População idosa no Brasil
aumenta ano a ano, mas as políticas públicas não.
A população idosa no Brasil
aumenta progressivamente a cada ano, mas será que as políticas públicas
acompanham o ritmo?
Há 15 anos, comemorar o Dia
do Idoso faz muito mais sentido. A data, 1º de outubro, também coincide com a
aprovação da lei 10.741, que em
2003 estabeleceu o Estatuto do Idoso brasileiro.
Desde então, negligência, discriminação, violência de diferentes tipos, maus
tratos e opressão contra o idoso tornaram-se crimes passíveis de punição. Além
disso, o estatuto aumentou o conhecimento e a percepção dos idosos sobre seus
direitos e possibilitou que pessoas com mais de 60 anos tivessem prioridade em
situações básicas, como uma fila no mercado, um atendimento preferencial em uma
agência bancária ou um assento reservado em transportes públicos, por exemplo.
No entanto, apesar de importantes conquistas, o Estatuto foi pensando e criado
quando no Brasil contabilizava 15 milhões de idosos, em um diferente cenário
epidemiológico e com uma expectativa de vida menor. Atualmente, os idosos
representam 14,3% dos brasileiros, ou seja, 29,3 milhões de pessoas. E, em
2030, esse número deve ultrapassar o de crianças e adolescentes (de zero a 14
anos). Em sete décadas, a média de vida do brasileiro aumentou 30 anos saindo
de 45,4 anos, em 1940, para 75,4 anos, em 2015. Fatores que demonstram a
iminente necessidade de construção e adequação de novas políticas públicas para
fortalecer a saúde do idoso.
Os dados são do Estudo Longitudinal
da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), divulgado pelo
Ministério da Saúde na segunda-feira (01/10). A pesquisa foi coordenada
pelo Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Minas
Gerais e em sua primeira etapa, participaram da pesquisa pessoas com 50 anos ou
mais, entre os anos 2015 e 2016, em 70 municípios nas cinco regiões do país. A
idade de 50 anos foi utilizada devido ao interesse em analisar o período de
transição do momento produtivo para o início da aposentadoria dos idosos (60
anos ou mais). Entres os dados revelados, tem destaque o que mostrou que quase
40% dos idosos possuem uma doença crônica e 29,8% possuem duas ou mais, como
diabetes, hipertensão ou artrite. Ou seja, ao todo, cerca de 70% dos idosos
possuem alguma doença crônica. De acordo com pesquisas anteriores promovidas
pelo Ministério da Saúde, 25,1% dos idosos têm diabetes, 18,7% são obesos,
57,1% têm hipertensão e 66,8% têm excesso de peso. As doenças crônicas não
transmissíveis também são responsáveis por mais de 70% das mortes do
país. No entanto, Dalia Romero, pesquisadora em saúde pública do
Laboratório do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
em Saúde (Icict – Fiocruz), com experiência na área envelhecimento e saúde do
idoso, explica que o que esses indicadores mostram são problemas comuns na
terceira idade. “A maior parte das doenças crônicas, problemas na coluna,
atingem grande parte dos idosos no mundo. Além disso, o fato de as doenças
crônicas estarem como os principais problemas de saúde deixa implícito que não
estão preponderando as doenças infectocontagiosas, pois essas sim diminuem a
expectativa de vida. Claro que desejaríamos que diminuíssem as taxas de doenças
crônicas e, nesse caso, o papel da Atenção Básica é fundamental e tem como
desafio fazer com que esse grupo viva bem apesar das doenças crônicas”, avalia
Dalia ao dar destaque a importância da Atenção Básica para esse grupo.
Dependência do SUS
E é no Sistema Único de Saúde
(SUS) que a maior parte desses idosos procuram atendimento. O Elsa-Brasil
apontou que 75,3% dos idosos brasileiros dependem exclusivamente dos serviços
prestados no SUS, sendo que 83,1% realizaram pelo menos uma consulta médica nos
últimos 12 meses. “Tem alguns estudos que mostram o impacto positivo do aumento
do investimento da Atenção Básica com a redução do número de internações, já
que muitas doenças podem ser tratadas em casa com acompanhamento”, afirma
Dalia. Porém, segundo a especialista, a grande ameaça que paira sobre a saúde
do idoso e de toda população é o desmonte do SUS e “automaticamente o fim do
projeto de envelhecimento saudável”. “Boa parte do crescimento do SUS vem com a
atenção primária. A equipe multidisciplinar que temos em nossa atenção primária
não existe no setor privado para essa fase da vida. O setor privado optou por
um modelo que é basicamente contra o envelhecimento saudável. Não tem uma rede
de suporte, de atendimento domiciliar, é muito especializada e cada vez menor”.
Daniel Groisman, coordenador
do curso de cuidador de idoso da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJ/Fiocruz), concorda: “O que a gente vê é a Atenção Básica sendo
desmantelada com a demissão de muitos trabalhadores, enxugamento das equipes,
serviços que estão funcionando com precariedade. Se o básico não está
funcionando, como é que você vai conseguir superar desafios como, por exemplo,
o envelhecimento populacional?”.
Para Dalia, o SUS é
fundamental para esse processo de envelhecimento saudável. “Quando se rompe com
o Estado de Bem-Estar Social, o pensamento é de que não vamos e nem queremos
sustentar uma pessoa que tenha algum tipo de fragilidade. Isso vale para todos,
não somente para os idosos. Se o Estado reduz recurso para a saúde e para
educação, é uma forma de se comprometer com a morte prematura. Um bom programa
de envelhecimento gera gasto, mas é impossível pensar nisso sem recursos”,
argumenta a pesquisadora. Por outro lado, Dalia explica que muitos gastos
poderiam ser reduzidos evitando o número de internações. “A alta complexidade
suga muitos recursos e isso seria evitado com uma Atenção Primária bem
estruturada. Ao mesmo tempo, o setor privado, que quer tomar conta da saúde,
não está interessado na Boa morte, que pressupõe dar suporte à última fase da vida,
diminuir o número de internação e dar qualidade de vida”, lamenta e ainda
alerta para os riscos da Emenda Constitucional 95 para a saúde da pessoa idosa:
“A EC 95, ao dar
prioridade ao pagamento de juros o setor privado, mostra claramente que não se
quer que as pessoas vivam muito”.
Groisman é enfático quando
fala sobre os obstáculos: “Quando se pensa no desafio do envelhecimento
populacional, um lado envolve a adequação da rede de serviços, a ampliação do
acesso, mas o outro lado envolve a questão dos cuidados que acontecem nas
famílias, no domicílio, na comunidade. O olhar sobre os cuidadores corresponde
a essa preocupação”, explica. E completa: “A redução da participação do Estado
nas políticas voltadas para o bem-estar social, na promoção da saúde e das
condições de vida está cada vez mais reduzida. E quem são os idosos? São,
historicamente, um segmento da população que produz menos, que dentro de uma
sociedade capitalista são as pessoas que estão no limite da sua capacidade
produtiva ou já não possuem uma capacidade produtiva. Então, o desafio é grande
porque num cenário de crise e de austeridade esse é um grupo que tende a ser
mais vulnerável, a ser visto como dispensável, e quem vai querer investir em
cuidado, em dignidade para eles? Por outro lado, negligenciar os idosos é um
retrocesso civilizatório”, lamenta.
Legislação bem documentada,
mas pouco implementada?
Mesmo com tais dificuldades e
desafios, o Brasil é reconhecido mundialmente quando se trata de documentos e
legislação para a pessoa idosa. Previamente ao Estatuto, já vigorava no Brasil
a Política Nacional do Idoso, que virou lei em janeiro de 1994. Ao longo dos
anos outras políticas, documentos e programas voltados à pessoa idosa foram
criadas. Em fevereiro de 2006, foi publicado o documento das Diretrizes do
Pacto pela Saúde que contempla o Pacto pela Vida .
Neste documento, a saúde do idoso aparece como uma das seis prioridades
pactuadas entre as três esferas de governo, sendo apresentada uma série de
ações que visam, em última instância, à implementação de algumas das diretrizes
da Política Nacional de Atenção à Saúde do Idoso, aprovada no mesmo ano.
Em 2018, a Comissão de Defesa dos Direitos
da Pessoa Idosa, da Câmara dos Deputados, criou uma subcomissão para
atualizar e aprimorar o texto vigente do Estatuto do Idoso. O grupo analisa 134
projetos que em sua maior parte tratam de mobilidade, acesso à moradia, saúde,
direitos humanos e questões relacionadas a trabalho, emprego e assistência
social. Os trabalhos devem ser concluídos em novembro. “Em relação as
política públicas, o Brasil está na frente de muitos países. Também possui
dispositivos como a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa,
que está sendo implantada na Atenção Primária como um instrumento de
empoderamento”, elogia Dalia, que acrescenta: “O Brasil é signatário, por
exemplo, do Plano Mundial de Envelhecimento,
que é muito importante. No entanto, esses tratados não são vinculantes. Mas as
políticas que temos aprovadas são muito mais importantes, como o Estatuto, que
geram direitos”.
Daniel é mais reticente nessa
comemoração. “O Brasil avançou muito na legislação no papel, mas pouco na
prática. Temos belos documentos, há um belo material de propaganda inclusive,
mas não necessariamente está acompanhado da efetiva implantação de uma linha de
cuidado a qual demanda o âmbito de investimento e de estruturação dos serviços
muito mais abrangente do que orientações e treinamentos ou protocolo”, afirma.
Para Daila, o que falta é
vontade política. “Eu não gostaria de falar que é pouco implementada, mas sobre
por que há dificuldade de implementar uma política. Temos que ressaltar o
esforço que temos, as ações. Um grande exemplo é o Estatuto, que diz que todo
idoso tem direito a acompanhante , e isso o Brasil cumpre. Quando se interna
pelo SUS, o acompanhante também é pago pelo SUS. Também conseguimos muitos
avanços para incorporar o idoso em diversas áreas, como a acessibilidade, a
prioridade… Mas a grande dificuldade é política, pois depende muito de ações
locais. Quanto mais o orçamento do SUS depender da arbitrariedade para
sua utilização, quando menos seja realocado para diversas atividades,
teremos mais dificuldade na implementação”.
Papel da Educação
Profissional no cuidado ampliado
Para além da saúde, o estudo
também apontou que 85% da população com 50 anos ou mais vivem em áreas urbanas.
E entre os relatos sobre os hábitos de comportamento, 43% dos idosos
acompanhados pela pesquisa disseram ter medo de cair na rua, revelando que para
dar qualidade de vida a esse grupo é necessário muito mais do que ações
voltadas simplesmente para o processo saúde-doença. É preciso também
estratégias de formação dos profissionais que irão lidar com esse público.
Daniel Groisman explica o importante papel da educação profissional nesse
cenário. “A qualificação profissional está definida como uma das estratégias
necessárias tanto para a efetivação da Política Nacional, quanto para a garantia
dos direitos da pessoa idosa prevista no Estatuto, já que para a efetivação
dessas políticas é necessário que os trabalhadores tenham formação adequada
para o atendimento à população idosa. Além disso, essa legislação já prevê essa
qualificação como uma das estratégias principais para sua própria efetivação”,
afirma.
Nesse sentido, Groisman
destaca o trabalho que a EPSJV/Fiocruz desempenha desde 2007 com o Curso de Qualificação Profissional no
Cuidado a Pessoa Idosa. Segundo o professor, quando começou, o curso
tinha a carga horária de 160 horas, passando para 200 horas em 2008. Em 2018,
foi feita uma atualização do currículo, aumentando a carga horária para 240
horas. “Fizemos isso não só para fortalecer a abordagem de determinados
conteúdos e incluir alguns outros, mas também para encaixar o curso na
modalidade de ‘Qualificação Profissional no Cuidado à Pessoa Idosa’ dentro da
legislação do MEC”, conta. Mas o professor também destaca que a temática
permeia todas as formações oferecidas pela Escola.
“A qualificação profissional
relacionada a essa temática do envelhecimento atravessa diversos dos nossos
cursos, desde os de formação inicial e continuada, como os cursos para
cuidadores de pessoa idosa e da saúde mental, até os cursos técnicos como, por
exemplo, a formação dos agentes comunitários de saúde. Aparece também em
pesquisas de mestrado profissional, porque o processo de envelhecimento é uma
questão transversal a toda sociedade brasileira. Os idosos estão presentes nos
diversos serviços e nesse sentido todos os trabalhadores que, de alguma forma,
lidam com a população e, sobretudo no campo da saúde, devem receber algum tipo
de formação relacionada a essa questão”. (ecodebate)
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