quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Degelo pode expor resíduos tóxicos

Degelo pode liberar resíduos tóxicos da Guerra Fria.
Groenlândia abrigava base secreta que poderia lançar mísseis contra União Soviética.
Resíduos tóxicos da Guerra Fria podem ser liberados com derretimento de gelo na Groenlândia.
Este pode até parecer um enredo digno de filme de ficção científica, mas faz parte da nossa realidade atual. Pesquisadores alertam que o lixo tóxico abandonado há décadas em um acampamento da época da Guerra Fria pode chegar a ecossistemas próximos como resultado do aumento das temperaturas na Groenlândia.
A entrada nordeste do Acampamento Century durante sua construção em 1959.
Acreditava-se que os resíduos perigosos ficariam enterrados e congelados sob o manto de gelo da Groenlândia, mas as mudanças climáticas estão aquecendo o Ártico e fazendo com que porções desta camada derretam, conforme pesquisadores relataram em um novo estudo.
“No passado, os militares, a indústria e até os cientistas não se preocupavam muito com os efeitos em longo prazo de suas atividades, incluindo resíduos perigosos deixados para trás,” disse ao Live Science por e-mail, Laurence Smith, professor do Departamento de Geografia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e autor de ‘The World in 2050: Four Forces Shaping Civilization’s Northern Future’ ('O mundo em 2050: quatro forças moldando o futuro do norte da população,’) . “Esta atitude está mudando, mas ainda não foi erradicada, e o estudo mostra como as atividades do passado ainda estão conosco.”
De acordo com o novo estudo, os resíduos do acampamento existente na época da Guerra Fria, conhecido como Acampamento Century, cobrem 0,55 Km2, aproximadamente o tamanho de 100 campos de futebol. Isso inclui aproximadamente 200 mil litros de diesel, materiais de construção, e 240 mil litros de águas residuais, contendo uma grande quantidade de esgoto.
“Ficou muito claro que nenhum destes locais havia sido desativado da maneira apropriada,” disse o autor líder do estudo William Colgan, professor no Departamento de Ciências da Terra e do Espaço e Engenharia na Universidade York em Toronto, no Canadá. A base deve também conter uma pequena quantidade de lixo nuclear, mas Colgan explica que este fato não é tão preocupante quanto alguns dos outros materiais tóxicos presentes.
O mais preocupante talvez seja o fato de que o local contém bifenilos policlorados (PCBs), produtos químicos que, segundo os pesquisadores, eram amplamente usados em estruturas e equipamentos elétricos. Em estudos realizados com animais, estes produtos químicos se mostraram prejudiciais para o sistema imunológico, sistema reprodutor, sistema nervoso e sistema endócrino, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA). É provável que efeitos similares ocorram também em seres humanos, e os PCBs podem aumentar o risco de desenvolver diversos problemas de saúde, incluindo o câncer, de acordo com estudos da EPA.
Colgan e seus colegas alertam que, se as alterações climáticas causadas pelos humanos continuarem no ritmo atual, o gelo cobrindo o local pode começar a derreter em cerca de 75 anos. Demoraria muito mais tempo até que a base em si se tornasse exposta, mas os pesquisadores afirmam que enquanto isso a água derretida pode se mover pelo gelo, saturando estruturas e carregando resíduos tóxicos até a costa.
História da Guerra Fria
O novo estudo detalha a história do Acampamento Century, uma base militar do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos que foi construída no manto de gelo da Groenlândia em 1959. A base, localizada a 200 Km da costa noroeste da Groenlândia, foi chamada de “cidade sob o gelo”, pois toda a infraestrutura foi enterrada sob mais de oito metros de gelo para garantir sua proteção e camuflagem. De acordo com os pesquisadores o Acampamento Century abrigava até 200 soldados e obtinha energia através de um reator nuclear portátil, que segundo Colgan foi removido durante a desativação.
A área, embora desolada, era estratégica, pois o Ártico oferecia a rota mais curta entre os Estados Unidos e a União Soviética. O Acampamento Century foi um dos muitos acampamentos construídos sob um acordo com a Dinamarca com o objetivo de defender a Groenlândia.
Oficialmente o acampamento foi usado para conduzir pesquisas científicas e testar estratégias de construção no Ártico. No entanto, extraoficialmente ele era uma prova secreta do conceito de construir bases de lançamento de mísseis nucleares no gelo. Este programa era conhecido como “Project Iceworm” (minhoca de gelo), pois envolvia a escavação de um túnel de 4 mil quilômetros pelo gelo, a partir do qual até 600 mísseis poderiam ser lançados. O túnel nunca chegou a ser construído, mas algo semelhante a um protótipo foi criado na forma de uma ferrovia subterrânea de 1,6 Km, de acordo com os pesquisadores.
O projeto não foi aprovado pelo governo dinamarquês e acabou sendo rejeitado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em 1963. O Acampamento Century foi desativado em 1967.
Efeitos ambientais
A possibilidade de que estes químicos possam vazar da base abandonada é agravada por outro problema: Segundo Colgan, o Ártico já está lidando com uma carga desproporcional de PCBs devido a um fenômeno chamado “efeito gafanhoto.” Isso ocorre quando os poluentes são liberados e evaporam em áreas quentes, mas são carregados pelos ventos para regiões frias do planeta.
Embora a área ao redor do Acampamento Century seja isolada, o ambiente da Groenlândia e as pessoas que dependem dele para viver podem sofrer sérias consequências, diz Colgan.
“O ecossistema da Groenlândia — o ecossistema do Ártico, em geral — é bem frágil,” explica Colgan. “Ele está somente se mantendo vivo.” Embora a população humana seja relativamente pequena, há pessoas na Groenlândia e em áreas próximas do Ártico que caçam para obter comida, o que significa que elas podem ser expostas a estes produtos químicos através de fontes de alimento cruciais para o seu estilo de vida, ele acrescentou.
De acordo com os cientistas, o Acampamento Century é uma lição a respeito das alterações climáticas que por décadas foi amplamente ignorada. Embora somente agora os problemas da base estejam sendo examinados detalhadamente, o local já era conhecido como fonte de preocupação para cientistas climáticos. Na verdade, ele foi o primeiro lugar onde, em 1966, uma amostra de núcleo de gelo foi retirada da Groenlândia, para monitorar os efeitos das mudanças climáticas, diz Colgan.
“Este estudo chama a atenção para um problema crônico no Ártico,” disse Smith. “O Ártico é uma região fascinante onde ocorrem rápidas mudanças climáticas, e a sensibilidade ambiental e geopolítica convergem.” (yahoo)

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