As
emissões brasileiras de gases de efeito estufa caíram 2,3% em 2017 em
comparação com o ano anterior.
Emissões de gases de efeito estufa do Brasil –
Redução do desmatamento na Amazônia puxou queda, que foi parcialmente cancelada
por aumento da destruição no Cerrado, indicam dados do SEEG, sistema do
Observatório do Clima, em sua 6ª edição.
As
emissões brasileiras de gases de efeito estufa caíram 2,3% em 2017 em
comparação com o ano anterior. O país emitiu 2,071 bilhões de toneladas brutas
de gás carbônico equivalente (CO2e1) no ano passado, contra 2,119
bilhões de toneladas em 2016.
Os
dados, inéditos, são da sexta edição do SEEG (Sistema de Estimativas de
Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima, lançada dia
21/11/18 em São Paulo.
A
queda foi puxada pela redução da taxa de desmatamento na Amazônia. No ano
passado, a destruição da floresta recuou 12%, na esteira da retomada da
fiscalização do Ibama. As emissões brutas por perda de floresta na Amazônia
caíram de 601 milhões de toneladas de CO2e no ano retrasado para 529
milhões em 2017. Isso fez as emissões por mudança de uso da terra, setor que
responde por quase metade do total nacional de gases-estufa, recuarem 5,5% em
2017.
Esse
recuo poderia ter sido maior não fosse o aumento de quase 11% no desmatamento
no Cerrado no mesmo período, o que elevou as emissões de gases-estufa no
segundo maior bioma do Brasil de 144 milhões para 159 milhões de toneladas de
CO2e.
Quase
todos os outros setores da economia também tiveram aumento nas emissões em
2017, ano em que o Brasil começou a sair da pior recessão de sua história. A
elevação mais expressiva (4%) foi no setor de processos industriais, que saiu
de 95,6 milhões de tCO2e para 99 milhões de tCO2e. O
setor de energia viu suas emissões subirem mais discretamente, cerca de 2%, de
424 milhões para 431 milhões de t CO2e. O setor de resíduos teve
alta de 1,5% (de 89 milhões para 91 milhões de t CO2e), mas suas
emissões absolutas são as menores: apenas 4% do total nacional. O setor de
agropecuária, que responde por 24% das emissões do Brasil, oscilou para baixo
0,9%. Suas emissões totais caíram de 500 milhões para 495 milhões de tCO2e.
“Desde 2010 as emissões estão patinando no mesmo nível, por um
misto da conjuntura econômica e da gangorra do desmatamento, que parou de dar
sinais consistentes de queda após 2012”, disse Tasso Azevedo, coordenador
técnico do SEEG. “Apesar da redução do desmatamento na Amazônia, houve aumento
no Cerrado e depois de dois anos de queda as emissões dos outros setores
voltaram a crescer. As emissões brutas per capita do Brasil ainda são maiores
que a média mundial, muito longe do necessário para estabilizar o aquecimento
global em menos de 2oC como previsto no Acordo de Paris e, assim,
limitar as mudanças climáticas já em curso que estão colocando todo o planeta
em alerta.”
Emissões de gases do efeito estufa por estado do Brasil em 2017.
“O combate ao desmatamento é uma questão urgente que precisa de
políticas públicas efetivas e uma população consciente. A destruição de nossos
ecossistemas está fortemente atrelada à agropecuária, que é justamente o setor
a sofrer primeiro os eventos climáticos extremos provocados pelo aquecimento
global, como estiagem prolongada e chuvas torrenciais”, afirma André Ferretti,
gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza e coordenador geral do Observatório do Clima.
Carlos
Rittl, secretário-executivo do OC e membro da Rede de Especialistas em
Conservação da Natureza, celebra a queda nas emissões com uma nota de cautela
sobre o novo governo, que se elegeu prometendo reduzir controles sobre o
desmatamento. “Em 2017, o Brasil reforçou o combate ao crime ambiental e
reduziu emissões, enquanto aumentou a produção de alimentos e retomou o
crescimento da economia. Mas nossas florestas e nossas emissões são muito
sensíveis aos ventos da política”, disse. “Chegaremos ao início de 2019 em
alerta: o risco de redução do combate aos crimes ambientais pelo próximo
governo já fez o desmatamento na Amazônia voltar a subir. Ruim para as
florestas, e para a imagem do país que se candidatou a sediar a mais importante
conferência global de clima do próximo ano, a COP25.”
Confira abaixo os
principais destaques do SEEG:
Agropecuária
*A
atividade agropecuária é a principal responsável pelas emissões brasileiras de
gases de efeito estufa. Somando-se as emissões indiretas, por desmatamento, e
as diretas, principalmente pelo metano do rebanho bovino o
agronegócio responde por 71% das emissões totais do país, quase
1,5 bilhão de toneladas de CO2.
*Se fosse um país, o
agro brasileiro seria o oitavo maior emissor do mundo, à frente do Japão2.
*Em 2017, as emissões
diretas do setor caíram principalmente por conta do rebanho bovino, marcado pelo acentuado
abate de animais devido aos baixos preços. A lenta saída da recessão aumentou o
consumo de carne e o número de bois mais jovens nos pastos, o que reduz as
emissões de metano. O rebanho bovino brasileiro diminuiu 1,5% em 2017 na
comparação com o ano anterior, recuo acompanhado de aumento de 4% nos abates e
7% nas exportações de carne. No ano de 2016, o inverso ocorreu: a crise reduziu
o consumo e aumentou o número de animais mais velhos, que emitem mais.
Pesquisadores
do Imaflora, que fazem as contas das emissões do setor agropecuário, também
calcularam quais seriam as emissões do setor caso o carbono emitido pelos solos
em pastagens degradadas fosse computado – os inventários oficiais de emissões
do Brasil não consideram essas emissões. A má notícia é que as
emissões seriam 36% maiores caso o carbono de pastos degradados e lavouras
convencionais entrasse na conta.
A
boa notícia é que florestas plantadas, pastos bem manejados e sistemas
integrados de lavoura, pecuária e floresta vêm removendo cada vez mais carbono
do ar e fixando-o no solo. Se esse sequestro fosse
considerado, mesmo com as emissões altas dos pastos degradados, o Brasil teria
emissões líquidas 10% menores no setor agropecuário. É o menor
patamar de emissões líquidas já registrado pelo SEEG para o setor.
“Isso mostra que existe um caminho real e lucrativo de
sustentabilidade para o agronegócio. É possível dobrar a produtividade e
reduzir as emissões em 25% com difusão de tecnologias já existentes”, disse
Marina Piatto, coordenadora de Clima e Agropecuária do Imaflora. “Mas o setor
precisa trilhar esse caminho de vez e olhar para o futuro, sem retrocessos.”
Veja
as taxas de emissão do Brasil desde 90.
Os
dados foram capturados com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito
Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Ele informa as emissões brasileiras de
gases causadores do aquecimento global anualmente, desde 1970.
Energia
*O
setor de energia, que acompanha de perto o PIB, interrompeu o comportamento de
queda gerado pela crise econômica, observado em 2015 e 2016 (ano em que as
emissões caíram 7%).
*O transporte é o
principal emissor do setor de energia (209 milhões de toneladas de CO2e,
ou 48%),
seguido pelo consumo energético na indústria (66 milhões de toneladas 15%) e pela
geração de eletricidade (59 milhões de toneladas, ou 14%).
*As emissões
provenientes da geração de eletricidade tiveram a maior porcentagem de aumento
(7%),
devido a uma nova queda da geração de energia em hidrelétricas, com o
consequente aumento da geração termoelétrica a combustível fóssil (9%). Apesar
disso, as fontes renováveis não hídricas (eólicas, térmicas a biomassa e
solares) continuam subindo de maneira consistente e estão praticamente
“empatadas” em geração com as fontes fósseis: em 2017, a termoeletricidade
fóssil supriu 107 TWh da demanda brasileira, enquanto as renováveis não
-hídricas supriram 94 TWh.
“A nova coleção do SEEG continua a demonstrar a predominância da
atividade de transporte, sobretudo rodoviário de cargas e individual de passageiros,
nas emissões do setor de energia”, disse David Tsai, pesquisador do Instituto
de Energia e Meio Ambiente, organização que produziu os cálculos dos setores de
Energia e Processos Industriais.
Desmatamento
O
setor de mudanças de uso da terra, ou MUT, emitiu em 2017 46% do total das
emissões de gases estufa do Brasil: foram 955 milhões de
toneladas brutas de CO2 equivalente em 2017.
Depois
de dois anos seguidos de alta (2015 e 2016) a queda
no desmatamento da Amazônia não foi capaz de reverter as emissões ao mesmo
patamar de 2014 (940 milhões de toneladas) e poderia ter sido uma queda ainda
maior não fosse o aumento do desmatamento no Cerrado que
afetou o cômputo geral.
O
SEEG está ajustando a maneira como calcula emissões por desmatamento. Até 2016,
eram usados os dados do monitoramento anual da Amazônia, o Prodes, do INPE, e
na Mata Atlântica os dados do Atlas de Remanescentes produzido pela SOS Mata
Atlântica em parceria com INPE. Para os demais biomas – que não possuíam
monitoramento anual – as taxas de desmatamento eram extrapoladas a partir do
último ano com dados disponíveis, que tinham defasagem muitas vezes superior a
cinco anos.
Agora
são usados para os outros biomas dados do projeto MapBiomas, que tem
informações sobre todas as mudanças de cobertura vegetal do Brasil desde 1985.
Isso aumenta a precisão, mas também demanda ajustes em toda a série histórica
de emissões. Por exemplo, em 2015, o desmatamento na Amazônia aumentou, mas as
emissões brutas por MUT caíram para seu patamar mais baixo – 886 milhões de
toneladas – graças à redução do desmate no Cerrado.
“Pela primeira vez estamos tendo a oportunidade de entender a
dinâmica de uso do solo no Brasil nas últimas décadas e em todas as suas
nuances e descobrindo que a devastação da Amazônia só conta parte da história
para o clima”, disse Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia). Ela destacou também o papel das florestas
secundárias e das áreas protegidas, como unidades de conservação e terras
indígenas, em remover carbono da atmosfera. A chamada “emissão líquida” do
setor, que desconta o carbono retirado do ar por áreas protegidas e florestas
que rebrotam, foi de 426 milhões de toneladas de CO2 equivalente
em 2017. “Num cenário em que essas áreas são questionadas fica ainda mais
importante o papel delas.”
As
remoções por regeneração da vegetação nativa podem ser bem maiores do que se
estimou até agora. Com base dos dados do MapBiomas, a equipe do OC produziu
uma versão teste do cálculo dessas remoções e elas podem ser mais do que o
dobro do estimado nos dados oficiais. Ao longo dos próximos meses esse novo
método de cálculo passará por validação para que possa ser incorporado às
próximas coleções do SEEG.
Resíduos
O
setor de resíduos emitiu 91 milhões de toneladas de CO2 equivalente
em 2017, um aumento de 1,5%. A disposição de resíduos sólidos urbanos (lixo) é
o principal responsável pelas emissões do setor (52%), seguida do tratamento de
efluentes líquidos (47%).
O
setor é historicamente sensível às variações do PIB e teve reduções em suas
emissões durante a recessão. O maior aumento percentual das emissões em 2017
ocorreu no tratamento de efluentes (1,6%), na esteira da lenta recuperação da
economia.
“Em 2017, também vimos as taxas de geração de resíduos sólidos
urbanos aumentarem em comparação com a redução observada em 2016 devido ao
início de uma retomada econômica”, disse Íris Coluna, pesquisadora do ICLEI
América do Sul para o SEEG e assistente de projetos. “O que percebemos com a
nova análise desse ano para o nível municipal é que somente 20% dos municípios
no Brasil coletam e tratam mais de 50% de seus efluentes líquidos domésticos.
Os dados deste ano mostram que as medidas para ampliar o acesso ao saneamento e
reduzir emissões no setor ainda são insuficientes e avançam em ritmo lento.”
Municípios
Pela
primeira vez no Brasil, o SEEG fez uma estimativa de emissões alocadas por
município. O cálculo, uma prova de conceito, foi feito para todos os 646
municípios do Estado de São Paulo, cobrindo o período de 2007 a 2015, e revelou
realidades muito díspares. O município de Alumínio, por exemplo, emite por
pessoa 71 toneladas de CO2 por ano, sete vezes mais do que a média
do Brasil e dez vezes mais do que a média mundial. O aluminense médio causa
mais aquecimento global do que um cidadão do Qatar, o país com maior emissão
per capita do mundo.
No
outro extremo estão os moradores de Francisco Morato e Rio Grande da Serra, que
emitem menos do que os habitantes dos países mais pobres do mundo: 700 quilos
por ano.
O
município de São Paulo é disparado o maior emissor com 20 milhões de tCO2e
em 2015, o que é mais que vários Estados, como Piauí e Paraíba. Já as emissões
per capita são relativamente baixa (2 tCO2e/habitante) dado a grande
concentração populacional na cidade.
Bruto
ou líquido?
Há
duas maneiras de reportar os dados de emissão do país: pode-se falar em
emissões brutas (ou seja, o total que efetivamente vai para a atmosfera como
produto de ações humanas) ou líquidas, em que se subtrai dessa conta o carbono
retirado da atmosfera por ações humanas como a restauração de florestas.
O
IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, autoriza os países a descontar de
sua contabilidade as chamadas remoções antropogênicas. O Brasil faz isso,
considerando “antropogênicas” as remoções de CO2 por unidades
de conservação e terras indígenas. Estima-se um fator de remoção e
multiplica-se esse fator pela área florestal em TIs e UCs. O resultado é uma
“deflação” que pode chegar a centenas de milhões de toneladas de CO2 equivalente
nos inventários nacionais de emissão.
Os
técnicos do SEEG consideram essa contabilidade problemática, já que não há
nenhuma garantia de que as florestas nessas áreas protegidas, em sua maioria
florestas tropicais maduras, estejam de fato removendo carbono nessa
quantidade. Por exemplo, o fator de remoção usado no Terceiro Inventário
Nacional, de 2016, difere do segundo, de 2010, o que torna as remoções do
Segundo Inventário quase três vezes maiores.
Por
essa razão, o OC prefere apresentar os dados do SEEG em remoções brutas,
embora, por transparência e comparabilidade, sempre publique também as emissões
líquidas. Em 2017, as emissões brutas do Brasil foram de 2,070 bilhões de
toneladas de CO2e, e as líquidas, de 1,541 bilhão de toneladas.
1 CO2e é a soma de todos os gases de efeito estufa
“convertidos” no potencial de aquecimento do gás carbônico, o gás de efeito
estufa mais abundante, 1 tonelada de metano, por exemplo, equivale a 28
toneladas de CO2e.
2 O Japão emite 1,3 bilhão de toneladas de CO2e ao ano,
segundo dados do CAIT/WRI. (ecodebate)
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