“No mundo todo, mais de 70% do plástico produzido é
depositado em aterros ou lançado em cursos d’água”, alerta o professor e
especialista em Ciências Ambientais.
A
poluição provocada pelo descarte inadequado do excedente gerado pela lógica do
consumo exacerbado, inerente ao sistema capitalista, que alimenta a
obsolescência e incentiva a substituição incessante de bens de todo tipo, é um
problema conhecido. As consequências desse comportamento também são sabidas,
porém ele continua recorrente. A situação se agrava quando ao
examinamos o material do qual é formada a maior parte desses produtos
descartados: o plástico. Pesquisas revelam que as diversas
formas assumidas pelo plástico, seja a presente em garrafas PET
ou nas fraldas descartáveis, levam cerca de 450 anos
para se decompor na natureza. O pior é que a maior parte de
todo o plástico produzido no mundo não é reutilizada e é descartada de forma
inadequada, poluindo aterra e principalmente
a água, tanto rios como oceanos.
Em
entrevista por e-mail à IHU On-Line, o professor e
especialista em Ciências Ambientais, Reinaldo Dias, chama a
atenção para os dados divulgados recentemente pelo relatório “A nova
economia do plástico: repensando o futuro”, elaborado pela Consultoria
McKinsey & Co. e a Organização Não Governamental Ocean
Conservancy e apresentado neste ano no Fórum Econômico Mundial
de Davos, na Suíça. Para o pesquisador, o estudo é “um alerta para a
humanidade de que estamos inviabilizando a vida marinha, sua diversidade e o
enorme potencial que os oceanos possuem de produzir alimentos que amenizariam o
problema da fome no mundo”.
Segundo
o professor, atualmente “há cinco grandes manchas de lixo nos oceanos
que podem ser vistas do espaço e que contêm cerca de 90% de resíduos
plásticos. A ilha de lixo situada entre o Havaí e a
Califórnia tem uma extensão de 1,4 milhão de km2. A
mancha menos conhecida é a do Oceano Índico, mas acredita-se
que é enorme, podendo chegar a uma extensão de 5 milhões de km2”.
O Brasil,
através da Lei 12.305/2010 busca regulamentar a questão do
descarte de lixo instituindo a Política Nacional dos Resíduos Sólidos.
Porém, da mesma forma que outras tantas leis no país, tais normas não são
cumpridas. Dias aponta que “a lei havia dado prazo até agosto
de 2014 para que as cidades acabassem com os lixões e
aterros sem condições técnicas, no entanto até hoje menos de 40%
dos municípios atingiram a meta estabelecida e se mantiver a média de
crescimento do setor, o objetivo somente será atingido em 150 anos”.
O
pesquisador afirma que a conscientização sobre o papel
individual de cada cidadão, se responsabilizando pelo descarte
correto do lixo que produz, e uma mudança na mentalidade
política e econômica em relação à reutilização são os caminhos mais promissores
em direção à mudança desse cenário. “A questão da reciclagem,
de plástico e de outros materiais, deve ser vista dentro do contexto de
formação de uma economia verde, de maior eficiência
energética e na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Nesse
caso, deve ser considerada um novo nicho industrial, de transformação
do lixo em riqueza”, ressalta.
Reinaldo Dias é graduado
em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política e doutor em Ciências Sociais
pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. É especialista em Ciências
Ambientais pela Universidade São Francisco – USF e atualmente leciona no curso
de Administração do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas – CCSA da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que representam os dados do relatório “A nova economia
do plástico: repensando o futuro”, elaborado pela Consultoria McKinsey &
Co. e a ONG Ocean Conservancy e apresentado no Fórum de Davos?
Reinaldo Dias –
Representa em primeiro lugar um alerta para a humanidade de
que estamos inviabilizando a vida marinha, sua diversidade e o
enorme potencial que os oceanos possuem de produzir alimentos que amenizariam o
problema da fome no mundo. Em segundo lugar representa uma reafirmação da cultura
do desperdício que afeta as empresas, mas também os cidadãos. É a
incapacidade de pensar que os recursos são limitados e escassos,
e que os espaços públicos devem ser tratados com os mesmos cuidados com que
tratamos as áreas particulares.
Um
terceiro ponto diz respeito à incipiente compreensão humana da nossa dependência
do mundo natural, do qual dependemos totalmente, não havendo um único material
em nossas casas e cidades que não tenha origem natural. Esse
aparente distanciamento da cultura humana em relação à natureza deve ser
combatido, pois não criamos um mundo artificial que independe do natural, eles
são interdependentes e temos que realizar um intenso trabalho de educação
ambiental para que todos os humanos compreendam isso.
IHU On-Line – Qual é o impacto, em termos de quantidade e potencial
poluente, causado hoje ao meio ambiente pelo uso e descarte inadequado do
plástico?
Reinaldo Dias – No mundo
todo, mais de 70% do plástico produzido é
depositado em aterros ou lançado em cursos d’água
resultando em perdas enormes para alguns setores como o
turismo, navegação e pesca. Além disso, também há um custo significativo para o
poder público, que se vê às voltas com problemas causados pelo descarte
inadequado desses materiais, como entupimento de redes de água e
esgoto nas grandes cidades, causando alagamentos e destruição dos equipamentos
públicos e a mortandade de peixes e outros animais de água doce e marinhos.
Muitos animais ameaçados de extinção, como as diversas espécies de tartaruga,
morrem em grande número asfixiados pela ingestão de plástico.
IHU On-Line – Que caminho em geral o plástico faz antes de chegar aos
oceanos? De onde provém a maior parte desse material?
Reinaldo Dias –
Predominantemente do descarte feito pelas pessoas, garrafas pets
estão entre os mais encontrados, entre outros objetos de uso pessoal.
Esse plástico das residências vai para os rios e daí para os oceanos.
O aumento da conscientização das pessoas de que sua ação individual causa esse
impacto no mundo natural é fundamental para combater o problema.
“Há cinco grandes manchas de lixo nos oceanos que
podem ser vistas do espaço”
IHU On-Line – Qual é a área mais poluída dos oceanos? Por quê?
Reinaldo Dias – Todos os
mares apresentam correntes que se movem-se na forma de uma espiral e, na medida
que avançam, vão concentrando todos os resíduos que encontram
no caminho, formando ilhas ou manchas de lixo marinho,
constituído principalmente de material plástico.
Há cinco
grandes manchas de lixo nos oceanos que podem
ser vistas do espaço e que contêm cerca de 90% de resíduos plásticos.
A ilha de lixo situada entre o Havaí e a Califórnia
tem uma extensão de 1,4 milhão de km2. A mancha menos
conhecida é a do Oceano Índico, mas acredita-se que é enorme, podendo chegar a
uma extensão de 5 milhões de km2.
IHU On-Line – De que forma o Brasil trata da questão do descarte
adequado do lixo? Como estão as políticas para este setor? E em outros países,
quais tratam desse tema de maneira melhor e pior no planeta?
Reinaldo Dias – O Brasil
possui a Lei 12.305 de 2010 que instituiu a Política
Nacional dos Resíduos Sólidos, que se fosse cumprida estaríamos numa
situação bem melhor do que estamos agora. A lei havia dado prazo até agosto
de 2014 para que as cidades acabassem com os lixões e aterros sem
condições técnicas, no entanto até hoje menos de 40% dos
municípios atingiram a meta estabelecida e se mantiver a média de crescimento
do setor, o objetivo somente será atingido em 150 anos. O
problema somente será resolvido com vontade política e amadurecimento
da população em relação à necessidade de destinação correta do lixo.
A política
pública da destinação de lixo no Brasil deveria dar um enfoque central
na educação ambiental ampla, precisa ser uma política efetiva
de Estado, sem improvisos. Um dos países que enfrenta melhor o problema é
a Alemanha, em termos de eficiência e sendo considerada a
campeã da reciclagem. Nesse país, dos resíduos gerados, 45% são
reciclados, 38% queimados e 17% são
destinados à compostagem. A política europeia para o lixo está
focada no slogan “lixo pode virar ouro”, que incentiva a
criação de negócios relacionados com o reaproveitamento dos resíduos
descartados.
Os
países com a situação mais deplorável no que diz respeito ao
tratamento do lixo são inúmeros, sendo impossível identificar o pior. É
importante destacar a contribuição negativa dos países
desenvolvidos ao descartarem seu lixo em países em desenvolvimento,
principalmente localizados na África e na Ásia,
neste último caso com destaque para Bangladesh, que
recebe em suas praias grande quantidade de material depositado por navios
originados de países ricos.
IHU On-Line – No caso do Brasil, há dados sobre a situação dos rios
quanto à poluição com lixo?
Reinaldo Dias – Os dados
são específicos para determinados rios que chamam mais atenção, como o Tiete
ou Pinheiros em São Paulo, mas a
situação se repete em todo o país, principalmente nas cidades. É facilmente
encontrável na Internet cenas de acúmulo de milhares de garrafas PET
e outros materiais em determinados pontos dos rios. Alguns cursos
d’água se assemelham mais a esgotos a céu aberto
irradiando mau cheiro, fenômeno comum em todas as capitais brasileiras.
Infelizmente esta é a situação, que somente será resolvida com a ação
efetiva do poder público, punindo empresas que contaminam e aumentando
o nível de conscientização da população sobre o problema.
IHU On-Line – É possível encontrar uma alternativa ao uso do plástico?
Quais são as variáveis envolvidas nesse processo?
Reinaldo Dias – O plástico
tornou-se um componente essencial na nossa vida, é difícil encontrar no
ambiente humano algum lugar onde não haja esse tipo de material. O que pode ser
feito sempre é um melhor uso, com a responsabilidade compartilhada
do seu descarte entre fabricantes, comerciantes e consumidores. Outro movimento
deve ser a adoção, em alguns produtos, de plásticos formados por material biodegradável,
que ameniza seus impactos ao meio ambiente, como por exemplo, nas sacolas
utilizadas no comércio.
IHU On-Line – No mundo, o Brasil é o campeão na reciclagem de latas,
reciclando 98% do total produzido no país. Por que ainda não se tem índices de
reutilização como estes para o plástico?
Reinaldo Dias – Este é
um bom exemplo de como pode ser encontrada uma solução no contexto do atual
modo de produção capitalista, que é o vigente. A reciclagem
das latas de alumínio foi transformada num bom negócio, sendo menor o custo de
sua reciclagem do que a sua obtenção diretamente na natureza.
O plástico
deve trilhar o mesmo caminho, tem que viabilizar negócios rentáveis que gerarão
empregos e contribuirão para o meio ambiente. A questão é que a relação custo-benefício
está desfavorável para que isto aconteça, pois a principal matéria-prima para o
plástico, que é o petróleo, está em queda livre,
com preços cada vez menores, o que barateia o seu custo de produção.
Neste caso, a solução seria a criação de políticas de incentivo ao setor, maior
profissionalização dos empreendedores com a adoção de métodos
de gestão adequados para o setor e geração de empregos decentes, pois ocorre
neste campo muita exploração de mão-de-obra, com a justificativa de que se está
oferecendo trabalho para pessoas necessitadas. Isso tudo deve ser permeado
sempre, e fundamentalmente, pelo aumento da conscientização, o que implica em políticas
públicas amplas de educação ambiental.
IHU On-Line – De que maneira a reciclagem, além de contribuir para a
preservação do ambiente, pode também exercer uma função social?
Reinaldo Dias – Como
havia mencionado anteriormente, temos que enfrentar o problema de que muitos programas
de reciclagem de plástico envolvem uma exploração da mão-de-obra,
buscando neste caso a redução de custos. Isto contraria frontalmente a proposta
de sustentabilidade que envolve a reciclagem e a formação de uma economia
circular, pois se foca somente no aspecto econômico e marginalmente no
ambiental e social. A reciclagem pode exercer um importante papel
social, como mostra o exemplo da União Europeia onde
o tratamento de resíduos emprega mais de dois milhões de pessoas e com uma
receita estimada em mais de 145 bilhões de euros.
“O
preconceito em relação ao manuseio do lixo deve dar lugar a uma abordagem de
máxima reutilização dos materiais descartados”
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Reinaldo Dias – A
questão da reciclagem, de plástico e de outros materiais, deve
ser vista dentro do contexto de formação de uma economia verde,
de maior eficiência energética e na perspectiva do desenvolvimento
sustentável. Nesse caso, deve ser considerada um novo nicho
industrial, de transformação do lixo em riqueza. Acontece que para que isto
ocorra deve haver uma mudança de mentalidade, que pode começar nas universidades,
incentivando a criação de startups voltadas para a reutilização de materiais
descartados como negócio viável. Os estudantes devem aprender a ver o lixo como
uma mina de múltiplos materiais que foram retirados da natureza e que podem ser
reutilizados com diminuição de custo de fabricação.
Um
bom exemplo ocorreu na reunião do clima, a COP21
que aconteceu em Paris em dezembro de 2015. Nesse evento a Adidas
e a “Parley for the Oceans”,
uma organização sem fins lucrativos que visa a proteção dos oceanos, apresentaram
um calçado esportivo inovador que possui sua parte superior e uma sola impressa
em 3D, fabricadas com resíduos plásticos dos oceanos.
A iniciativa, além de contribuir para a diminuição da contaminação nos oceanos,
cria um produto que já nasce com uma imagem positiva sancionada pela sociedade.
O preconceito
em relação ao manuseio do lixo deve dar lugar a uma abordagem
de máxima reutilização dos materiais descartados.
Cabe aos empreendedores tornar o negócio viável adotando soluções criativas
para cada caso: plásticos, alumínio, papel,
metais, produtos eletrônicos etc. O desafio é
este para as universidades: geração de empreendedores que veem o lixo como
fonte de riqueza, um dos componentes de um sistema circular e não como um
produto final de um sistema linear que ainda é predominante em nossa economia.
(ecodebate)
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