quinta-feira, 5 de abril de 2018

Educação na luta contra doenças relacionadas a mudanças climáticas

Especialista fala sobre importância da educação na luta contra doenças relacionadas a mudanças climáticas.
“De vilarejos rurais até grandes cidades, todos já estão sofrendo com inundações, secas, ondas de calor mais frequentes, enchentes, entre outros (fenômenos). Tais episódios podem provocar um aumento na incidência de doenças e afetar a saúde das populações. Isso mostra que as mudanças do clima não são um assunto futuro, mas atual”: a afirmativa é da oficial sênior da ONU Meio Ambiente no Brasil, Regina Cavini. A frase foi dita em dezembro de 2017, durante o quarto encontro do seminário Diálogos estratégicos sobre mudanças climáticas, realizado pelo Sistema ONU no Brasil, e que contou com a participação de pesquisadores da Fiocruz, do Ministério da Saúde (MS), da ONU Mulheres, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e da ONU Meio Ambiente.
Cavini foi a escolhida como entrevistada para a última reportagem da série Clima e Saúde, do Observatório Nacional de Clima e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). A série abordou temas como: queimadas vs saúde; malária vs fronteiras internacionais; e semiárido e os impactos da seca na saúde. Nesta entrevista, a oficial sênior da ONU Meio Ambiente fala, dentre outros assuntos, sobre os acordos assinados pelo governo brasileiro para “conter riscos ambientais para saúde”, além de abordar as iniciativas que estão sendo desenvolvidas pela ONU e o acordo de colaboração entre a instituição e a Organização Mundial de Saúde (OMS), assinado em janeiro de 2018, com ações conjuntas em pesquisas, criação de metas para a saúde e o meio ambiente, capacitação de pessoas e organizações e parcerias diversas. Ela também ressalta que “é importante investir em comunicação e educação, com informação técnica de qualidade e linguagem acessível tanto nas escolas quanto fora delas. A mudança de hábitos e atitudes começa pelo conhecimento”. Confira:
Icict/Fiocruz: Onde e como atua da ONU Meio Ambiente?
Regina Cavini: No Brasil, a ONU Meio Ambiente atua em cinco áreas programáticas, sendo uma delas exclusivamente dedicada à Mudança do Clima. Nesse âmbito, desenvolve desde 2013 um projeto com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para auxiliar atores-chave do governo brasileiro na tomada de decisão ao estimar as vantagens e os custos de abatimento de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em vários setores econômicos. As recomendações para reduzir as emissões no setor de transportes, por exemplo, são tanto para frear a mudança do clima como para diminuir a poluição atmosférica, que deteriora a saúde das pessoas, principalmente no meio urbano. Já o corte das emissões florestais, bastante atreladas ao desmatamento, beneficiam tanto o meio ambiente quanto a população local, uma vez que a derrubada de florestas aumenta o risco de malária e leishmaniose.
Além disso, em 2017, a ONU Meio Ambiente promoveu a série Diálogos Estratégicos sobre Mudança do Clima, com objetivo de criar um espaço fértil de comunicação e discussão com diferentes autoridades nacionais e parceiros estratégicos. A iniciativa promoveu um ciclo de debates e trocas de experiências para conectar agências especializadas, fundos e programas da ONU com instituições governamentais e sociedade civil e, assim, pensar soluções inovadoras e eficientes e traduzir compromissos em ações. O quarto encontro, realizado em dezembro, em parceria com a Opas/OMS, teve como tema Mudanças do Clima e Saúde, e discutiu justamente as implicações dos eventos climáticos adversos, de desastres ambientais e da poluição na saúde humana, colocando em pauta como a continuidade das alterações climáticas irá afetar alguns dos determinantes sociais e ambientais da saúde: ar limpo, água potável, alimentos e abrigos seguros.
Icict/Fiocruz: Há algum projeto da ONU Meio Ambiente Brasil para trabalhar as questões climáticas e seus efeitos na Saúde aqui no Brasil?
Regina Cavini: A mudança do clima é uma realidade de consequências preocupantes para os ecossistemas e para a biodiversidade – sobretudo para o ser humano. A intensificação dos eventos climáticos extremos, como inundações, secas, ondas de calor, enchentes e furacões, é responsável pelo aumento na incidência de um amplo leque doenças, como infecções, desnutrição, doenças diarreicas e problemas respiratórios e cardiovasculares, afetando a saúde das populações em todos os lugares do planeta.
Para enfrentar os novos e complexos desafios impostos pelas mudanças do clima, precisamos pensar e agir com base em uma abordagem integrada, como sugere a Agenda 2030. O documento, adotado pelos 193 países das Nações Unidas, sugere que nenhum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pode ser alcançado sem alcançar os outros, assim, a saúde e o bem-estar dependem da ação contra a mudança global do clima, de cidades e comunidades sustentáveis e de energias limpas e acessíveis.

Em termos globais, a ONU Meio Ambiente e a Organização Mundial da Saúde (OMS) assinaram, em janeiro de 2018, o maior acordo de colaboração dos últimos 15 anos para conter riscos ambientais para saúde. Entre as ações conjuntas, muitas serão focadas no combate aos efeitos das mudanças do clima e da poluição, uma vez que os efeitos e causas de ambas se sobrepõem. A iniciativa reconhece a relação intrínseca entre a saúde do meio ambiente e a saúde humana, e cria espaço para uma série de atividades como pesquisas conjuntas, criação de metas para saúde e meio ambiente, capacitação de pessoas e organizações e parcerias em todos os níveis – do local ao global.
Icict/Fiocruz: Como estes problemas (queimadas na Amazônia, seca no semiárido, eclosão de doenças causadas e/ou agravadas pelos extremos climáticos) podem ser monitorados?

Regina Cavini: O Panorama Ambiental Global, publicação periódica produzida pela ONU Meio Ambiente desde 1997, é um bom exemplo de monitoramento. Além de fornecer dados sobre a situação ambiental mundialmente e em regiões específicas, permite uma avaliação da evolução dos indicadores ambientais, disponibilizando respostas científicas consistentes para questões politicamente relevantes. Entre as edições mais recentes, temos a Avaliação Regional da América Latina e do Caribe (GEO-6), que apresenta a complexidade dos desafios ambientais, sociais e econômicos a serem enfrentados e as prioridades da agenda de sustentabilidade caribenha e latino-americana, com muitos dados importantes sobre o Brasil a serem considerados pelos tomadores de decisão.
Quando faltam informações confiáveis, não é possível desenvolver uma boa avaliação dos impactos das mudanças do clima, o que consequentemente dificulta a capacidade dos tomadores de decisão de promover políticas públicas assertivas. Por isso, o monitoramento eficiente de questões ambientais começa com a seleção de indicadores pertinentes e que possam ser acompanhados com certa frequência. Harmonizar os métodos de avaliação, contar com tecnologias que permitam a captação dos dados e dispor de um quadro de especialistas qualificados também são procedimentos que favorecem o bom desenvolvimento desse processo.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por exemplo, acompanha as queimadas e desmatamentos utilizando um sistema de monitoramento baseado em imagens de satélite, que é indicado para grandes extensões de terra com regiões remotas – como é o caso da Amazônia. Com essa tecnologia foi possível identificar uma redução de 79% nos níveis de desmatamento na Amazônia de 2004 a 2015, que caiu de 27.772 Km2 para 5.831 Km2, voltando a subir pela primeira vez em 2016. Com a mesma tecnologia, foi possível constatar o agravamento da seca no semiárido brasileiro, detectando municípios que chegam a enfrentar 48 meses sem chuva. Já o monitoramento da proliferação de doenças decorrentes de eventos climáticos é feito com a análise da situação da saúde, que mede o número de ocorrências de determinadas doenças após enchentes, secas ou ondas de calor. No Brasil, esse tipo de pesquisa é desenvolvida pelo Ministério da Saúde, com recomendações pontuais de agências internacionais como a Opas/OMS.

Icict/Fiocruz: Há outros exemplos?

Regina Cavini: Também temos o exemplo da campanha BreatheLife, fruto de uma parceria entre OMS/Opas, ONU Meio Ambiente e Climate & Clean Air Coalition, que está mobilizando cidades e indivíduos para proteger nossa saúde e nosso planeta dos efeitos da poluição do ar. Por meio de uma plataforma de informações sobre poluição atmosférica das cidades, é possível avaliar o quanto elas atendem ou não ao nível recomendado pela OMS/Opas. Em algumas cidades brasileiras, será utilizada em caráter piloto a ferramenta Arq+, que integra dados ambientais e de saúde pública em tempo real, fornecendo informações para toda a sociedade, em especial para os governantes, que poderão, então, tomar ações mais rápidas para melhorar a qualidade do ar.
Essa campanha, por exemplo, é ainda um modelo específico para responder às mudanças climáticas, destacando a luta contra a poluição do ar, uma vez que as causas profundas do aquecimento global e da poluição do ar se sobrepõem em grande parte. A mudança climática está modificando os padrões meteorológicos, afetando os níveis e a ocorrência de poluentes e alérgenos aéreos, como o ozônio e o pólen. Em alguns casos, ainda expõe as pessoas a maiores concentrações por períodos mais longos do que nas décadas anteriores.
A poluição do ar é responsável pelo aumento de problemas respiratórios em todo o mundo e causa 6,5 milhões de mortes por ano, segundo o relatório Rumo a um Planeta Sem Poluição, da ONU Meio Ambiente. Na América Latina e Caribe, mais de 100 milhões de pessoas vivem em áreas urbanas e rurais suscetíveis a esse tipo de poluição. Assim, limitar as emissões de gases de efeito estufa por meio de melhores escolhas de transporte, alimentação e uso de energia, tanto em termos de políticas públicas como em nossas ações individuais e diárias, pode resultar diretamente em melhoria da saúde, particularmente por meio da redução da poluição do ar.
Icict/Fiocruz: A ONU Meio Ambiente tem alguma estimativa de custo (incluindo aí custos de saúde) para os problemas causados pelas queimadas na Amazônia, a malária e a dengue (por exemplo) no Brasil e América Latina, e a seca da região do semiárido brasileiro?
Regina Cavini: A intensificação de eventos climáticos extremos, como enchentes, ondas de calor e secas, bem como o desmatamento de biomas, irão afetar a qualidade e o acesso à água e aumentar o risco de doenças transmitidas por vetores, como dengue e malária. A poluição do ar e as queimadas também deverão aumentar os casos de alergias, asma e outros problemas respiratórios. Tais fenômenos ainda afetarão a disponibilidade de alimentos e abrigos seguros.
Mensurar em termos quantitativos os efeitos das mudanças do clima sobre a saúde humana é um grande desafio, uma vez que é difícil isolar os números corriqueiros daqueles causados diretamente pelos fenômenos climáticos. Porém, um esforço global da OMS produziu uma avaliação considerando apenas um subconjunto de impactos na saúde e concluiu que a alteração climática deverá causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano entre 2030 e 2050, das quais 95 mil por desnutrição infantil, 60 mil por malária, 48 mil por diarreia e 38 mil devido à exposição de idosos ao calor. Em termos econômicos, a Organização estima gastos de até 4 bilhões de dólares ao ano até 2030 com danos diretos para a saúde no mundo.
Se focarmos apenas nos problemas de saúde associados a florestas, a principal preocupação é a transmissão de doenças. A redução da cobertura florestal – por queimadas e desmatamento – e as enchentes/secas decorrentes das mudanças do clima interferem na qualidade e no acesso à água e favorecem a reprodução de mosquitos vetores da malária, da leishmaniose e de outras patologias tropicais. No caso específico da malária, a região da América Latina e Caribe mobilizou, de 2000 a 2012, entre US$ 77 milhões e US$ 211 milhões/ano para prevenção e tratamento da doença, o que representa uma enorme fatia dos gastos públicos. Em 2016, só no Brasil, 174 mil pessoas foram acometidas pela doença, 50 mil a mais do que no ano anterior.
Apesar da presença do vetor estar associada a lugares chuvosos, a seca prolongada também foi um agravante para a epidemia da zika, que atingiu seriamente o Nordeste brasileiro. Para garantir o abastecimento de água da população, o uso de reservatórios no momento de escassez de chuvas aumentou. Infelizmente, o estoque de água muitas vezes aconteciam em reservatórios inadequados, sem tampas ou em cisternas com fissuras, contribuindo para a proliferação do Aedes aegypti, mosquito vetor da doença.
Icict/Fiocruz: Qual a importância do Observatório Nacional de Clima e Saúde, da Fiocruz, para se trabalhar o tema clima e saúde?
Regina Cavini: A criação e compilação de dados é fundamental para subsidiar decisões mais assertivas e eficientes em políticas públicas. Quando falamos de problemas ambientais, como as mudanças do clima, nada pode ser feito sem embasamento técnico, ou seja, sem um bom mapeamento do problema.
O Observatório Nacional de Clima e Saúde, ao reunir informações para viabilizar a análise de dados ambientais, climáticos, epidemiológicos, socioeconômicos e de saúde pública, fornece um serviço essencial para a compreensão dos riscos e vulnerabilidades do Brasil no enfrentamento dos eventos climáticos extremos e dos problemas de saúde associados a eles.
Disponibilizando informações, o Observatório permite avançar o conhecimento e alertar sobre riscos atuais e futuros para a saúde dos brasileiros, subsidiando melhores decisões de políticas públicas para mitigação e adaptação.
Ciente da importância deste tipo de trabalho, em termos globais, as Nações Unidas criaram, em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para sintetizar e divulgar conhecimento sobre o tema. Desde então, o órgão tem sido fundamental para as reuniões da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima e para acordos internacionais, como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.
Icict/Fiocruz: O que ainda falta fazer em relação às mudanças climáticas e saúde no Brasil e na América Latina?
Regina Cavini: A América Latina enfrenta diversos desafios socioambientais, mas há um esforço claro dos governos para enfrentar as questões mais urgentes e colocar a região no caminho para o desenvolvimento sustentável, inclusive por meio de ações conjuntas, como as reuniões anuais do Fórum de Ministros de Meio Ambiente da região. Considerando que os países enfrentam desafios comuns, o compartilhamento de ideias e boas práticas se mostra bastante frutífero e deve ser estimulado.
Em termos institucionais, o Brasil está bem amparado pela Política Nacional sobre Mudança do Clima, Plano Nacional de Mudança do Clima, Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, no entanto, ainda há espaço para aperfeiçoar a fiscalização e o combate. Além disso, todos os atores da sociedade devem estar sensibilizados sobre a questão. É importante investir em comunicação e educação, com informação técnica de qualidade e linguagem acessível tanto nas escolas quanto fora delas. A mudança de hábitos e atitudes começa pelo conhecimento. (ecodebate)

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