Antropoceno: ou mudamos nosso
estilo de vida, ou a Terra sucumbirá
Antropoceno: ou mudamos nosso
estilo de vida, ou a Terra, como conhecemos, sucumbirá.
"De fato, um desafio importante significa repensar o significado da vida: o que queremos da nossa vida, da nossa organização social? Para que vivemos?", provoca o geólogo.
"De fato, um desafio importante significa repensar o significado da vida: o que queremos da nossa vida, da nossa organização social? Para que vivemos?", provoca o geólogo.
O consumo
exagerado, que anseia sempre o novo e descarta com facilidade
quaisquer objetos, é o comportamento que tem predominado na sociedade. Com o
aumento da capacidade de produção em nome do lucro, a oferta de produtos de
toda ordem se amplia cada vez mais e, no sentido oposto, os recursos naturais
já dão sinais de esgotamento. Essas são algumas das características do tempo em
que vivemos e que os estudiosos têm denominado de Antropoceno. Trata-se de uma
era em que a capacidade de intervenção da espécie humana no ambiente recebe o
foco das atenções.
Conforme
ressalta, em entrevista por telefone à IHU On-Line, o geógrafo e professor
Wagner Costa Ribeiro, a importância e grande diferença do Antropoceno
em relação às eras anteriores é que “pela primeira vez na história geológica da
natureza – das eras – se assumiu a espécie humana como principal força motriz
de transformação tanto da biosfera quanto da litosfera e atmosfera”.
As transformações
no ambiente se intensificam na medida em que o avanço tecnológico
desenvolve, especializa e potencializa o poder dos humanos de manejar os
elementos da natureza de acordo com seus interesses. No entanto, a exploração
indiscriminada do planeta já apresenta as contas das consequências que começam
a ser pagas pelos que vivem o presente, mas serão cobradas com veemência dos
que ainda estão por vir se o estilo de vida da sociedade não for repensado.
Para
o geólogo, “esse é um debate de caráter ético que nós devemos começar cada vez
mais a aprofundar. Apesar de já se ter começado a falar sobre esse tema, as
discussões ainda são muito incipientes. Trata-se da questão do direito
geracional, que de algum modo nasceu com a preocupação com a sustentabilidade,
que em linhas gerais significa deixar para as gerações futuras as condições
atuais do planeta. Aos poucos estamos vendo que será impossível manter esse
ritmo intenso de uso de recursos naturais”.
Wagner Costa Ribeiro é
graduado em Geografia, mestre e doutor em Geografia Humana pela Universidade de
São Paulo – USP. Atualmente é professor do Departamento de Geografia e dos
Programas de Pós-Graduação em Geografia Humana e Ciência Ambiental da USP.
Obteve a livre docência também na USP e realizou estudos de pós-doutorado na
Universidad de Barcelona – UB, na Espanha. Também coordena o Grupo de Pesquisa
de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados da USP. Entre suas
obras, destaca-se A ordem ambiental internacional (São Paulo:
Contexto, 2001).
IHU
On-Line - O que as últimas pesquisas que têm sido feitas indicam sobre
o Antropoceno? Já se pode afirmar que de fato o mundo entrou mesmo em uma nova
época geológica?
Wagner
Costa Ribeiro - O primeiro a anunciar e popularizar a ideia do Antropoceno
como nova era geológica foi o Prêmio Nobel de Química Paul
Crutzen, em 2002. Em 2008, a Sociedade Geológica do Reino
Unido, em uma reunião, acabou afirmando a existência do Antropoceno,
portanto não há mais controvérsias em relação a estarmos ou não diante de uma nova
era geológica. A questão é procurar identificar o que caracterizaria
esse novo momento a ponto de merecer um novo rótulo ou título. Já temos algumas
características que nos permitem dizer que de fato estamos em outro momento.
Agora, o primeiro aspecto a deixar muito claro é que, pela primeira vez na
história geológica da natureza – das eras –, se assumiu a espécie humana como
principal força motriz de transformação tanto da biosfera quanto da litosfera e
da atmosfera.
Se
analisarmos do ponto de vista da existência da sociedade, corresponde ao período
da modernização, que vai do final do século XIX até hoje. Logo, temos
em torno de 130 ou 140 anos nessa nova era geológica, que é marcada por algumas
características bastante importantes, e são todas elas características humanas:
– a
primeira é o incremento tecnológico importante a partir da máquina a
vapor, que faz com que o uso de combustíveis fósseis cresça muito –
teremos aí, no primeiro momento, o carvão;
–
depois temos a invenção do motor a explosão, inclusive com o
uso de outro combustível de matriz fóssil, que é justamente o petróleo.
E o
que representa ter máquinas como as que são movidas a vapor ou as que são
movidas a partir da queima de combustível, como é o caso do motor a explosão?
Nós incrementamos a nossa força motriz, nossa força de transformação da
superfície terrestre. Assim, uma tarefa que era feita por muitos homens em
muito tempo, passa a ser feita com uma simples máquina, e isso faz com que
tenhamos uma capacidade muito maior de transformação da superfície terrestre.
Essa
é de fato uma característica fundamental do chamado Antropoceno,
ou seja, do ponto de vista das ciências sociais corresponde à modernização
e tem grandes implicações na organização social. Assim, após a invenção dos
motores, teremos, por exemplo, a emergência da sociedade capitalista, e bem
mais tarde, na segunda metade do século XX – para alguns é um pouco antes, mas
eu prefiro demarcar depois da Segunda Guerra Mundial – teremos
a sociedade de consumo em escala bastante abrangente.
Depois,
a partir dos anos 1980 e, principalmente, a partir dos últimos anos, com a
saída da pobreza de uma parte expressiva da população de países como Brasil,
China e Índia, houve um incremento desse
consumo e se passou a ter outra característica importante do Antropoceno:
um consumo bastante elevado, que faz com a demanda sobre os recursos naturais
aumente drasticamente. Esta é outra característica importante do Antropoceno: o
uso intensivo de recursos naturais.
Se
analisarmos as reservas de minério de Ferro, por exemplo, e comparar o uso que
se tinha até o século XIX com o que se usou no século XX e mesmo agora no XXI é
possível perceber que o incremento de consumo desse tipo de material é muito
maior. Essa atitude faz com que a superfície terrestre seja muito alterada.
A
partir dessas intervenções humanas temos diversas implicações, como as mudanças
climáticas, por exemplo, pois grande parte do uso dos combustíveis fósseis
acaba gerando carbono e isso se concentra na atmosfera, fazendo com tenhamos
consequências para além da superfície terrestre.
“Não há dúvidas de que temos de mudar nosso estilo de vida”
“Não há dúvidas de que temos de mudar nosso estilo de vida”
IHU
On-Line - Quais são os sinais geológicos que indicam que estamos numa
nova época e quais são as características centrais desse período?
Wagner
Costa Ribeiro - Os sinais geológicos virão das ações dos
humanos. Por exemplo, já estão ocorrendo intervenções na superfície
marinha. É um dado que devemos ressaltar, porque não se trata apenas
da extração de petróleo, como é o caso do Brasil, mas também
em alguns países, como Papua-Nova Guiné e Austrália,
já teve início a mineração na superfície marinha. Ou seja,
além de alterar a superfície terrestre, passaremos a mexer também nas
profundezas marinhas, o que pode trazer consequências muito sérias, já que
teremos uma alteração drástica do fundo marinho e isso pode afetar, por
exemplo, toda a microfauna local, pode liberar gases para atmosfera, que estão
armazenados de alguma maneira, assim como pode trazer consequências ainda não
muito bem conhecidas.
Portanto,
a nossa característica de intervenção, nossa capacidade motriz
aumentou muito. O nosso movimento de pinça, que é o primeiro elemento que faz
com que tenhamos a capacidade de capturar algo, que era feito simplesmente com
o polegar e o opositor, hoje ganhou uma força motriz infinitamente maior; temos
capacidade tecnológica de produzir máquinas que fazem com que esse movimento
simples de coletar algo ocorra, por exemplo, no caso do pré-sal, a 7 mil metros
a partir do fundo do mar.
Isso
mostra que temos uma enorme capacidade de extração, o que é de
fato muito preocupante, porque estamos extraindo recursos, muitos dos quais não
são reaproveitados e, principalmente, é uma herança de processos naturais que
algumas gerações do planeta Terra estão usando sem se preocupar com as gerações
futuras. Esse é um debate de caráter ético que nós devemos começar cada vez
mais a aprofundar. Apesar de já se ter começado a falar sobre esse tema, as
discussões ainda são muito incipientes. Trata-se da questão do direito
geracional, que de algum modo nasceu com a preocupação com a
sustentabilidade, que em linhas gerais significa deixar para as gerações
futuras as condições atuais do planeta. Aos poucos estamos vendo que será
impossível manter esse ritmo intenso de uso de recursos naturais.
As
mudanças no campo são “um exemplo bastante singelo do quanto nós incrementamos
a nossa capacidade de alteração do ambiente”.
IHU
On-Line - O que distingue o Antropoceno do Holoceno?
Wagner
Costa Ribeiro - O que distingue de fato é a ação humana como a
principal força motriz de transformação da superfície terrestre,
inclusive com implicações na atmosfera e na biosfera. Há 10 mil anos, no final
da primeira revolução agrícola, nossa capacidade de revolver a terra estava
baseada no arado, então era muito menor. Hoje nós temos, por exemplo, máquinas
agrícolas que não só revolvem a terra, mas que também plantam; e outras que
além de cultivar, praticamente embalam o produto.
As
diferenças ficam claras se fizermos uma comparação entre um arado puxado por um
homem ou eventualmente um animal e uma máquina dessas, que tem até oito
palhetas funcionando ao mesmo tempo, com um apenas operário dando conta de uma
vasta área. Esse parece um exemplo bastante singelo, mas muito claro, do quanto
nós incrementamos a nossa capacidade de alteração do ambiente
e isso está associado ao processo de modernização tecnológica;
portanto, antes de mais nada, é um processo histórico. A grande diferença do
Antropoceno é admitir a espécie humana, portanto admitir a história, a
sociedade como a força motriz de processos de alteração da natureza em larga
escala.
IHU
On-Line - Na prática, alguma mudança no nosso estilo de vida é
necessária pelo fato de estarmos entrando nessa nova era?
Wagner
Costa Ribeiro - Essa é questão central. Não há dúvidas de que temos de mudar
nosso estilo de vida. O planeta terra é finito, ele tem certa
capacidade de fornecer elementos naturais, e se tivermos cada vez mais demanda
sobre essa mesma base, ou seja, se temos um volume de minério de ferro,
determinado volume de bauxita, de petróleo, de água e de fontes energéticas, é
evidente que se aumentar a pressão sobre essa quantidade, que é fixa, nós
teremos conflito.
Então,
não por acaso, organismos multilaterais, como o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, criaram órgãos para discutir
conflitos ambientais. De fato, temos que mudar o estilo de vida, porque esse
modelo de crescimento da produção sem limites não pode continuar, é um engano,
é uma ilusão achar que continuaremos produzindo sem limitações. Ações como reciclagem
e reaproveitamento de materiais não são mais um modismo ecológico, passam a ser
uma necessidade para a própria manutenção de produção da sociedade de consumo
contemporânea.
Nos
últimos tempos, todos nós que trabalhamos com as questões socioambientais há
muitos anos ganhamos um aliado muito importante, eu diria até inesperado, que
foi o Papa Francisco. O Papa, com sua Encíclica
[Carta Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum],
lançada no ano passado, de maneira bastante contundente e com uma penetração
maior do que muitos pesquisadores, deixou claro que nós teremos de alterar,
sim, o nosso estilo de vida.
Não
é possível manter essa sociedade pouco inteligente, que faz um enorme esforço
científico e tecnológico para gerar um objeto, e, poucos meses depois – quando
muito um ano depois – o descarta sem a menor necessidade, para fazer com que as
pessoas comprem um novo. É o que ocorre, por exemplo, com aparelhos de telefone
celular, computadores, tablets e outros eletrônicos; nesses casos, o apelo
da inovação é utilizado para fomentar a venda, a qual, se verificarmos
na essência, apresenta uma diferença pouco expressiva, mas reforça a ideia de
que sempre se deve buscar algo novo, que de fato nem é tão novo.
Então,
esse é de fato um desafio importante e que significa repensar o significado
da vida: o que queremos da nossa vida, da nossa organização social?
Para que vivemos? Algumas pessoas, infelizmente, vivem para ter, para consumir,
para comprar, e isso efetivamente não satisfaz. Já há vários trabalhos de
psicologia de massa acerca do consumo que mostram que
determinado nível de consumo e de renda faz com que as pessoas não tenham mais
no consumo em si uma forma de realização pessoal, sendo preciso buscar outros
elementos, e aí as escolhas são as mais diversas. Não entrarei nesse campo, mas
há quem vá para o campo das drogas, da violência, ou então da religião, dos
esportes radicais etc.
Há
uma busca de sentido para vida, porque a sociedade do consumo efetivamente é
muito ingrata, pois gera sempre a frustração. Por exemplo, você acabou de
comprar um aparelho ou instrumento tecnológico que deseja e pouco tempo depois
você se sente frustrado porque o mesmo fabricante que vendeu aquilo diz: “agora
isso não vale mais, o que vale é esse novo”. E essa frustração
permanente tem gerado muita inquietação, muito mercado de trabalho
para o pessoal da saúde mental. Não por acaso, a área da saúde mental cresce e
as doenças mentais crescem em escala muito preocupante, porque essa frustração
permanente deve ser cessada. É preciso, portanto, reorganizar a vida, pensá-la
a partir do que significa estar vivo no planeta terra e do que podemos
usufruir, não apenas da base material.
Isso
não significa, evidentemente, abandonar a base material. Ninguém está dizendo
que não é mais para ter computador, nem telefone celular, mas talvez não seja
necessário trocar de aparelhos celulares e computadores a cada seis meses, como
ocorre em alguns lugares do mundo, em especial nas camadas mais abastadas.
IHU
On-Line - Algumas notícias informam que um dado em aberto entre os
pesquisadores que estudam o Antropoceno é definir qual é a data formal do seu
início. Como está essa discussão e qual data indica melhor o início dessa nova
era geológica?
Wagner
Costa Ribeiro - Essa discussão é polêmica. Eu diria que a Revolução
Industrial é o grande marco e corresponde ao que na história se chama
de processo de modernização. Acredito que a Revolução
Industrial é o grande marco, que é quando passamos a ter uma força motriz bastante
ampliada; ou seja, como já disse anteriormente, foi desenvolvida a máquina a
vapor e depois incrementada ainda mais por uma máquina com motor a explosão,
com uma capacidade de produção e de extração de recursos naturais bastante
ampliada.
Então,
esse é realmente o grande marco, mas é um marco das ciências da sociedade e,
muitas vezes, os colegas das ciências da natureza não são muito sensíveis a
esse tipo de argumento. Não são todos os pesquisadores, evidentemente, mas eu
diria que alguns ainda não são sensíveis e têm alguma dificuldade em assimilar
essa ideia. Mas parece razoável esse pensamento se tivermos em conta que o Antropoceno
é marcado pela ação humana em larga escala, e isso começou com
a Revolução Industrial.
Portanto,
se fosse para marcar um ponto, apesar de que acho isso pouco útil na história –
confesso a você, pois não vejo necessidade em precisar -, mas eu diria que a
partir da Revolução Industrial nós tivemos de fato uma
aceleração muito intensa dessa transformação da superfície terrestre.
“O
Antropoceno é marcado pela ação humana em larga escala, que começa com a
Revolução Industrial”
IHU
On-Line - A discussão sobre mudanças climáticas tem algum peso nessa
nova era geológica?Wagner Costa Ribeiro - Essa é outra questão extremamente importante, que tem algumas interpretações possíveis: uma interpretação apresenta o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima], que, ao contrário do que alguns dizem, estaria mostrando dados que não apresentam claramente a gravidade das mudanças climáticas. Então é uma crítica ao IPCC, que, segundo esse grupo, não estaria apresentando claramente a gravidade das mudanças climáticas e estaria, de alguma maneira, atenuando um pouco os problemas.
A
outra posição é minoritária e critica o IPCC dizendo que não
há mudança climática e nem aquecimento global. Já a visão do IPCC diz que temos
de controlar até 2°C, que é bastante conhecida. Nesse debate, destas três
visões, posso dizer que nós temos cada vez mais evidências de que as condições
climáticas do planeta, pelos menos na escala local, estão mudando
bastante.
Eu
posso falar um pouco da cidade onde moro, São Paulo. Já tenho
53 anos e São Paulo não é mais a terra da garoa de quando eu tinha entre oito e
dez anos de idade. Houve uma mudança no microclima, mas isso
tem a ver com mudança climática? Necessariamente, não. Nós tivemos um processo
de intensificação da urbanização e não só em São Paulo, mas também em várias
outras metrópoles no mundo, fazendo com que as condições locais tenham uma
alteração bastante expressiva. Portanto é uma característica do Antropoceno,
ou seja, nós mudamos a superfície terrestre de maneira radical.
Aquela
massa de ar frio que chegava tinha um ambiente florestado, mas muitas vezes ela
não encontra mais essas condições e segue por uma superfície mais aquecida,
tendo uma precipitação muito mais intensa. Com isso é possível explicar por que
São Paulo não é mais a terra da garoa. Mas como se explica a
seca que tivemos agora? Aí não é mais a escala local, temos que pensar
processos de ordem mais ampla, de pressão atmosférica.
É a
mesma coisa que estamos vendo junto a Manaus, no município de Presidente
Figueiredo, com uma seca bem aguda. Ou seja, estamos tendo fenômenos
extremos com maior recorrência, e isso, segundo o próprio IPCC e vários
pesquisadores que se dedicam a analisar a mudança climática, seria de fato uma
indicação de que na escala mais ampla, para além da escala local, nós estamos
já vivendo processos que têm relação com essa maior presença dos gases de
efeito estufa na atmosfera.
Então,
o que eu estou dizendo é que ainda é precoce afirmar que estes eventos extremos
são decorrência do aquecimento global, mas não é precoce dizer
que eles estão confirmando algumas projeções que o IPCC vem
fazendo desde os anos 1980 do século passado. Nesse caso, acredito que surja um
princípio muito importante que, aliás, está na própria Convenção da
Mudança Climática, que é de 1992. Lá já está claro o princípio da
precaução. O que é este princípio? Na dúvida, enquanto não houver a certeza
científica, é preciso tomar ações de precaução para evitar o acirramento de um
problema, e isso devemos ter em mente quando falamos de mudança climática: nós
não temos certeza, mas se as previsões se confirmarem, as perspectivas são
muito difíceis.
Diante
disso, já que não conseguimos controlar a emissão da energia solar, já que não
conseguimos controlar a emissão de gases de efeito estufa de
um vulcão – alguns pesquisadores defendem que o vulcão emite muito mais gases
que toda a espécie humana -, temos que controlar a nossa parte, que implica,
justamente, em restringir o uso de combustíveis fósseis, mudar
práticas agrícolas etc. É nesse ponto que estamos.
Acabamos
de assistir a uma reunião em Paris, agora em dezembro, onde os
avanços finalmente apareceram. Nas críticas, alguns dizem que o acordo firmado
no encontro é insuficiente e outros dizem que foi o pacto possível. Eu, que
trabalho com esses assuntos há alguns anos, fiquei satisfeito com o que foi
acordado em Paris e entendo que estamos em um processo de negociação, um
processo difícil e penoso que implica em mudança do estilo de vida.
Aí voltamos à pergunta que você me fez antes: a mudança climática
vai necessariamente impor mudança no estilo de vida, inclusive modificações
naquilo que a espécie humana construiu.
Nós
teremos que ter ajustes importantes, por exemplo, em cidades costeiras, e pouco
disso tem sido debatido e discutido, especialmente no Brasil.
Em alguns países, já há estudos profundos mostrando o que fazer em caso de elevação
do mar a 20, 50 ou 100 centímetros, por exemplo, baseado em modelos e
estudos da costa. Estou falando de casos como a Espanha e não
de países mais centrais. Nós temos de fato a mudança climática
ainda como uma incerteza, mas com indícios cada vez mais claros de que aquilo
que se previa está ocorrendo.
Assim,
é preciso tomar ações agora. No caso brasileiro há um agravante, pois temos um
histórico social de desigualdade muito aguda, que faz com que
muitas pessoas estejam em situação de vulnerabilidade e isso pode ser agravado
ainda mais pela mudança climática. Portanto, temos de saldar a dívida social e
ao mesmo tempo fazer uma ação de adaptação para a mudança
climática.
Essa
pode ser uma excelente oportunidade para movimentar o país e nos colocar na
direção da geração de emprego e da saída dessa crise conjuntural,
apostando, por exemplo, na criação de saneamento básico, habitação de interesse
social, revitalização de centros urbanos com moradia social. Enfim, poderíamos
gerar muito emprego e muita atividade econômica pensando em oferecer, por
exemplo, moradia de menos risco para a população carente do país e, dessa
forma, faríamos também uma ação de adaptação, construindo casas mais
resistentes às intempéries que podem vir a ocorrer em se confirmando as
mudanças climáticas.
IHU
On-Line - Já é possível estimar que mudanças geológicas podem ocorrer
futuramente por conta do Antropoceno?
Wagner
Costa Ribeiro - Já estão ocorrendo. Se analisarmos, por exemplo, algumas
intervenções que ocorrem junto à área costeira, alguns portos alteram toda a
dinâmica da geomorfologia costeira. Usarei como exemplo um caso concreto: a praia
de Iracema, em Fortaleza – capital do Ceará e uma das
principais metrópoles do Nordeste brasileiro –, que sofreu sérias consequências
com a construção de um porto. Então, temos sim consequências
hoje, que não são mais surpreendentes e são muito imediatas.
Outro
exemplo: Quantas avenidas de fundo de vale foram construídas no Brasil?
O que representa fazer uma avenida de fundo de vale? Haverá uma aceleração da
chegada da água no fundo do vale e a consequência é o alagamento. Esse fenômeno
tem uma consequência geológica, porque o material será transportado com mais
velocidade; mas tem também uma explicação humana, porque nós somos a causa e
muitas quem sofre as consequências não é quem causa o problema, mas,
infelizmente, quem está vivendo junto à área de alagamento.
Dessa forma, já temos sim elementos dessas
consequências. Por exemplo, se pensarmos na quantidade de lagos
artificiais que já foram construídos na superfície terrestre, se
pensarmos no volume do material que foi retirado para fazer terraplanagem para
a construção de estradas, temos uma série de variáveis que mostram que
alteramos bastante a superfície terrestre, afetando a dinâmica
geológica. Porque a geologia não é só o estudo das rochas, abarca uma série de
dinâmicas, como o processo de sedimentação e o transporte de material, que
estão sendo bastante afetadas.
“Temos
de saldar a dívida social e ao mesmo tempo fazer uma ação de adaptação para a
mudança climática”
IHU
On-Line - Que tipo de “pegada, marca geológica” imagina que o homem
“pós-antropoceno” deixa na Terra?Wagner Costa Ribeiro - Nós deixaremos um aglomerado de material, que será muito rico para os arqueólogos do futuro, porque nós não estamos tendo o cuidado de separar elementos que a natureza criou separadamente. Darei um exemplo muito simples: muitas peças do vestuário hoje são altamente complexas, combinando algodão com tecido originário de petróleo e adicionando metais; é só analisarmos qualquer calça jeans com acessórios ou nylon com alguns enxertos de metal. A combinação de elementos de fabricação de utensílios já existia no passado, mas eram apenas elementos naturais. O novo agora é justamente acrescentar esse material a outros com origem do petróleo, tornando-se mais difícil separá-los depois.
Se
observarmos as edificações, a situação não é diferente. Nós introduzimos dentro
de paredes dutos metálicos para transportar energia, dutos de plástico para
proteger os dutos metálicos que transportam energia, enfim, vamos sofisticando
os ambientes, misturando materiais. Portanto, essa é uma característica nossa,
porque nós misturamos, mas não nos preocupamos depois em separar novamente, até
para reaproveitamento.
Dessa
forma, a pegada que deixaremos será um grande aglomerado
de materiais misturados, ou seja, estamos misturando aquilo que
natureza levou anos para deixar organizado, separado. Estamos nos apropriando
disso e embaralhando esse material, e isso terá consequências: umas delas é a
de que acabaremos com os elementos naturais, e outra poderá ser de que, no
futuro, se quiser se reaproveitar esse material, haverá um enorme trabalho para
começar a juntar um pouquinho do minério de ferro que está em cada peça, um
pouquinho de bauxita que está em outras peças etc.
Isso
já está ocorrendo, visto que alguns países já começaram hoje a fazer prospecção
em antigos lixões para buscar material de qualidade. Portanto, talvez já
tenhamos alguma indicação de que é preciso utilizar de outra maneira essa
oferta que a natureza nos deixou como herança. Ninguém garante que somos os
únicos usuários desse estoque de material que a natureza nos deixou, por isso
temos de pensar que quem está por vir também tem o direito de usar esse
material. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário