meta. O governo passou a gastar outros bilhões com as desonerações
fiscais via BNDES (a chamada “Bolsa empresário”). O Eldorado do pré-sal virou
“ouro de tolo”: primeiro quebrou o megalômico empresário Eike Batista, depois
quebrou a Petrobras (a empresa mais endividada do mundo), vindo em seguida o
desmonte de toda a cadeia produtiva e dependente dos combustíveis fósseis. O
setor energético como um todo foi desorganizado e a manipulação das tarifas
contribuiu para a inflação de 2015. Para piorar a conjuntura econômica, a
operação Lava-Jato mostrou que o Brasil viveu nos últimos anos o maior
escândalo de corrupção do mundo. Houve rebaixamento geral das expectativas de
empresários, trabalhadores, investidores e do povo em geral.
Embora
toda esta realidade tenha sido ocultada e fantasiada nas eleições do ano
passado, a verdade crua e nua se impôs em 2015, com a deterioração completa das
condições econômicas: aumento das dívidas interna e externa, aumento da
inflação, diminuição do emprego, crescimento do desemprego, redução da renda
das famílias, quebradeira generalizada, etc. O governo que prometia o paraíso
passou a propor um duro ajuste fiscal. No começo de 2015 o ministro Joaquim
Levy propunha um superávit primário de 1,2% do PIB, mas as estimativas de
novembro são de um rombo no orçamento de mais de 1% do PIB, quando se incorpora
as pedaladas fiscais de 2014. A crise política está inviabilizando soluções
concretas. Ou seja, a situação está ruim, nada foi feito para remediar e vai
piorar em 2016.
O
Estado aumentou suas intervenções na economia, mas não melhorou a eficiência
econômica e nem avançou consideravelmente com a infraestrutura, por exemplo, em
estradas e portos. Foi proposto um programa de desburocratização, mas o Brasil
continua um dos países mais complicados para a abertura de uma empresa (é mais
fácil abrir uma igreja) e o sistema de impostos e taxas é complicado e caro. A
carga tributária é uma das mais elevadas do mundo. A Copa do Mundo de 2014
serviu para construir “elefantes brancos” (como a arena Manaus) que tem pouca
utilidade e geram custos elevados para manutenção. A transposição do rio São
Francisco extrapolou todos os orçamentos e previsões, não foi concluída e o rio
da “integração nacional” está secando por falta de políticas que cuidem de suas
nascentes. Os rios da cidade do Rio de Janeiro e a Baia da Guanabara não foram
despoluídos para as Olimpíadas de 2016. O rio Doce que já vinha sofrendo com
décadas e séculos de degradação, desmatamento, poluição e esgoto, agora teve a
sua sentença de morte declarada com o rompimento das barragens de rejeito da
mineração da Samarco (subsidiária da VALE/BHP), no município de Mariana (MG).
Toda a biodiversidade foi comprometida com a morte de milhões de peixes e
outras espécies que não resistiram ao mar de lama.
O
Brasil promoveu uma política keynesiana rastaquera e agora vive uma situação de
déficit fiscal crônico. Setores do governo e do PT não conseguem fazer uma
autocrítica e querem repetir os erros da “nova matriz macroeconômica”. As
despesas públicas, inclusive com as altas taxas de juros, crescem muito mais
rápido do que as receitas. O Brasil passou a fazer superávits crescentes na
balança comercial, mas em função da grande queda das importações, devido à
desvalorização do Real (que deixa toda a população mais pobre). É claro que a
desaceleração da economia internacional e da China contribui para o péssimo
desempenho das exportações brasileiras Investiu mais na indústria
automobilística e no sonho do carro próprio do que no transporte coletivo. Mas
a queda do desempenho brasileiro é maior do que a queda da maioria dos países e
o Brasil perde participação relativa no comércio internacional. O Brasil
privilegiou a construção de shoppings em vez de fábricas competitivas. O Brasil
vem se desindustrializando rapidamente, com a reprimarização da economia. Houve
endividamento das empresas nacionais em dólar e agora o Brasil está fragilizado
diante de um possível aumento das taxas de juros americanas. O crescimento
econômico foi endeusado como a grande solução para o país, mas tivemos
“pibinhos” sucessivos e agora uma grande recessão. Melhor que tivesse tido um
decrescimento próspero planejado (“Su recesión no es nuestro decrecimiento”).
A
crise da previdência é real e o Brasil já gasta muito com o sistema de
seguridade social. Mas isto não se deve ao aumento da razão de dependência
demográfica. O problema deriva de um sistema muito generoso, sem o devido
equilíbrio atuarial. A idade média de aposentadoria no Brasil é muito baixa e
não existe uma idade mínima para evitar abusos. Além disto existem benefícios
tais como aposentadorias vitalícias para determinados segmentos populacionais
que não se justificam em um país com tantas desigualdades e exclusão social.
Por exemplo, a União gastará R$ 3,8 bi com pagamento de pensões vitalícias a
filhas de militares este ano. Governo e oposição evitam tratar do tema de uma
reforma previdenciária séria e que mire o equilíbrio sustentável de longo
prazo.
Houve
ganhos recentes na redução da pobreza e na redução da desigualdade pessoal da
renda. Mas não houve redução da desigualdade funcional da riqueza e a crise
econômica está provocando uma mobilidade social descendente. O Brasil tem mais
de 150 mil mortes por causas externas que poderiam ser evitadas, mas que
provoca grandes transtornos para as famílias e a sociedade. Mas o Congresso
Nacional busca flexibilizar o Estatuto do Desarmamento. O agronegócio avança
com os bois sobre as florestas e os ecossistemas. A PEC 215 pretende transferir
do Executivo para o Congresso o poder de demarcar terras indígenas, territórios
quilombolas e unidades de conservação. Os parlamentares não querem aprimorar a
Constituição, mas dar um golpe nela. Parlamentares tradicionalistas aprovaram
em comissão especial da Câmara, o texto que define como família apenas o núcleo
formado a partir da união entre um homem e uma mulher. A Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o
Projeto de Lei 5.069/13, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que modifica a
Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13), introduzindo
a obrigatoriedade de registro de ocorrência e exame de corpo de delito para as
vítimas de estupro. Assim a bancada BBB (Bala, Boi e Bíblia) quer fazer uma
revolução regressiva e conservadora, além de serem contra os direitos sexuais e
reprodutivos e a autonomia feminina. Em nome de combater o neomalthusianismo, a
bancada BBB defende uma política pró-natalista antropocêntrica, conservadora e
ecocida, que vai na contramão da história.
Neste
triste quadro econômico e político, parece até piada quando alguém culpa a
demografia, a queda da fecundidade e o envelhecimento populacional pela
estagflação nacional atual. Na verdade os erros do gerenciamento da política
macroeconômica dos últimos governos brasileiros estão provocando o fim precoce
do bônus demográfico, com grande desperdício de pessoas não ocupadas e pessoas
que estudaram mas não encontram uma colocação no mercado de trabalho. Há
milhões de jovens que nem estudam e nem trabalham. O Brasil adotou uma
“especialização regressiva” e fica cada vez mais dependente da exportação de
recursos naturais (petróleo, minério, nióbio, etc, além de commodities do
agronegócio). Nesta opção, os ecossistemas estão sendo destruídos, assim como
os rios urbanos, o rio São Francisco, o rio Paraíba do Sul e nem se fala do rio
Doce. Tudo isto está colocando em xeque as possibilidades de continuidade do
desenvolvimento brasileiro. (ecodebate)
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