A transição
demográfica e o desenvolvimento econômico são dois fenômenos sincrônicos da
modernidade. O aumento da renda e do bem-estar reduz as altas taxas de
mortalidade e natalidade prevalecentes no passado. De forma determinística, a
transição demográfica transforma a estrutura etária da população, com redução
da base da pirâmide, em um primeiro momento, o aumento da proporção de pessoas
em idade produtiva, em um segundo momento, e uma alta proporção de idosos, em
um terceiro momento. A transição demográfica abre, necessariamente, uma janela
de oportunidade que funciona como um bônus demográfico que, se bem aproveitado,
impulsiona o bem-estar da população.
Desta
forma, o desenvolvimento econômico – por meio do crescimento da renda, da
educação, da geração de emprego com proteção social e da melhoria das condições
nutricionais e de saúde – reduz as taxas de mortalidade em geral, e em especial
a mortalidade infantil, o que leva também à redução das taxas de fecundidade.
Por outro lado, a queda do número médio de filhos por mulher aumenta a
disponibilidade de força de trabalho para a economia e incentiva o
desenvolvimento. Portanto, as transformações econômicas e sociais trazidas pelo
desenvolvimento e as transformações demográficas trazidas pela queda das taxas
de mortalidade e fecundidade são dois fenômenos que se retroalimentam e
contribuem para o avanço dos níveis de satisfação humanos.
Mas, embora
estes dois fenômenos aconteçam simultaneamente no mesmo tempo histórico, a
cronologia e a intensidade variam de país a país. Vejamos quatro exemplos.
Cingapura
foi o país a realizar, de maneira antecipada, a transição da fecundidade mais
rápida da história. A taxa de fecundidade total (TFT) de Cingapura estava acima
de 6 filhos por mulher até 1960, caiu para 5,1 filhos em 1965, para 3,7 filhos
em 1970 e chegou a 1,8 filho em 1980. Em 20 anos a TFT de Cingapura passou de
mais de 6 filhos para menos de 2 filhos. Nestes 20 anos, a renda per capita
passou de US$ 4,4 mil em 1960 para US$ 17 mil em 1980, um crescimento muito
rápido em apenas duas décadas. Mas, o processo não foi interrompido, e enquanto
a TFT se manteve bem abaixo do nível de reposição, a renda per capita subiu
para US$ 65,3 mil em 2015, fazendo de Cingapura um dos países mais ricos do
mundo e um dos principais exemplos de sucesso no aproveitamento do bônus
demográfico.
Na Arábia
Saudita o processo foi diferente. A renda per capita saudita cresceu muito na
década de 1970 devido ao aumento do preço do petróleo e o país se enriqueceu muito,
enquanto mantinha taxas de fecundidade acima de 7 filhos por mulher. Na década
de 1980, com a Guerra contra o Iraque e a queda do preço do petróleo a renda
per capita se reduziu para menos da metade, embora continuasse uma renda alta
para o padrão internacional. Foi neste momento que a TFT começou a cair, embora
em ritmo bem mais lento do que em Cingapura. Atualmente, a Arábia Saudita é um
país de alta renda e que caminha para uma taxa de fecundidade abaixo do nível
de reposição, mantendo verdadeira a relação inversa entre renda e fecundidade.
Mas a forma e o ritmo como se deu a relação entre o desenvolvimento econômico e
a transição demográfica é única.
A Tailândia
é conhecida como uma nação que fez a transição da fecundidade num estágio de
baixo desenvolvimento econômico, baixa renda e baixa urbanização. Em 1950, a
renda per capita da Tailândia era de somente US$ 1,22 mil e caiu para US$ 1,16
mil em 1960 (a renda per capita do Brasil era de US$ 4,4 mil em 1960), enquanto
a TFT estava acima de 6 filhos por mulher. Em 1970, a renda per capita
tailandesa chegou a US$ 2,4 mil (muito abaixo da renda per capita brasileira
que estava em US$ 6 mil). Mas, embora com renda baixa e com precário grau de
desenvolvimento, a transição da fecundidade começou de maneira acelerada e o
número médio de filhos por mulher caiu de 6 em 1970 para 3,9 filhos em 1980 e
1,99 filho em 1995. Foi exatamente depois da transição da fecundidade que a
renda per capita se acelerou e ultrapassou a renda per capita brasileira em
2015. A renda per capita da Tailândia só cresceu depois do surgimento do bônus
demográfico.
No caso
brasileiro, a renda per capita cresceu bastante na década de 1950 enquanto a
taxa de fecundidade se mantinha acima de 6 filhos por mulher. Mas com o chamada
“milagre brasileiro” (período de maior crescimento da história brasileira), o
aumento da renda ocorreu conjuntamente com a queda da TFT. Nos anos de 1980 –
conhecidos como a década perdida – a renda per capita ficou estagnada, mas a fecundidade
continuou caindo. Na primeira década do século XXI houve um crescimento da
renda per capita em relação às duas décadas anteriores e a TFT continuou
caindo. Já na segunda década do atual século a renda voltou a ficar estagnada e
a TFT, que já estava abaixo do nível de reposição, manteve a trajetória de
queda.
O que estes
quatro exemplos mostram é que existe uma alta correlação entre aumento da renda
per capita e a queda da fecundidade, mas estes dois fenômenos possuem dinâmicas
próprias nos diversos países, sendo que o desenvolvimento ajuda na queda da
fecundidade e a queda da fecundidade ajuda o desenvolvimento. O que a história
mostra ser inexistente é o desenvolvimento econômico com a manutenção de altas
taxas de fecundidade no longo prazo.
Portanto,
respeitar os direitos sexuais e reprodutivos e garantir a redução do tamanho da
prole é um imperativo para a decolagem do desenvolvimento econômico.
(ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário