Agroecologia na prática: Comunidades mostram que é possível
produzir alimentos saudáveis sem agredir o meio ambiente.
Divulgar experiências exitosas de
produção agroecológica e de organização comunitária foi um dos objetivos da
Caravana Agroecológica do Semiárido Baiano, que percorreu localidades ao longo
do São Francisco, no norte da Bahia, entre os dias 26 e 30 de junho.
Com esse objetivo, a caravana, que reuniu
cerca de 70 pessoas de diversas organizações, entre elas a Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), visitou, no dia 29 de junho, a
comunidade de Coxo de Dentro, localizada na cidade de Jacobina, para conhecer o
trabalho desenvolvido pela Associação Comercial dos Moradores e Agricultores de
Coxo de Dentro. Com 112 membros, a associação, criada em 2000, vem trabalhando
na organização do trabalho de extração do babaçu feita pelos moradores da
comunidade e também na indução da transição agroecológica na produção da
agricultura familiar local.
A comunidade fica em uma região de
transição da caatinga para a mata atlântica, uma área com elevados índices
pluviométricos e rica em nascentes, que abastecem alguns dos rios mais
importantes do norte da Bahia, como o Itapicuru. “A gente tenta mostrar para a
comunidade que é melhor para o meio ambiente e para a saúde produzir de maneira
sustentável, sem utilizar nenhum tipo de agrotóxico nem fertilizantes
químicos”, diz Robério Santos de Jesus, presidente da associação, que explica
que as lavouras utilizam um biofertilizante natural produzido ali mesmo. “A
variedade da produção também combate os insetos. Ao invés de plantar uma coisa
só, você vai diversificando a produção, para que o inseto ataque uma planta e
já não ataque outra”, explica Robério, que ressalta ainda a importância da
rotatividade de culturas para a preservação dos solos, que reduz a necessidade
de utilização de fertilizantes.
A extração do babaçu, que complementa
a renda gerada pela comunidade através da comercialização da produção em feiras
orgânicas da região, também é feita de acordo com os princípios da
agroecologia: as palmeiras ocorrem naturalmente na região, e somente os frutos
que caem no chão são recolhidos. Na associação local é feito o beneficiamento.
“É um produto que se aproveita tudo. Aqui a gente faz carvão, faz o óleo do
babaçu, faz sabonete, hidratante e também faz bijuterias, artesanato”, lista
Robério.
Ieda Amaral, moradora da comunidade que trabalha na extração do babaçu, conta
que anteriormente era comum a retirada dos cachos do alto das palmeiras. “Eu
mesma cortei muito cacho de babaçu para vender na feira. A gente não tinha uma
sobrevivência boa. Não era certo, mas eu era obrigada”, lembra Ieda, que
completa: “Depois que a gente foi trabalhando, vendendo as coisas da roça, foi
que a gente foi aprendendo a trabalhar na roça e deixar mais o coco sossegado.
Quando a gente cortava não tinha quase coco no mato. Hoje tem muito”, ressalta.
Ieda conta ainda que a transição para a agroecologia em seu roçado significou
mais diversidade para sua produção e alimentação. “Hoje só compro no mercado o
que não produzo aqui: arroz, feijão e carne. O resto eu planto: cenoura,
beterraba, agrião, alho-poró, cebolinha, abóbora…” enumera. Antes, continua,
ela plantava apenas banana e mandioca, e usava venenos pra combater pragas na
lavoura. “Depois que eu aprendi a trabalhar assim me sinto outra pessoa, mais
esperta na vida”, comemora.
Comunidade quilombola gera renda a
partir da organização comunitária
“Somos quilombolas, temos muito a
oferecer para o Brasil. Mas precisamos resgatar nossa história e nossa
cultura”. A frase é de Valdecy dos Santos, moradora da comunidade de Monteiro,
povoado do município de Caém reconhecida como remanescente de quilombo pela
Fundação Palmares em 2011. Presidente da Associação Quilombola dos Produtores
de Mandioca de Bom Jardim e Monteiro (Aquibom), Valdecy recebeu a caravana para
falar sobre a organização da comunidade em torno de uma unidade de produção de
beiju, feito a partir da mandioca. Fundada há 10 anos e com cerca de 40
membros, a associação produz e comercializa seus produtos através de feiras orgânicas
e da venda para comerciantes locais, como supermercados e padarias. O beiju
produzido pela associação também compõe o cardápio da merenda dos estudantes
das redes municipal e estadual de ensino, por meio do Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE), que destina alimentos produzidos pela agricultura
familiar para as escolas públicas. “Tudo que conseguimos para a nossa
comunidade foi através do trabalho da associação: poste de iluminação, posto de
saúde, creche”, afirma Valdecy, que diz sentir falta de apoio do governo na
comunidade, que ainda luta pela regularização de suas terras. “Aqui na
associação só quem tem documento de terra é meu pai, se precisar só ele que
tem. É uma dificuldade grande que a gente tem aqui. E a gente sabe que a gente tem
direito, somos quilombolas. Mas muitas vezes sentimos falta de apoio, ficamos
sem ter a quem recorrer”, diz Valdecy.
Cooperativa traz ganhos para
catadores de material reciclável
Na cidade de Jacobina, a caravana
parou para conhecer o trabalho desenvolvido por uma cooperativa de catadores de
material reciclável, a Recicla Jacobina. Criada há quatro anos, a cooperativa
reúne 34 trabalhadores, que recolhem e vendem para reciclagem materiais como
vidro, plástico e papelão. São três caminhões e quatro carrinhos motorizados
para fazer a coleta. “A Cooperativa é muito importante aqui em Jacobina, porque
antes disso era lixo na rua, na beira do asfalto. Quando o calor é demais ele
pegava fogo, isso aqui era um caos”, lembra Elizabeth Santana, presidente da
Recicla Jacobina. “Hoje a gente pega, imprensa e vende para fazer outro
produto. É muito melhor do que você deixar enterrado e contaminar o subsolo e o
ambiente onde a gente vive”, completa. Segundo Elizabeth, o trabalho dos
catadores tem ajudado a evitar que os resíduos sólidos vão parar no rio que
corta a cidade. “Agora, a coisa importante que o governo tinha que fazer era
esgoto, porque não tem. Em Jacobina você passa em cada rua que o fedor cobre, e
é um perigo, tanto pra gente quanto para a população”, pontua.
Segundo Elizabeth, o grosso do
material ainda é recolhido do aterro controlado da cidade, que fica ao lado do
galpão da cooperativa. A coleta seletiva, que os catadores ajudaram a
implementar na cidade, ainda é muito incipiente, de acordo com Elizabeth.
Segundo ela, a organização dos trabalhadores na cooperativa contribuiu para
melhorar as condições de trabalho dos catadores, que ganham hoje entre R$ 1,2
mil e R$ 1,5 mil por mês. “Antes, quando a gente era autônomo, vendia material
abaixo do preço, sempre enriquecendo o atravessador. Depois da cooperativa, a
gente conseguiu um preço melhor”, revela a presidente da Recicla Jacobina.
Apesar disso, ela afirma que a principal dificuldade da cooperativa é organizar
os catadores e ampliar o número de cooperados. “O maior sonho da gente é
crescer mais a Cooperativa, contratar mais cooperados e dar emprego a pessoas
que não têm. Mas aqui tem regra, e tem muito catador que não se adapta. É uma
dificuldade unir os catadores”, aponta.
Caminho a seguir
Para o professor-pesquisador da EPSJV
André Búrigo, visibilizar as experiências positivas das comunidades visitadas
durante a caravana contribui para evidenciar que há alternativas aos projetos
de desenvolvimento hegemônicos. “É possível produzir e se organizar pra um
outro tipo de sociedade que tenha menos impacto ambiental, que busque uma forma
de uma relação positiva com a natureza. As comunidades tradicionais, as
comunidades quilombolas que a gente visualizou também mostram que onde você tem
comunidade organizada, onde você tem assistência técnica adequada chegado, você
consegue produzir resultados positivos”, assinala. Luciana Khoury, promotora de
Justiça e coordenadora do Núcleo da Bacia do Rio São Francisco acredita que o
conhecimento das práticas sustentáveis compartilhadas pelos comunidades durante
as caravanas servirão de subsídio para o trabalho do Ministério Pùblico. “A
gente entende que isso nos fortalece até mesmo do ponto de vista do
conhecimento das possibilidades para intervenção”, avalia Luciana, que integra
também o Fórum Baiano de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos. “O Fórum tem uma
análise muito definida de que não existe uso seguro de agrotóxico. O caminho
que a gente aponta no Fórum é o não uso mesmo, e por isso essa Caravana é tão
importante, pra poder mostrar os anúncios das experiências agroecológicas, que
seria realmente a forma de se viver com qualidade, não só pra quem produz, mas
também para o consumidor e para os ecossistemas”, diz ela. (ecodebate)
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