“Por
mim ficaria contente se todos os prados do mundo ficassem em estado selvagem como consequência das
iniciativas dos homens para se redimirem” - Duzentos anos do
nascimento de Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)
Exatamente
na semana do Dia da Terra e quando se realizou em todo mundo a Marcha pela
Ciência (dia 22/04/2017), o mundo atingiu novo recorde no efeito estufa. A
concentração de CO2 na atmosfera chegou a 410 partes por milhão
(ppm), segundo dados da NOAA. É o maior índice dos últimos três milhões de
anos.
No
curto prazo, como a concentração de CO2 segue um padrão sazonal, com
pico (valor máximo) nos meses de maio e vale (valor mínimo) em setembro, é de
se esperar que a concentração fique próxima ou acima de 410 ppm em maio de
2017, caia entre junho e setembro, mas volte a subir com força a partir de
outubro de 2017. Foi assim com o limiar de 400 ppm, atingido, primeiramente, em
alguns dias de maio de 2013.
Em
2015, a marca das 400 ppm foi ultrapassada em 8 dos 12 meses, sendo fevereiro
(400,28), março (401,54), abril (403,28), maio (403,96), junho (402,80), julho
(401,31), novembro (400,16) e dezembro (401,85). Na média anual, 2015 foi o
primeiro ano a ultrapassar a barreira simbólica, marcando a cifra de 400,83
ppm. O ano de 2016 foi o primeiro a ultrapassar a marca de 400 ppm em todos os
meses e em todas as semanas. Somente no dia 29 de agosto a concentração de CO2
ficou abaixo da marca histórica e marcou 399,46 ppm. Nos demais 364 dias do
ano, a concentração se manteve acima de 400 ppm, com o recorde no dia 10 de
abril com 409,34 ppm.
O
ano de 2017 começou com concentração de 406,36 ppm, no dia 01 de janeiro. A
média do mês de janeiro foi de 406,13 ppm. A média do mês de fevereiro de 2017
foi de 406,42 ppm. O mês de março teve média de 407,2 ppm. A semana de 9 a 15
de abril de 2017 teve a marca semanal de 408,85 ppm e a semana de 16 a 22 de
abril de 2017 teve a marca recorde semanal de 409,61 ppm. Assim, o mês de maio
de 2017 pode ter média acima de 410 ppm.
Portanto,
esse limiar histórico acontece apenas 4 anos após ter sido atingido o recorde
mensal de 400 ppm, em 2013. O ritmo de subida na última década tem sido algo em
torno de 2,5 ppm por ano. Isto significa que, mantida as atuais tendências, a
concentração de CO2 pode ultrapassar 600 ppm em 2100. Isto seria catastrófico,
pois aceleraria a desintegração do permafrost (solo congelado do Ártico) e
aumentaria o degelo do Ártico, Antártica, Groenlândia e dos Glaciares, podendo
elevar o nível do mar em vários metros em poucos séculos.
Nos
800 mil anos antes da Revolução Industrial e Energética a concentração de CO2
estava abaixo de 280 ppm, conforme mostra o gráfico abaixo da NOAA. As medições
com base no estudo do gelo, mostram que em 1860 a concentração atingiu 290 ppm.
Em 1900 estava em 295 ppm. Chegou a 300 ppm em 1920 e atingiu 310 ppm em 1950.
Com base nos dados do laboratório de Mauna Loa, constata-se que a concentração
de CO2 na atmosfera, na média mensal, chegou a 399,76 partes por
milhão (ppm) em maio de 2013 e agora, em 2017, chega aos 410 ppm.
O
dramático é que a coisa não para por aí. Artigo de Gavin L. Foster e colegas,
publicado na Nature Communications (04/04/2016) mostra que o mundo caminha para
um efeito estufa potencial sem precedentes nos últimos 420 milhões de anos,
como mostra o gráfico abaixo. Os atuais níveis de dióxido de carbono são
inéditos na história humana e estão no caminho certo para subir a alturas ainda
mais sinistras em apenas algumas décadas. Se as emissões de carbono continuarem
em sua trajetória atual, a atmosfera poderia atingir um estado não visto em 50
milhões de anos. Naquela época, as temperaturas eram até 10°C mais quentes e os
oceanos eram dramaticamente mais altos do que hoje. A pesquisa que originou o
artigo compilou 1.500 estimativas de dióxido de carbono para criar uma visão
que se estende por 420 milhões de anos. A civilização pode estar criando uma
situação catastrófica.
Assim,
o mundo corre sério perigo. O aumento da concentração de CO2 na
atmosfera contribuiu para o fato dos anos de 2014, 2015 e 2016 terem sido os
mais quentes já registrados e aponta para novos recordes futuros de
aquecimento. O efeito estufa trará custos enormes e as sociedades podem não
estar preparadas para pagar o alto preço de limpar no futuro a sujeira feita no
passado e no presente.
O
nível minimamente seguro de concentração atmosférica é de 350 ppm. Assim, o
mundo vai ter não só de parar de emitir gases de efeito estufa (GEE) como terá
que fazer “emissões negativas”, ou seja, terá que sequestrar carbono e fazer
uma limpeza da atmosfera. O custo deste processo será muito mais caro do que o
custo de reduzir as emissões.
Superar
a era dos combustíveis fósseis e fazer uma mudança da matriz energética é um
passo fundamental. Mas a lentidão da redução da queima de energia fóssil pode
levar o mundo ao caos climático. Além disto, as demais atividades antrópicas
também emitem GEE. Por exemplo, a pecuária é grande emissora de gás metano que
é pelo menos 21 vezes mais poluente do que o CO2. E uma grande
ameaça que se agrava com o processo de degelo é a “bomba de metano” que existe
no permafrost.
Artigo
de Eric Roston e Blacki Migliozzi, na Bloomberg (19/04/2017) mostra que a
temperatura do Ártico aumentou muito mais do que a temperatura média global. Em
relação à média de 1981-2010 a temperatura global aumentou 1ºC e a do Ártico
aumentou 2ºC. Isto gera um efeito feedback positivo, ou seja, o degelo do
permafrost libera CO2 e metano, aumentando o efeito estufa e
acelerando o degelo.
Artigo
de Bob Berwyn, no site InsideClimate, mostra que grandes terrenos de permafrost
do ártico ao noroeste do Canadá estão se desintegrando, enviando grandes
quantidades de lama e sedimentos ricos em carbono em riachos e rios. Um novo
estudo que analisou quase 1 milhão km2 no noroeste do Canadá
descobriu que esta degradação do permafrost está afetando 52 mil km2
daquele vasto trecho de terra e podem sufocar a vida a jusante, até onde os
rios descarregam para o Oceano Pacífico, além de acelerar a concentração de GEE
na atmosfera. A liberação do CO2 e do metano existente nos solos
congelados pode tornar o efeito estufa uma bomba incontrolável, como existia há
200 milhões de anos, quando a biodiversidade da Terra era muito menor do que a
atual.
O derretimento do permafrost pode ser uma nova
“Caixa de Pandora” (deixando escapar todos os males do mundo, menos a
esperança). Segundo a BBC, Batagaika, uma gigantesca cratera, emerge de forma
dramática na floresta boreal da Sibéria à medida que o permafrost – tipo de
solo que está sempre congelado – derrete como efeito do aquecimento global. As
camadas de sedimento expostas revelam como era o clima na região há 200 mil
anos. Resquícios de árvores, pólen e animais indicam que, no passado, a área
foi uma densa floresta. Esse registro geológico pode ajudar a compreender como será,
no futuro, a adaptação da região ao aquecimento global. E, ao mesmo tempo, o
crescimento acelerado da cratera é um indicador imediato do impacto cada vez
maior das mudanças climáticas no degelo do permafrost.
Ainda
segundo a BBC, a cratera Batagaika pode oferecer lições cruciais, em especial
sobre os mecanismos que aceleram o aquecimento em áreas de permafrost. À medida
que o degelo avança mais e mais carbono é exposto a micróbios. Estes
micro-organismos consomem carbono e produzem dióxido de carbono e metano –
gases causadores do efeito estufa. O metano é capaz de acumular 72 vezes mais
calor que o dióxido de carbono num período de 20 anos. Além disso, os gases
liberados pelos micróbios na atmosfera aceleram ainda mais o aquecimento. É o
que se chama de ‘feedback positivo’, como explica o cientista Frank Gunther, do
Instituto Alfred Wegener: “O aquecimento acelera o aquecimento e, no futuro,
poderemos ver mais estruturas como a cratera de Batagaika”.
Tudo
isto foi confirmado no artigo “Methane Hydrate: Killer cause of Earth’s
greatest mass extinction” (Uwe Branda et. al., 2016) publicado na prestigiosa
revista Palaeoworld, em dezembro de 2016. A mensagem é clara: “O aquecimento
global provocado pela liberação maciça de dióxido de carbono pode ser
catastrófico. Mas a liberação do hidrato de metano pode ser apocalíptica”.
A
pior extinção em massa da Terra foi causada por mudanças climáticas
descontroladas. O evento de extinção em massa do Permiano-Triássico (também
conhecida como a Grande Agonia) ocorreu há aproximadamente 250 milhões de anos
e eliminou 96% da vida marinha e 70% da vida em terra. O artigo confirma que a
causa deste evento foi o crescente nível de dióxido de carbono e metano que
desencadeou o aquecimento global. Em artigo anterior (Alves, 03/04/2017)
relatei reportagem do jornal “The Siberian Times” que revelou como a alta
temperatura do verão derreteu o permafrost causando a liberação de gases
congelados no solo. Portanto, o efeito retroalimentação já é real e está
acelerando o aquecimento global.
Artigo
de David Lamb, na CBC News (17/04/2017), mostra que o Canadá está derretendo. O
permafrost no norte do país está descongelando a um ritmo cada vez mais rápido.
Metade do Canadá é coberta em alguma forma de permafrost, incluindo remendos
nos trechos do norte de Ontário e as províncias da pradaria. Muitos terrenos
estão afundando e levando para o fundo as benfeitorias.
Reportagem
do jornal El Pais, mostra como o derretimento acelerado de uma das maiores
geleiras do rio Yukon, localizado no noroeste do Canadá, provocou o
desaparecimento de outro rio em apenas quatro dias, segundo artigo publicado na
segunda-feira pela revista Nature Goeoscience. A água se desviou totalmente
para outro leito, no que os cientistas consideram como o primeiro caso
observado de “pirataria fluvial” repentina. Os especialistas que documentaram o
fenômeno, ocorrido na primavera de 2016, consideram o incidente como um exemplo
inquietante de como o aquecimento global está modificando drasticamente a
geografia do planeta.
Artigo de Naia Carlos em Nature World News
(03/04/2017) descreve uma cratera do deserto de Karakum do Turcomenistão,
conhecida como “Porta para o Inferno” – apelido da Cratera Darvaza – que tem
sido queimada por quase meio século. De acordo com um relatório da National
Geographic a fogueira misteriosa, que é tão grande quanto um campo de futebol,
surgiu do produto de um acidente de perfuração na exploração de petróleo e gás.
Um
novo estudo publicado na Revista Nature Climate Change (2017), aponta que o
permafrost é mais sensível aos efeitos do aquecimento global do que se pensava
anteriormente, pois cerca de 4 milhões km2 de solo congelado
poderiam ser perdidos a cada grau de aumento do aquecimento global. Esta área é
equivalente à soma das regiões brasileiras Sul (576.774,3 km2),
Sudeste (924.620,7 km2), Nordeste (1.554.291,7 km2) e
Centro-Oeste (1.606.403,5 km2). As estimativas dizem que há mais
carbono contido no permafrost congelado do que aquele concentrado na atmosfera.
Por
conta de tudo isto e do efeito “feedback positivo”, o livro Enough is Enough
(2010) mostra que uma economia em constante crescimento está destinada ao
fracasso, pois aumenta as tendências entrópicas das atividades antrópicas. Os
autores consideram que a economia é um subsistema da ecologia e o transumo
(throughput) funciona a partir da extração de matérias e energias da natureza e
o descarte de lixo, poluição e resíduos sólidos no meio ambiente. Uma vez que
vivemos num planeta finito, com espaço e recursos limitados e sobre os efeitos
físicos da entropia não é possível que a economia e a população cresçam para
sempre. O livro defende uma economia de Estado Estacionário.
A
humanidade aumentou tanto a quantidade de intervenções antrópicas no Planeta
que houve uma mudança qualitativa do superávit para o déficit ambiental. A
partir de certo grau de desenvolvimento econômico houve um ponto de mutação
(state shift) e os danos ficaram maiores do que os ganhos. O abuso suplantou o
uso no modelo de crescimento ilimitado e de progresso unidimensional.
Desta
forma, é preciso um novo ponto de mutação em sentido reverso. Do crescimento
demoeconômico para o decrescimento demoeconômico. A humanidade precisa sair do
déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas
naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio
significará também um suicídio para a humanidade. A atual escala da presença
humana na Terra é insustentável. Aumentar esta escala é irracional e arriscado.
Assim, o raciocínio auto evidente indica que é inviável manter o crescimento da
população humana com base na redução populacional das demais espécies e no
definhamento dos ecossistemas e da biodiversidade. É impossível uma espécie ser
feliz sozinha!
Portanto,
o mundo está num beco sem saída. Quanto mais avança com o crescimento econômico
e o desenvolvimento das atividades antrópicas mais acontece as emissões de GEE.
Os benefícios do desenvolvimento são colhidos hoje pela humanidade, mas os
prejuízos para a biodiversidade estão aumentando de forma exponencial e os
custos humanos serão pagos pelas novas gerações. As crianças e os jovens de
hoje vão pagar um alto preço nas próximas décadas se a concentração de CO2
não voltar para o nível de 350 ppm.
Como
mostrou Charles St. Pierre (16/11/2016), tratando da armadilha do crescimento,
todo sistema econômico e todo sistema auto organizado que não se autolimita
dentro das fronteiras estabelecidas pelo seu meio ambiente, cresce até exceder
a capacidade do ecossistema para apoiá-lo e sustentá-lo. Em seguida, ele
colapsa.
Assim,
é urgente dar uma meia volta nas tendências de emissões de GEE e no fenômeno de
poluição crescente do solo, das águas e do ar e iniciar um processo de
decrescimento demoeconômico para que a humanidade respeite os limites
planetários e a capacidade de carga no Planeta. O caminho atual é insustentável
e a civilização está avançando rumo ao precipício. Hoje, o mundo já caminha
para a 6ª extinção em massa das espécies. As mudanças climáticas, num futuro
não muito distante, podem levar ao caos no Planeta.
O colapso ambiental, e consequentemente da
economia moderna, será catastrófico para bilhões de pessoas e para a sociedade
que, ao longo do tempo, se enriqueceu às custas do empobrecimento do meio
ambiente. (ecodebate)
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