“A floresta precede os povos e
o deserto os segue” - (Chateaubriand)
O número de
árvores no mundo está em torno de três trilhões de unidades. São muitas
árvores, mas havia o dobro deste número no passado recente. A humanidade já
destruiu a metade de todas as árvores do planeta desde o avanço exponencial da
pegada ecológica da civilização, segundo um estudo da Universidade de Yale,
publicado pela revista científica Nature, conforme reportagem de El País
(02/09/2015)
Mas o pior
é que os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto
o aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de
unidades. Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e pode
eliminar todo o estoque de 3 trilhões de árvores em 300 anos.
O Brasil é
um triste exemplo de destruição das florestas. Cerca de 90% da Mata Atlântica
foi destruída a “ferro e fogo”, como mostrou Warren Dean. São Paulo é o maior
estado do Brasil, tanto em termos populacionais, quanto econômico. Mas o
crescimento das atividades antrópicas teve como consequência a destruição das
matas e da biodiversidade do estado. Segundo Mauro Antônio Moraes Victor et.
al. (2005), no início do século XIX a cobertura florestal do Estado de São
Paulo correspondia a 81,8% de seu território, equivalente a 20.450.000 hectares
(veja a figura acima).
Durante o
Brasil Colônia, o processo de devastação da cobertura florestal ficou limitado
às áreas do litoral e às cercanias de São Paulo de Piratininga e se expandiu
após a independência do Brasil. Mas foi com o surto cafeeiro que a devastação
avançou em grande escala, com uma alta correlação entre o caminhamento do café
em direção ao interior paulista e o avanço das derrubadas. O café entrou em São
Paulo pelo Vale do Paraíba, proveniente do Rio de Janeiro. A entrada aconteceu
em 1790, mas foi a partir de 1850 que este processo ganhou corpo.
Na segunda
metade do século XIX os cafezais avançam derrubando as florestas das regiões
Norte e Central. As lavouras progridem a passos largos e os fazendeiros de ltu,
Jundiaí e Campinas adquirem terras novas, entrando pelo sertão através do rio
Tietê e sua rede de afluentes. Usando o vale do rio Mogi-Guaçu e Pardo,
aproximam-se das terras altas e roxas próximas a Minas Gerais, onde o café
encontra condições ideais de produtividade. Em 1870 funda-se Ribeirão Preto, em
1871 Piraju, em 1879 São José do Rio Preto. Por essa mesma época ainda, na
esteira do café, parecem as cidades de Campos Novos Paulista, São Manuel e
Bauru. Em 1907, a devastação florestal já era enorme no Estado de São Paulo.
Após o fim
da Primeira Guerra Mundial e o crescimento da economia mundial na década de
1920, acontece uma nova febre de plantio, atingindo profundamente as matas das
regiões Noroeste, Araraquarense, Alta Paulista e Alta Sorocabana. Mas o que já
estava ruim, piorou depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1952, São Paulo
tinha apenas 18,2 % da cobertura vegetal de seu território, concentrando-se os
últimos remanescentes na escarpa Atlântica, região mais inatingível devido ao
relevo acidentado, em torno da Capital, no Vale do Ribeira e no Pontal de
Paranapanema. A destruição continuou com o processo de urbanização e o
crescimento populacional. O estado de São Paulo tinha uma população de 837 mil
pessoas em 1872, quando se realizou o primeiro censo demográfico brasileiro.
Chegou a 2,3 milhões de habitantes em 1900. Pulou para 9,1 milhões em 1950.
Atingiu 37 milhões de habitantes na virada do milênio. O censo 2010 indicou uma
população paulista de 41,3 milhões de habitantes.
O fim da
hegemonia do café não interrompeu a devastação, pois a indústria, as novas
culturas e a pecuária completaram o serviço de destruição. Caiu o uso da lenha
e do carvão vegetal como energia para as locomotivas a vapor, mas cresceu a
utilização de madeira para uso doméstico e industrial. O regime militar
acelerou o processo de ocupação de todo o território paulista. O crescimento da
população e da economia na região metropolitana e a “política de interiorização
do desenvolvimento” transformou em letra morta todas as tentativas de
interromper a eliminação das florestas.
Mas no ano
2000 a cobertura vegetal do Estado de São Paulo era de apenas 3%, praticamente
em áreas escarpadas e difícil acesso. Em 200 anos, a cobertura vegetal caiu de
82% para 3%. Evidentemente, muitas espécies vegetais e animais desapareceram e
foram extintas neste processo. O progresso humano dos paulistas aconteceu passo
a passo ao regresso ambiental e à degradação do meio ambiente. O triste é que o
desmatamento não ficou restrito à SP, mas se generalizou em todos os Estados e
o pior que o desmatamento continua no século XXI.
Segundo a
Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), a área desmatada na Mata Atlântica, entre 2015 a 2016, foi de 29.075
hectares (ha), ou 290 Km2, nos 17 Estados do bioma Mata Atlântica,
representando um aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015),
que foi de 18.433 ha.
O
gráfico abaixo mostra que a taxa de desflorestamento da Mata Atlântica está
diminuindo, especialmente depois dos anos 2000, mas isto porque já resta pouca
coisa para ser destruída. Mesmo assim o desmatamento aumentou de 2015-16 em
relação a 2014-15. Em São Paulo, por exemplo, onde restam tão poucos
remanescentes florestais, o desmatamento aumentou de 45 hectares em 2014-15
para 698 ha em 2015-16 (um aumento de 1.462%).
A
degradação continua também nos demais biomas brasileiros. Metade do Cerrado já
perdeu a sua cobertura florestal e o desmatamento anual é escandaloso,
provocando um holocausto biológico e a degradação das fontes de água. O cerrado
perdeu 9.483 km2 de vegetação em 2015, um número que equivale a mais de seis
cidades de São Paulo e supera em 52% a devastação na Amazônia no mesmo ano. O
Cerrado pode desaparecer em 40 anos.
Na
Amazônia, o desmatamento vinha caindo até 2012, mas a partir de 2013 voltou a
subir e, em 2016, o desmatamento foi maior do que em 2009, como mostra o
gráfico abaixo. Entre agosto de 2016 e julho de 2017, o desmatamento na
Amazônia caiu 16%, o que representou 6.624 km² de floresta foram devastados no
período, o equivalente a quatro vezes a cidade de São Paulo. O desmatamento do
último ano foi maior do que o de 2011.
A Amazônia
Legal brasileira possui (a) uma área de 5.217.423 km². De 1988 a 2017, os dados
do Prodes mostram que o desmatamento atingiu o montante de 430 mil km². Outros
400 mil km² foram destruídos entre 1965 e 1988. Os 4,4 milhões de km²
restantes, podem desaparecer em 600 anos se o desmatamento anual ficar em torno
de 7 mil km².
Para
complicar o quadro, as queimadas e os incêndios aceleram o quadro de destruição
florestal. Agora em 2017 os incêndios destruíram grandes áreas de Portugal,
Espanha e da Califórnia, nos EUA, além de várias áreas no Brasil. Com o
aquecimento global esta situação deve se agravar. Assim, maiores queimadas
aumentam o efeito estufa e menos florestas diminui o sequestro de carbono.
Estes
dados, contestam o mito da “transição florestal” (ou a recuperação das
florestas). É evidente que localmente ou em um ou outro país as áreas de
florestas podem aumentar. Porém, geralmente, o que se planta são monoculturas,
como a do eucalipto, da seringueira, etc., o que se chama de “deserto verde”.
Portanto, o
quadro de deflorestação e defaunação global não exclui o aumento da cobertura
florestal em alguns locais. O gráfico abaixo, apresentado em artigo de Leiwen
Jiang e Anping Chen (IUSSP, 2017) mostra que a cobertura florestal na China
aumentou especialmente nas últimas duas décadas paralelamente ao avanço da
industrialização e da urbanização. Mas a China garante os investimentos na
“Great Green Wall” na medida em que compra madeira dos países tropicais. A
China “exporta” sua pegada ecológica, enquanto aumenta a sua biocapacidade às
custas da degradação ambiental de outros países e regiões do mundo.
Segundo a
WWF, no relatório Planeta Vivo 2014, o estado atual da biodiversidade do
planeta está pior do que nunca. O Índice do Planeta Vivo (LPI, sigla em
Inglês), que mede as tendências de milhares de populações de vertebrados,
diminuiu 52% entre 1970 e 2010. Em outras palavras, a quantidade de mamíferos,
aves, répteis, anfíbios e peixes em todo o planeta é, em média, a metade do que
era 40 anos atrás. Esta redução é muito maior do que a que foi divulgada em
relatórios anteriores em função de uma nova metodologia que visa obter uma
amostra mais representativa da biodiversidade global.
Ainda
segundo a WWF, a biodiversidade está diminuindo em regiões temperadas e
tropicais, mas a redução é maior nos trópicos. Entre 1970 e 2010, o LPI
temperado diminuiu 36% em 6.569 populações das 1.606 espécies em regiões
temperadas, ao passo que o LPI tropical diminuiu 56% em 3.811 populações das
1.638 espécies em regiões tropicais durante o mesmo período. A redução mais
dramática aconteceu na América Latina – uma queda de 83%.
Estudo
publicado na revista científica Plos One (18/10/2017) revela queda de 75% no
número de insetos voadores na Alemanha (Insectageddon). Os dados foram obtidos
em áreas protegidas do país, mas o resultado têm implicações para todas as
regiões onde a paisagem é dominada pela agricultura. De acordo com os autores
da pesquisa, a constatação é preocupante, já que os insetos têm um papel
crucial no funcionamento dos ecossistemas, polinizando 80% das plantas e
fornecendo alimento para 60% das aves.
Evidentemente,
iniciativas com as do Instituto Terra, criado pelo fotógrafo Sebastião Salgado
são bem-vindas e superimportantes. Mas todas as conquistas da recuperação de 40
milhões de m² promovida pelo Instituto ficaram secundarizadas diante do
desastre ambiental de Mariana (MG), quando, em 05/11/2015, cerca de 34 milhões
m3 de rejeito de minério de ferro jorraram do complexo de mineração
operado pela Samarco e percorreram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km
do rio do Carmo até desaguarem no rio Doce. No total, a lama percorreu 663 km
até encontrar o mar, no município de Regência (ES) e provocou um rastro de
destruição de proporções infernais. O continuado crescimento de bens e serviços
da economia global provoca o aumento da demanda por recursos naturais e aumenta
o descarte de lixo, resíduos sólidos e poluição em todas as suas diferentes
formas destrutivas.
Tudo
isto deixa claro que a aniquilação biológica está em curso no Brasil e no
mundo. O genocídio ecológico, com o fim das florestas e da biodiversidade, pode
significar o fim da humanidade. Como disse o escritor francês François-René
Chateaubriand (1768-1848): “A floresta precede os povos, e o deserto os segue”.
Do ponto de vista global, a única transição florestal que acontece, de fato, é
das áreas verdes para as áreas desertificadas e defaunadas. (ecodebate)
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