Os anos passam, mas trabalhadores mal remunerados
seguem construindo as instalações olímpicas; o COI se recusa a pagar atletas muitas vezes em situação
financeira difícil; os testes antidopings continuam sendo driblados; as autoridades locais continuam afirmando falsamente que os Jogos
vão ajudar a economia local; e a discrepância entre os gêneros continua parecendo datada.
Para muitos fãs de
esporte, a Olimpíada é o símbolo da velha guarda, a ponto de nos perguntamos:
além de excitar as paixões nacionais, o que mais as Olimpíadas têm de bom? E
qual é seu futuro?
Seria pessimismo
considerar as Olimpíadas uma distopia sem solução. Então, pedimos que sete
autores de ficção científica imaginassem como podem ser os Jogos do futuro. As
respostas – incluindo uma visão de atletas humanos competindo contra robôs e
uma alternativa aos eventos baseados em gênero – imaginam soluções possíveis e
oferecem alento.
Será que os Jogos
Olímpicos de Inverno terão de ser realizados em lugares fechados.
1. A mudança climática vai obrigar os Jogos de Inverno a
mudar drasticamente
“Primeiro eu questiono
se as Olimpíadas têm muito futuro. Entendo que há estruturas de poder
existentes trabalhando para manter os Jogos, e por essa razão é provável que
eles continuem. Mas, no longo prazo, diante de escândalos, custos cada vez mais
altos – e temperaturas cada vez mais altas –, parece improvável que os Jogos
possam continuar da mesma maneira.
Afinal de contas, como
é possível ter esportes de inverno quando o inverno é só uma lembrança?
Mas as pessoas amam
esporte. Amam competição. Amam demonstrações de força – tanto física quanto de
vontade, necessária para se tornar um atleta olímpico (honesto).
É por isso que, com o
tempo, vamos ver mais movimentos como o Revival dos Jogos Nemeus, que têm menos
a ver com marcas e mais a ver com, bem, com jogos. Também acredito que vamos
ter uma diversidade de jogos: para humanos “modificados”, para diferentes tipos
de corpos, jogos que reconheçam que os gêneros são fluidos.
Se o COI quiser ser
fiel a seus ideais, terá de acabar com a corrupção e abrir espaço para
mudanças.”
2. Uma alternativa mais ambientalmente sustentável vai
surgir“Gostaria de imaginar uma Olimpíada separada do nacionalismo (ou, por que não?, um mundo sem nacionalismo!), em que veríamos os melhores atletas competindo uns contra os outros, não só os melhores escolhidos por cada país.
Neste mundo, os países
não teriam nenhum orgulho especial em sediar os jogos, e a decisão seria tomada
de acordo com análises sóbrias sobre quem seria beneficiado e quem seria
prejudicado.
Ou talvez pudéssemos
separar os Jogos dos interesses comerciais, de modo que o país que se
oferecesse para sediá-los o faria com seus próprios recursos. (Nestes dois
casos, a propósito, o COI está devendo muito, provavelmente inclusive à
Justiça.)”
Os Jogos não teriam novas
construções, estacionamentos lotados e instalações pouco seguras, com um rastro
de trabalhadores mortos.
Nenhum desses cenários
parece provável. A combinação de nacionalismo subsidiado por empresas e
investimentos subsidiados pelo dinheiro do contribuinte é benéfica demais para
os dois lados. Em vez disso, imaginemos uma fagulha de esperança menor, um
evento alternativo, a Olimpíada Sustentável.
Elas poderiam levar o
nome do primeiro lugar que aceitar não construir arenas caríssimas, causar
enormes congestionamentos e explorar os trabalhadores: Jacartíada? Talinníada?
Reykjavikíada?”
De qualquer modo, esses
jogos não teriam novas construções, estacionamentos lotados e instalações pouco
seguras, com um rastro de trabalhadores mortos.
Eles seriam
transmitidos para quem quisesse assistir, sem histórias melodramáticas sobre os
atletas além das que eles escolherem contar. Seria um evento tranquilo, de
baixa manutenção, baixas emissões de carbono, mas o que estaria em jogo seria o
mesmo de sempre: o título de melhor do mundo.”
Não é difícil imaginar assistir à Olimpíada via um sistema de realidade virtual.
Não é difícil imaginar assistir à Olimpíada via um sistema de realidade virtual.
3. Histórias piegas de interesse humano serão substituídas
por uma experiência de mídia mais imersiva, controlada pelos atletas.
“O futuro da Olimpíada
não parece muito promissor, a menos que os Jogos façam mudanças para aumentar o
envolvimento do público. Hoje, o Comitê Olímpico Internacional está preso na
era da TV de mão única, tentando usar a internet mas estrangulando os atletas e
o acesso à comunicação.
Que os competidores sejam os
olhos e ouvidos e comentaristas dos Jogos.
Enquanto isso, o mundo
caminha em direção a mais interatividade – vídeos 3D, realidade virtual,
celebridades em tempo real. Essa sede por experiências compartilhadas só vai
aumentar. Os Jogos Olímpicos são uma maneira incrível de mostrar o drama de uma
vida inteira que tem o objetivo de atingir o pico da performance.
As pessoas devoram esse
tipo de história, mas a audiência de amanhã está cada vez mais sofisticada. As
pessoas percebem muito facilmente quando uma história é editada e curada. O que
elas querem – desde já – é a perspectiva individual, nua e crua de cada atleta.
Acesso instantâneo, sem filtros.
Se a Olimpíada quiser
prosperar, o COI precisa abrir as comportas da informação e permitir que os
atletas interajam diretamente com o mundo. Que os competidores sejam os olhos e
ouvidos e comentaristas dos Jogos. A experiência olímpica do futuro será
imersiva. Espero que cheguemos lá.
O americano Alfred Adolf Oerter quebrou o recorde olímpico do lançamento de disco com uma distância de 58,22 metros, em 1960. Em 2012, o alemão Robert Harting ganhou a medalha de ouro com um arremesso de quase 68,3 metros.
O americano Alfred Adolf Oerter quebrou o recorde olímpico do lançamento de disco com uma distância de 58,22 metros, em 1960. Em 2012, o alemão Robert Harting ganhou a medalha de ouro com um arremesso de quase 68,3 metros.
4. Os Jogos serão uma ode nostálgica aos tempos em que os
humanos eram menos perfeitos cientificamente.
“Qual é o futuro dos
Jogos Olímpicos”? Pense no vinil.
Deixe de lado mudança
do clima, revoluções e escassez de recursos e presuma que a nossa sociedade
dura mais dois séculos. Quanto mais entendemos o corpo humano, mais rápido
vamos correr, mais alto vamos saltar. Atletas, reguladores e público terão de
negociar o que significam os ideais atléticos quando o corpo humano torna-se um
fator limitante.
Um dia os filhos dos nossos
filhos vão se reunir para assistir, com olhos de metal, um grupo de crianças
ferozes feitas de carne e osso correndo os 400 m com obstáculos.
A discussão já começou.
Os atletas podem usar algumas drogas, como a cafeína, mas não outras, como o
seu próprio sangue. Não para pernas artificiais que permitem que os velocistas
corram mais rápido, sim para os maiôs que deixam os nadadores mais lisos. A
cada novo desenvolvimento, decidimos o que é um atleta ‘autêntico’.
Um dia uma mente humana
num corpo robótico vai correr os 100 m rasos em um segundo. Mas, durante muito
tempo, vamos achar que esse resultado não conta.
O esporte vai enfrentar
o dilema do hipster. O vinil é pesado e frágil. Um disco maior um iPads tem
apenas quatro músicas de cada lado. Mas as pessoas compram discos, cuidam deles
e valorizam o chiado 'autêntico'.
“Se sobrevivermos, um
dia os filhos dos nossos filhos, que poderão pular até o topo de um prédio, vão
se reunir para assistir, com olhos de metal, um grupo de crianças ferozes
feitas de carne e osso correndo os 400 m com obstáculos.”
5. E eles vão fazê-lo pelo mesma motivo que gostam de ir ao
cinema ou apreciar arte.
“[No futuro], seu
contador, seu massagista e seu mordomo (sim, todos teremos um C-3PO pessoal)
vão cuidar das suas necessidades por meio de uma confluência sinfônica de
circuitos e sistemas hidráulicos”.
Computação ultrarrápida
processadores precisos vão garantir que todas as tarefas pertinentes sejam
realizadas de forma eficiente e livre de erros. Da mesma forma, os Jogos
Olímpicos vão mostrar o talento dessas amadas estrelas do esporte, como X4-T34G
e RP4567-F.
'Sim – só que eu
realmente duvido dessa última parte'.
Não há esteroides suficientes
para transformar um atleta olímpico num X4-T34G.
Ainda vou ao teatro
para ver seres humanos vivos representando histórias de ficção e fantasia. O
maior teatro de Houston fica a cerca de 50 metros de um cinema, mas ainda gosto
de assistir a peças. Ainda vou a concertos de música clássica, embora tenha um smartphone
(e um bom par de fones de ouvido) para escutar a música que eu quiser com
apenas um toque do meu dedo.
E é bem possível que
também seja assim com você. Ainda quero ver humanos interagindo com outros
humanos para demonstrar habilidades adquiridas com treinamento e talento.
Por quê? Eu – não – nós
gostamos de testemunhar os picos e as complexidades da capacidade humana. Ver
membros de nossa espécie rompendo barreiras aparentemente intransponíveis é a
maior forma de entretenimento. Ouvir uma nova história ou ficar maravilhado com
a criatividade de um artista novo é uma experiência que está firmemente
consagrada em carne e osso. Este intercâmbio entre almas é, ouso dizer, sagrado
e nunca será cedidos a autômatos metálicos não-conscientes.
Dito isso, a presença
de cidadãos mecânicos Lucasianos terá algum efeito sobre os Jogos Olímpicos,
principalmente no que diz respeito aos produtos farmacêuticos. O uso de drogas
que melhoram o desempenho certamente irá permanecer ilegal.
Mas o doping ilícito em
uma sociedade pós-revolução robótica será inútil e, francamente, tolo. Afinal,
não há esteroides suficientes para transformar um atleta olímpico num X4-T34G.
Quando chegar o dia em
que estivermos cercados por IBMs e Apples ambulantes, vamos apreciar o que
significa ser humano, com todas as nossas falhas inerentes. “A santidade da
esportividade (e de todas as empreitadas humanas) será ressuscitada e celebrada
como resultado da evolução implacável.”
Uma representação digital do genoma humano.
Uma representação digital do genoma humano.
6. Ou... pode ser diferente, e as empresas vão patrocinar
atletas com base em suas sequências de DNA.
“O futuro dos Jogos
Olímpicos já chegou. Atletas tiram proveito de toda a tecnologia disponível, de
monitores portáteis a câmaras que simulam altitude e, é claro, o doping. O que
vai mudar no futuro é que os atletas serão a tecnologia.
A nova discussão é se devemos
permitir a participação de atletas cuja sequencia inteira do DNA é sintética,
uma tecnologia desenvolvida originalmente para aplicações militares.
Quando a 50ª edição dos
Jogos Olímpicos começar, em 2092, os eticistas ainda estarão debatendo se é um
direito ou um privilégio que traços causadores de doenças sejam removidos de
seus embriões. Mas a Olimpíada já estará muito à frente. A edição do gene
humano torna possível criar o esportista perfeito para cada modalidade, com
corações maiores, pulmões melhores e músculos mais rápidos e mais fortes.
Empresas soberanas
patrocinam atletas dotados de sequências genéticas patenteadas; os torcedores,
pelo menos aqueles que podem pagar, compram essas sequências para inseri-las em
seus próprios embriões. A nova discussão é se devemos permitir a participação
de atletas cuja sequencia inteira do DNA é sintética, uma tecnologia
desenvolvida originalmente para aplicações militares.
Enquanto isso, os
CyborGames, cujos atletas abraçam abertamente as modificações mecânicas e
biológicas, atraem o público mais jovem e descolado. “Ninguém sabe ainda que,
em 2093, o Reboot Retro-Olímpico vai ser a surpresa do ano, com seus atletas
produzidos por cruzamentos aleatórios.”
Brett Hawke durante uma sessão de fotos na piscina do Somerset College, 7 de maio de 2004, na Austrália.
Brett Hawke durante uma sessão de fotos na piscina do Somerset College, 7 de maio de 2004, na Austrália.
7. E cada evento olímpico lidará com a questão do gênero de
maneira diferente.
“Uma grande mudança que
eu acho que os Jogos Olímpicos terão de enfrentar no próximo século é como
lidar com a segregação de gênero no esporte”. Mesmo aqui no começo do século
21, as categorias de gênero binárias já estão se despedaçando. Imagino uma
Olimpíada em que cada evento lida com a questão do gênero de forma diferente.
Em eventos onde há pouca diferença -- como tiro ou xadrez -- todos competiriam
juntos.
Eventos em que tamanho
ou peso oferecem grandes vantagens teriam uma divisão “aberta”, da qual
qualquer um poderia participar, mas também eventos segregados por altura ou
peso, bem como o boxe, por exemplo. As categorias menores teriam participantes
principalmente do sexo feminino, e as maiores, principalmente do sexo
masculino, mas o sexo não seria o divisor – isso ficaria por conta das
características secundárias, como altura, alcance, tamanho das pernas, largura
dos ombros etc.
As categorias menores teriam
participantes principalmente do sexo feminino, e as maiores, principalmente do
sexo masculino, mas o sexo não seria o divisor – isso ficaria por conta das
características secundárias, como altura, alcance, tamanho das pernas, largura
dos ombros etc.
Também imagino que no
futuro os Jogos Olímpicos continuem sendo uma peça central do processo de paz e
de cooperação internacional. De muitas maneiras, a maior barreira entre nós e
um futuro Jetsons, em que podemos pular de um país para o outro só para fazer
um piquenique, são as lei internacionais, as fronteiras, os conflitos e a
segurança nacional num mundo essencialmente sem fronteiras.
Muitos setores que se
beneficiariam com mais viagens internacionais -- como turismo e esporte –
pressionam por fronteiras mais permeáveis, mas poucas organizações contam com
tanto respeito internacional, confiança e influência como os Jogos Olímpicos.
Então eu imagino que os
Jogos Olímpicos, e os fãs de esportes em geral, poderiam liderar um movimento
por regulamentações de viagens mais simples, que permitam que todos os cidadãos
do planeta possam entrar num carro voador e assistir a Olimpíada ao vivo.
Olhando para o futuro,
acho que os Jogos Olímpicos continuarão sendo um espaço em que nações inimigas
se reúnem após o conflito, em que grupos marginalizados e oprimidos pressionam
por reconhecimento, em que alianças são celebradas, causas discutidas.
Um espaço em que os países que ainda não existem continuam a manter os
mais altos padrões de excelência. Afinal, se a “Antártica representa o sexto
anel da futura bandeira olímpica, a Lua ou Marte podem ser o sétimo.”
(brasilpost)
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