A
transição demográfica (TD) é o fenômeno de mudança de comportamento de massa
mais expressivo e mais impactante da história da humanidade. Ela mudou uma
realidade que parecia inexorável. Desde o surgimento do Homo Sapiens, há pelo
menos 200 mil anos, as taxas de mortalidade sempre foram elevadas e a morte
precoce era a norma que ceifava vidas.
O
número de óbitos infantis era elevadíssimo, assim como a prevalência da
mortalidade materna. Mais da metade dos nascimentos não chegavam à idade
adulta. Segundo Angus Maddison (2008), a esperança de vida ao nascer da maior
parte da população mundial, antes do século XIX, estava abaixo de 25 anos. Para
se contrapor às elevadas taxas brutas de mortalidade (TBM), as sociedades se
organizavam para manter altas taxas brutas de natalidade (TBN), gerando muitos
filhos, para que o número de sobreviventes fosse maior do que o número de
pessoas falecidas.
Mas
a história mudou com o avanço da modernidade urbano-industrial, o que
possibilitou a diminuição da letalidade das doenças, da miséria e das guerras.
Com menos mortes precoces, foi possível reduzir o número de nascimentos por
casal. Esta conquista é única e excepcional. A TD tem um padrão que se repete,
invariavelmente, da mesma forma em todos os países. Não há exceções. Primeiro
caem as taxas de mortalidade e, depois de certo lapso de tempo, caem as taxas
de natalidade. Este formato foi observado em todas as nações independentemente
da língua, da religião, da localização geográfica ou de qualquer diferenciação
cultural. O que varia, são os níveis históricos das taxas, o momento inicial da
queda, a velocidade do declínio e os níveis finais após o fenômeno
transicional.
O
século XX foi o período, por excelência, da transição demográfica. Mas em
muitos países o inicio da queda da TBM começou no século XIX, enquanto as
quedas mais significativas da mortalidade e da natalidade ocorreram entre 1900
e o ano 2000.
O
gráfico acima mostra que a TD no Brasil, em seus aspectos fundamentais,
aconteceu nos últimos 150 anos e deve alcançar seus estágios finais por volta
das comemorações dos 200 anos da Independência (1822-2022). Nota-se que, nos
primeiros 50 anos após o fim dos laços coloniais com Portugal, as taxas brutas
de natalidade (47 por mil) e de mortalidade (33 por mil) eram muito altas,
especialmente as primeiras, o que propiciava taxas de crescimento vegetativo,
na ordem de 14 por mil (1,4% ao ano). Acrescente a este alto crescimento
vegetativo o fluxo imigratório que aumentava o ritmo de crescimento
demográfico.
Como
o Brasil sempre foi um país de dimensões continentais, com uma densidade
demográfica muito baixa, o crescimento populacional era visto como um fator
positivo para a colonização e a ocupação territorial. Tanto na Colônia, quanto
no Império e na República, o lema dos diversos governos brasileiros era:
“governar é povoar”. Nas duas últimas décadas do século XIX, começou,
inicialmente de forma tímida, a queda da TBM, o que impulsionou o crescimento
vegetativo para quase 2% ao ano, facilitando e reforçando a meta do povoamento.
Entre 1870 e 1930 a TBM caiu de 33 por mil para 26 por mil, enquanto a TBN
variou ligeiramente entre 47 por mil e 45 por mil.
Após
a chamada Revolução de 1930, que deu início ao processo induzido de
industrialização e urbanização, a TBM acelerou a queda e atingiu o nível de 21
por mil em 1945. Mas a queda maior das taxas de mortalidade aconteceriam depois
da Segunda Guerra Mundial, período que propiciou a queda da TBM em todo o
mundo, sendo que a TBM ficou abaixo de 10 por mil em 1965 e atingiu o nível
mais baixo da história nacional (tanto do passado, quanto do futuro) entre os
anos de 2010 e 2012, com o nível mínimo de 6 por mil. A partir de 2013 a TBM
brasileira começou a subir em função do fenômeno do envelhecimento populacional
e deve ficar em 6,5 por mil no ano de 2022. Portanto, a transição da
mortalidade no Brasil já se completou, passando de níveis elevadíssimos, para o
nível mais baixo da história e iniciando uma tendência de leve alta em
decorrência da transição da estrutura etária do país.
Entre
1900 e 1960 a taxa bruta de natalidade ficou praticamente estável, variando
levemente de 46 por mil para 41 por mil. Como a TBM variou de 28 por mil para
12 por mil, houve aceleração do crescimento vegetativo que passou de 1,8% para
2,9% ao ano. Desta forma, as maiores taxas de crescimento demográfico no Brasil
aconteceram nas décadas de 1950 e 1960.
Porém,
ainda nos anos 60, a TBN começou a cair e acelerou o ritmo de queda nas décadas
seguintes. A TBN caiu de 39 por mil em 1965 para 21 por mil no ano 2000 e deve
ficar em 12 por mil em 2022. Segundo as projeções populacionais do IBGE
(revisão 2013) as taxas brutas de mortalidade e natalidade devem alcançar o
equilíbrio em 2042, ambas atingindo o patamar de 9,4 por mil. A partir de 2043
haverá reversão das duas taxas e, consequentemente, a população brasileira
entrará em um período de decrescimento populacional. Ainda segundo as projeções
do IBGE, a TBN deve ficar em 8 por mil e a TBM em 13 por mil em 2060.
O
impacto da TD sobre o volume da população segue o comportamento de uma curva
logística, com baixo crescimento no início, uma aceleração do crescimento num
segundo momento até um ponto de inflexão que leva à desaceleração do
crescimento até a estabilidade e um possível decrescimento.
A população
brasileira era de 4,7 milhões de habitantes quando Don Pedro deu o grito do
Ipiranga, em 1822. Subiu para 9,9 milhões 50 anos depois, quando houve o
primeiro censo brasileiro (em 1872). Chegou a 17,4 milhões de habitantes em
1900, pulou para cerca de 170 milhões de pessoas no ano 2000 e deve ficar em
torno de 215 milhões em 2022. Ou seja, a população brasileira cresceu 46 vezes
nos 200 anos da Independência. Mas o pico populacional deve ser alcançado em
2042, com um volume de 228,4 milhões de habitantes. A partir de 2043 a
população brasileira iniciará uma trajetória de decrescimento, segundo as
projeções (revisão 2013) do IBGE, e deve encerrar o século XXI abaixo de 200
milhões.
Os
determinantes da queda da mortalidade foram a melhora do padrão nutricional, a
melhoria nas condições de higiene e saneamento básico (especialmente água
tratada), com o avanço da medicina e do acesso ao sistema de saúde. Os
determinantes da queda da natalidade foram o aumento da renda, a elevação do
nível educacional, o acesso ao trabalho assalariado com a industrialização e a
urbanização, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a maior autonomia
feminina e a redução das desigualdades de gênero, o aumento e a diversificação
do padrão de consumo, a ampliação do sistema previdenciário, a universalização
do acesso aos métodos contraceptivos e a conquista dos direitos sexuais e
reprodutivos.
A
transição demográfica é um fenômeno sincrônico ao desenvolvimento. De modo
geral, o desenvolvimento socioeconômico contribui para a queda das taxas de
mortalidade e natalidade e, concomitantemente, a transição demográfica
contribui para a decolagem do desenvolvimento na medida em que gera uma
estrutura etária mais favorável ao aumento da demanda agregada. Existe um
processo de retroalimentação entre os dois fenômenos. Toda nação rica – com
alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – passou pela transição demográfica
e pelo bônus demográfico. Aproveitar a janela de oportunidade que surge com a
transição da estrutura etária é uma condição para o enriquecimento nacional
antes do envelhecimento populacional.
O
desafio do Brasil nos próximos anos é aproveitar o bônus demográfico, gerando
condições adequadas para se avançar com as condições de saúde da população, o
estabelecimento do pleno emprego com trabalho decente e a universalização da
educação de qualidade. Tudo isto deve ser feito no escopo de duração da
transição demográfica para alavancar o desenvolvimento. Se nada for feito,
provavelmente, sobrará heteronomia e entropia.
Como
diria o velho Marx (que fez aniversário de 200 anos de nascimento no dia 05 de
maio de 2018), o ser humano e os povos fazem a sua própria história, mas não
segundo uma suposta livre vontade e, sim, sob as condições materiais e
objetivas com que se defrontam cotidianamente.
Os
200 anos da Independência não é o final da linha, mas restará pouco tempo para
o Brasil aproveitar a sinergia que existe entre o desenvolvimento e a transição
demográfica. A sociedade brasileira e o próximo governo (2019-2022) precisarão
fazer um grande esforço para colocar o Brasil no trilho do bem-estar humano e
ambiental, enquanto o tempo ainda for favorável e a demografia ainda tiver gás
para fornecer à economia e ao progresso populacional. (ecodebate)
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