Brasil tem condições de zerar desmatamento da Amazônia,
diz pesquisador do Ipam
Para Paulo Moutinho, do Ipam, proposta do Brasil na
COP21 inova ao propor descarbonização da economia.
A
contribuição brasileira para conter o aquecimento global (INDC, na sigla em
inglês) em discussão na Conferência do Clima de Paris (COP) inova ao apresentar
pela primeira fez uma proposta de descarbonização da economia. A proposta
também traz como avanço a meta de redução absoluta no volume de emissão na
atmosfera de gases de efeito estufa.
A
avaliação é de Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa
Ambiental (Ipam). “A proposta é bem-vinda por dois motivos fundamentais: fala
pela primeira vez em descarbonização da economia e é uma proposta de redução
feita em cima de valores absolutos. Não relativizamos em comparação a nada”,
comenta.
Apesar
dos avanços, o pesquisador defende que é preciso acelerar o fim do
desmatamento, com a implementação integral do Código Florestal e a destinação
de uso da imensa área de florestas públicas no país para conter a grilagem.
“O
Brasil já demonstrou, até pela redução (na emissão de gases poluentes) já
feita, que é possível ter desmatamento zero na Amazônia sem prejuízo para a
floresta, para a produção agrícola ou para a economia da região”, diz Moutinho.
“O Brasil tem todos os elementos para fazer a extinção definitiva do
desmatamento”.
Como
a proposta brasileira para a melhora do clima pode ser avaliada?
A
proposta é bem-vinda por dois motivos fundamentais: fala pela primeira vez em
descarbonização da economia e é uma proposta de redução feita em cima de
valores absolutos. Não relativizamos em comparação a nada. Não é uma redução em
função do PIB (Produto Interno Bruto) ou do PIB per capita. A proposta é de uma
redução em número percentual em relação a um ponto no passado.
Qual
o efeito disso para as florestas e os recursos naturais?
O
Brasil tem tido sucesso na redução do desmatamento. Reduzimos o desmatamento de
2005 até agora entre 70% e 80%. Mas ficamos estagnados numa percentagem que, em
termos gerais, é relativamente alta de 5 mil quilômetros quadrados por ano. E o
Brasil vem oscilando em torno dessa taxa, que seria equivalente a 5 mil campos
de futebol. Esse é o grande desafio no campo das florestas para a INDC
brasileira [proposta do Brasil para a redução do clima]. O governo está
prometendo zerar o desmatamento ilegal e recuperar 12 milhões de hectares de
florestas até 2030. E entendemos que a INDC brasileira, embora esteja no rumo
correto para as florestas, ela erra no tempo.
Por
quê?
Dadas
as condições que existem hoje na Amazônia –já presentes no clima em função do
desmatamento, mesmo a taxas baixas, e o agravamento das mudanças climáticas
global, que traz grandes secas como a que vivemos agora – precisamos acabar com
o desmatamento muito antes de 2030. O fato de a gente já estar sentido mudanças
drásticas na Amazônia indica que a gente precisa fazer um esforço para o fim do
desmatamento, seja ele legal ou ilegal, muito antes de 2030. O Brasil tem todos
os elementos para fazer a extinção definitiva do desmatamento.
Por
que zerar o desmatamento é importante?
Por
três motivos básicos: primeiro, a mudança do clima e o aumento da temperatura e
redução de chuvas na região já está acontecendo. Segundo, é que essas mudanças
afetam questões importantes como o agronegócio. Na região da bacia do Xingu, de
2000 a 2010 a temperatura subiu quase 1°C devido ao desmatamento naquela
localidade. Isso não é mudança climática. Isso ocorreu em função de remoção de
florestas. Para se ter uma ideia, a diferença de temperatura entre o parque do
Xingu, que é todo florestado, em relação a fora do parque do Xingu, pode ficar
entre 4° e 8°C, mais quente fora do que dentro.
O
que isso provoca?
Todo
esse aumento de temperatura faz com que haja redução de chuvas o que pode
afetar toda a produção e grãos e de carne da região. Ou seja, reduzir o
desmatamento o quanto antes e exterminá-lo de vez nada mais é que um dos
principais investimentos econômicos para a produção agrícola brasileira. Se
esperarmos mais 15 anos para terminarmos apenas o desmatamento ilegal,
certamente os prejuízos na agricultura serão bem maiores do que estamos vendo
agora.
O
que pode acontecer?
Esperando
mais para extinguir o desmatamento a gente está furando o regador do
agronegócio e desligando o ar condicionado da região. O Brasil já demonstrou,
até pela redução (na emissão de gases poluentes) já feita que é possível ter
desmatamento zero na Amazônia sem prejuízo para a floresta, para a produção
agrícola ou para a economia da região.
E
como isso pode ser feito?
Há
várias estratégias que poderíamos usar. A primeira passa pela implementação
total do Código Florestal e alguns itens são importantes como a compensação de
reserva ambiental. Se você é um proprietário de terra e tem excedente de
floresta, mais floresta do que a lei exige em termos de reserva legal, você
pode vender ou arrendar essa parte de floresta a mais para os proprietários que
precisam cumprir o código e não tem reserva legal suficiente. O cadastro
ambiental rural pode ser uma ferramenta de uso da terra e de controle do
desmatamento.
Poderia
haver compensação para quem faz conservação?
Sim.
Criar um mercado ou uma economia mais ambiental, trazendo mecanismos
financeiros, seja do governo ou ligados à convenção do clima, que possam
compensar os Estados e produtores que fazem esforços de conservação de
florestas ou de redução do desmatamento. O dinheiro é importante nesse aspecto.
Estados e produtores que fazem conservação de florestas devem ter condição
diferenciada de acesso a crédito. Deve-se premiar quem conserva florestas.
E em
termos tributários, o que pode ser feito?
O
governo dá uma série de isenções a uma série de atividades. São quase R$ 100
bilhões por ano e entre 70% ou 80% dessas isenções são para atividades que
poluem, ou emites gases de efeito estufa, ou desmatam ou poluem recursos
hídricos. Se pudesse dar isenção para as atividades, empresas ou proprietários
(de terras) que fazem conservação teríamos uma inversão dessa lógica.
Isso
é, então, o que se fala de esverdear a economia?
Exatamente.
Isenção (de tributos) para iniciativas sustentáveis.
O
que mais poderia ser feito para preservar as florestas brasileiras?
Uma
última medida que provocaria redução drástica no desmatamento da Amazônia é os
governos estaduais e federal destinarem para algum uso a imensa área de
floresta pública na Amazônia, que são as terras devolutas. São quase 80 milhões
de hectares, quase a área que já foi desmatada na região.
Quais
são os tipos de uso das florestas?
Essa
área poderia ser alocada, em sua maior parte, para floresta de produção, áreas
protegidas, homologação de terras indígenas, áreas extrativistas. Com isso a
gente derrubaria a quase a zero o desmatamento. Seria uma medida muito eficaz e
rápida.
Por
que usos como esses protegeriam as florestas?
Porque
uma boa parte do desmatamento vem da grilagem. Esses tipos de conservação
protegeriam e evitariam que se fizesse o desmatamento ilegal por conta da
grilagem de terras públicas. Fazendo essas destinações você mantém em larga
escala o serviço fundamental prestado pelas florestas, que é manter o clima
regional úmido e chuvoso. Isso implica produção agrícola não só na Amazônia,
mas fora dela. E manteria nosso sistema nacional de irrigação da agricultura
funcionando. (ecodebate)
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