Degelo pode liberar resíduos
tóxicos da Guerra Fria.
Groenlândia abrigava base secreta que poderia lançar
mísseis contra União Soviética.
Resíduos tóxicos da Guerra Fria
podem ser liberados com derretimento de gelo na Groenlândia.
Este pode até parecer um enredo
digno de filme de ficção científica, mas faz parte da nossa realidade atual.
Pesquisadores alertam que o lixo tóxico abandonado há décadas em um acampamento
da época da Guerra Fria pode chegar a ecossistemas próximos como resultado do
aumento das temperaturas na Groenlândia.
A entrada nordeste do Acampamento Century durante sua construção em 1959.
A entrada nordeste do Acampamento Century durante sua construção em 1959.
Acreditava-se que os resíduos
perigosos ficariam enterrados e congelados sob o manto de gelo da Groenlândia, mas as mudanças climáticas estão aquecendo o
Ártico e fazendo com que porções desta camada derretam, conforme pesquisadores
relataram em um novo estudo.
“No passado, os militares, a
indústria e até os cientistas não se preocupavam muito com os efeitos em longo
prazo de suas atividades, incluindo resíduos perigosos deixados para trás,”
disse ao Live Science por e-mail, Laurence Smith, professor do
Departamento de Geografia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e
autor de ‘The World in 2050: Four Forces Shaping Civilization’s Northern
Future’ ('O mundo em 2050: quatro forças moldando o futuro do norte da
população,’) . “Esta atitude está mudando, mas ainda não foi erradicada, e o
estudo mostra como as atividades do passado ainda estão conosco.”
De acordo com o novo estudo, os
resíduos do acampamento existente na época da Guerra Fria, conhecido como Acampamento Century, cobrem
0,55 Km2, aproximadamente o tamanho de 100 campos de futebol. Isso
inclui aproximadamente 200 mil litros de diesel, materiais de construção, e 240
mil litros de águas residuais, contendo uma grande quantidade de esgoto.
“Ficou muito claro que nenhum
destes locais havia sido desativado da maneira apropriada,” disse o autor líder
do estudo William Colgan, professor no Departamento de Ciências da Terra e do
Espaço e Engenharia na Universidade York em Toronto, no Canadá. A base deve
também conter uma pequena quantidade de lixo nuclear, mas Colgan explica que este fato não é tão preocupante quanto alguns
dos outros materiais tóxicos presentes.
O mais preocupante talvez seja o
fato de que o local contém bifenilos policlorados (PCBs), produtos químicos
que, segundo os pesquisadores, eram amplamente usados em estruturas e
equipamentos elétricos. Em estudos realizados com animais, estes produtos
químicos se mostraram prejudiciais para o sistema imunológico, sistema
reprodutor, sistema nervoso e sistema endócrino, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental
dos Estados Unidos (EPA). É
provável que efeitos similares ocorram também em seres humanos, e os PCBs podem
aumentar o risco de desenvolver diversos problemas de saúde, incluindo o
câncer, de acordo com estudos da EPA.
Colgan e seus colegas alertam que,
se as alterações climáticas causadas pelos humanos continuarem no ritmo atual, o gelo cobrindo o
local pode começar a derreter em cerca de 75 anos. Demoraria muito mais tempo
até que a base em si se tornasse exposta, mas os pesquisadores afirmam que
enquanto isso a água derretida pode se mover pelo gelo, saturando estruturas e
carregando resíduos tóxicos até a costa.
História da Guerra Fria
História da Guerra Fria
O novo estudo detalha a história
do Acampamento Century, uma base militar do Corpo de Engenheiros do Exército
dos Estados Unidos que foi construída no manto de gelo
da Groenlândia em 1959. A
base, localizada a 200 Km da costa noroeste da Groenlândia, foi chamada de
“cidade sob o gelo”, pois toda a infraestrutura foi enterrada sob mais de oito
metros de gelo para garantir sua proteção e camuflagem. De acordo com os
pesquisadores o Acampamento Century abrigava até 200 soldados e obtinha energia
através de um reator nuclear portátil, que segundo Colgan foi removido durante
a desativação.
A área, embora desolada, era
estratégica, pois o Ártico oferecia a rota mais curta entre os Estados Unidos e
a União Soviética. O Acampamento Century foi um dos muitos acampamentos
construídos sob um acordo com a Dinamarca com o objetivo de defender a
Groenlândia.
Oficialmente o acampamento foi
usado para conduzir pesquisas científicas e testar estratégias de construção no
Ártico. No entanto, extraoficialmente ele era uma prova secreta do conceito de
construir bases de lançamento de mísseis nucleares no gelo. Este programa era
conhecido como “Project Iceworm” (minhoca de gelo), pois envolvia a escavação
de um túnel de 4 mil quilômetros pelo gelo, a partir do qual até 600 mísseis
poderiam ser lançados. O túnel nunca chegou a ser construído, mas algo
semelhante a um protótipo foi criado na forma de uma ferrovia subterrânea de
1,6 Km, de acordo com os pesquisadores.
O projeto não foi aprovado pelo
governo dinamarquês e acabou sendo rejeitado pelo Departamento de Defesa dos
Estados Unidos, em 1963. O Acampamento Century foi desativado em 1967.
Efeitos ambientais
Efeitos ambientais
A possibilidade de que estes
químicos possam vazar da base abandonada é agravada por outro problema: Segundo
Colgan, o Ártico já está lidando com uma carga desproporcional de PCBs devido a
um fenômeno chamado “efeito gafanhoto.” Isso ocorre quando os poluentes são
liberados e evaporam em áreas quentes, mas são carregados pelos ventos para
regiões frias do planeta.
Embora a área ao redor do
Acampamento Century seja isolada, o ambiente da Groenlândia e as pessoas que
dependem dele para viver podem sofrer sérias consequências, diz Colgan.
“O ecossistema da Groenlândia — o
ecossistema do Ártico, em geral — é bem frágil,” explica Colgan. “Ele está
somente se mantendo vivo.” Embora a população humana seja relativamente
pequena, há pessoas na Groenlândia e em áreas próximas do Ártico que caçam para
obter comida, o que significa que elas podem ser expostas a estes produtos
químicos através de fontes de alimento cruciais para o seu estilo de vida, ele
acrescentou.
De acordo com os cientistas, o
Acampamento Century é uma lição a respeito das alterações climáticas que por
décadas foi amplamente ignorada. Embora somente agora os problemas da base
estejam sendo examinados detalhadamente, o local já era conhecido como fonte de
preocupação para cientistas climáticos. Na verdade, ele foi o primeiro lugar
onde, em 1966, uma amostra de núcleo de gelo foi retirada da Groenlândia, para
monitorar os efeitos das mudanças climáticas, diz Colgan.
“Este estudo chama a atenção para
um problema crônico no Ártico,” disse Smith. “O Ártico é uma região fascinante
onde ocorrem rápidas mudanças climáticas, e a sensibilidade ambiental e
geopolítica convergem.” (yahoo)
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