Minas Gerais, o Estado que
ainda se orgulha do título de caixa d´água do Brasil, só conhecia a escassez na
parte mineira do polígono da seca, mas agora se surpreende com a crise hídrica
também na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); Para avaliar a
situação do País e do Estado, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)
promove o Seminário Legislativo Águas de Minas III - Os Desafios da Crise
Hídrica e a Construção da Sustentabilidade, cuja etapa final será realizada de
29 de setembro a 2 de outubro; “Nosso objetivo é criar um marco regulatório
para que haja um planejamento mais elaborado da gestão das águas”, afirma o
presidente da Comissão Extraordinária das Águas, deputado Iran Barbosa (PMDB)
ALMG
A seca, historicamente, foi considerada o maior
flagelo do semiárido brasileiro. Inspirou escritores como Graciliano Ramos,
João Cabral de Melo Neto e Euclides da Cunha, entre tantos outros que
eternizaram o sofrimento dos sertanejos em romances como Vidas Secas, Morte e
Vida Severina e Os Sertões. Os autores, certamente, jamais imaginariam que a
principal causa do sofrimento desse povo poderia bater à porta do lado rico da
nação.
Nos últimos dois anos, a redução drástica da
incidência de chuvas levou o Sudeste brasileiro a conviver com secas consideradas
as mais severas dos últimos 100 anos, conforme relatório de conjuntura da
Agência Nacional de Águas (ANA). Desde outubro de 2013, os índices
pluviométricos reduziram a níveis baixíssimos, chegando a registrar, em alguns
períodos, até 1% da quantidade esperada.
Minas Gerais, o Estado que ainda se orgulha do
título de caixa d´água do Brasil, só conhecia a escassez na parte mineira do
polígono da seca, mas agora se surpreende com a crise hídrica também na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Para avaliar a situação do País e do
Estado, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) promove o Seminário
Legislativo Águas de Minas III - Os Desafios da Crise Hídrica e a Construção da
Sustentabilidade, cuja etapa final será realizada de 29 de setembro a 2 de
outubro. “Nosso objetivo é criar um marco regulatório para que haja um
planejamento mais elaborado da gestão das águas”, afirma o presidente da
Comissão Extraordinária das Águas, deputado Iran Barbosa (PMDB).
Recurso escasso exige atenção
O fato é que o fenômeno natural da redução de
chuvas não pode ser considerado o único responsável pela atual crise hídrica. O
assunto é controverso e reabre chagas negligenciadas por gestores e governos
sucessivos, alimentando o debate sobre as múltiplas causas e as consequências
do problema. Especialistas explicam que a água disponível no planeta é a mesma
desde sua formação, mas com o aumento da população, diminui cada vez mais a
porção que pode ser dividida para cada habitante. A poluição dos mananciais
dificulta ainda mais a disponibilidade de água potável.
A diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das
Águas (Igam), Maria de Fátima Chagas Dias Coelho, explica que, em Minas Gerais,
a diversidade também cria situações diferentes de clima e de acesso à água. O
semiárido mineiro – regiões Norte e Vale do Jequitinhonha – sempre conviveu com
secas prolongadas e concentração de chuvas em poucos meses. O terreno arenoso
também não contribui para a retenção do líquido no subsolo. No entanto, pela
primeira vez a RMBH está passando por uma séria escassez de água.
Na avaliação da superintendente da Associação
Mineira de Meio Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, a origem da crise hídrica
está na desproteção de nascentes e zonas de recarga (área ao redor da nascente
por onde entra a água da chuva para abastecer o lençol freático, no subsolo).
“O governo e a sociedade têm que entender que o desmatamento precisa parar. As
nascentes e as margens dos rios precisam ser protegidas ou teremos muitos
problemas para garantir água até para o consumo”, prenuncia a ambientalista.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraopeba, Denes Martins da Costa Lott, também reclama do descaso com o meio
ambiente e com o período de pouca chuva, que poderia ter sido previsto. “Esses
ciclos hidrológicos são sazonais, mas conhecidos. Daqui a 2 ou 3 anos, podemos
ter excesso de chuva e enchentes. É preciso se preparar para essas situações”,
afirma.
A falta de planejamento para esses momentos também
é pontuada pelo gerente de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos Hídricos do
Igam, Thiago Figueiredo Santana, como uma das principais causas para os
problemas enfrentados atualmente. “A crise expôs o problema da falta de gestão
e planejamento. A sociedade viveu a abundância de oferta com desperdício e
agora sofre com a escassez”, analisa.
Todos eles concordam que a falta de educação
ambiental também levou o País a descuidar dos recursos hídricos. “É preciso
quebrar o paradigma de que a água é infinita. Não é. É um recurso limitado e
precisa ser valorizado”, defende Thiago Santana. O mau uso aliado à deficiência
da fiscalização, para Denes Lott, agrava ainda mais o problema.
“A informação correta é fundamental”, lembra Maria
Dalce. Segundo ela, a pecuária é outra vilã que pode ser apontada e que a
maioria da população não sabe. De acordo com ela, o gado pisoteia as nascentes,
provocando desbarrancamento, assoreamento e impedindo o crescimento das
plantas. Cada boi provoca um impacto ambiental equivalente a dez eucaliptos –
árvore que consome muita água.
Má distribuição dos mananciais dificulta o acesso à
água
O
desafio da falta d´água já começa na distribuição desse recurso no território
nacional. O Brasil detém cerca de 16% de toda água doce disponível no planeta,
mas apenas 0,7% é utilizado, em função das diferenças de ocorrência. A região
Norte, onde está cerca de 7% da população, detém 68% de todos os recursos
hídricos; enquanto o Sudeste, que concentra 42% dos brasileiros, possui somente
6% dos mananciais.
A pressão demográfica torna-se, então, outro fator
que explica a dificuldade de atender à demanda, que cresce junto com a
população, o avanço tecnológico e o desenvolvimento industrial. A água, vital
para a vida humana, tem múltiplos usos: na agricultura, em processos industriais,
para lazer e para matar a sede de homens e animais. A melhoria na distribuição
de renda e de acesso ao serviço de água faz aumentar a demanda, comprometendo a
disponibilidade do recurso, segundo Thiago Santana.
O Atlas Brasil, editado pela ANA em 2010, aponta
que a retirada de água da natureza triplicou nos últimos 50 anos. Se todas as
pessoas consumissem o mesmo nível que os europeus e os americanos, seriam
necessários 3,5 planetas para atender a necessidade. De acordo com o documento,
uma criança de país rico consome entre 30 e 50 vezes mais água que uma criança
de um país pobre. A previsão é de que, até 2030, 47% da população mundial
viverá com grande escassez de água.
No Brasil, o consumo médio de água por habitante
também vem crescendo gradativamente. Conforme o “Diagnóstico dos Serviços de
Água e Esgotos” do Ministério das Cidades, produzido com base em dados do
Sistema Nacional de Informações (SNIS) em 2013, a média per capita foi de 166,3
litros por habitante. O consumo varia de acordo com as regiões, de 125,8
l/hab.dia no Nordeste, a 194,0 no Sudeste. O Rio de Janeiro é o campeão
brasileiro, com uma média de 253,1 l/hab.dia. Em 2013, Minas Gerais registrou
uma média inferior à nacional: 159,4 l/hab.dia.
A poluição dos mananciais, por outro lado, reduz a
disponibilidade de água potável ou dificulta e encarece os processos de
tratamento do líquido. São muitos os rios que já foram navegáveis e hoje são
apenas rastilhos de água podre e sem uso. A Terra passa, também, por alterações
climáticas que estão mudando o ciclo hidrológico, gerando secas prolongadas em
algumas regiões e enchentes e inundações em outras.
A ameaça que vem do céu
Estudiosos de climatologia advertem para mudanças
ainda mais profundas que já estão em processamento no planeta e inevitavelmente
vão alterar a realidade hoje conhecida. O Painel Brasileiro de Mudanças
Climáticas (PBMC), um comitê que reúne especialistas do País no assunto, fez
algumas projeções, com diferentes graus de confiabilidade.
De acordo com esses estudos, a Amazônia deve ter
uma redução de 10% no índice de chuvas já nos próximos cinco anos. A previsão é
de que a temperatura se eleve entre 5ºC e 6ºC e a precipitação pluviométrica
(ocorrência de chuva) tenha uma queda entre 40% e 45% até o final do século. O
semiárido do Nordeste, já tão castigado pela seca, também deve sofrer um
aumento de temperatura entre 3,5°C e 4,5°C e uma queda de 40% a 50% nos índices
de chuvas. Já a região Sul, embora também vá registrar entre 2,5°C e 3°C de
mais calor, terá entre 35% e 40% a mais de chuvas, aumentando o risco de
alagamentos.
As
projeções para o Sudeste não foram consideradas muito confiáveis pelo PBMC, mas
apontam para um aumento entre 2,5°C e 3°C na temperatura e de 25% a 30% também
de crescimento na pluviosidade. Em Minas Gerais, o risco já é iminente. A
continuar a falta de chuva este ano, o próprio Igam prevê esgotamento da
capacidade de abastecimento dos sistemas Rio Manso, Serra Azul e Vargem das
Flores até novembro, quando os reservatórios responsáveis pelo abastecimento da
RMBH atingirão níveis baixíssimos. (brasil247)
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