Dois problemas
antagônicos coexistem no Brasil, o desperdício de alimentos e a insegurança
alimentar.
A fome não deixou de ser um problema no Brasil. A
convivência mútua do desperdício de alimentos com a insegurança alimentar.
Apesar de o Brasil ter
saído do Mapa da Fome, dois problemas ainda persistem quando se trata de
analisar a situação alimentar do brasileiro: o desperdício e a insegurança alimentar. O alerta é
feito por Gustavo Porpino, coordenador do projeto “Diálogos Setoriais União Europeia
– Brasil sobre desperdício de alimentos”, realizado a partir de
uma parceria entre a Embrapa e a Fundação Getulio Vargas – FGV.
Segundo ele, cada brasileiro desperdiça em média 40
quilos de alimentos por ano, e o desperdício está
associado a “fatores comportamentais, tais como planejar a compra e a refeição,
não comprar alimentos em excesso, organizar bem a geladeira e a despensa,
reaproveitar as sobras das refeições e, principalmente, substituir a cultura do
‘é melhor sobrar do que faltar’ por hábitos mais frugais”.
Nesse contexto, informa, outro problema chama
atenção: a insegurança
alimentar ainda atinge aproximadamente 22% da população
brasileira. “Quando a análise passa a ser mais local, e não nacional, vemos que
muitos municípios ou estados permanecem com mais de 5% da população em insegurança
alimentar grave, o limite utilizado para o país constar ou não no Mapa
da Fome. Em uma análise regional, se fossem considerados
países, as regiões Norte e Nordeste ainda
estariam no Mapa da Fome da última vez que a insegurança alimentar foi mensurada
no Brasil”, adverte.
Ele diz ainda que os últimos dados sobre
insegurança alimentar no país demonstraram que em “2013, 20% da população
rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar
moderada ou grave, um dado alarmante, ainda mais se levarmos em conta este
aparente paradoxo de a insegurança alimentar ser maior para as famílias que
estão mais próximas da produção de alimentos. Temos o caso do Maranhão,
por exemplo, com índice de insegurança alimentar de 60%, percentual bem acima
da média nacional, e estados do Sul, como Santa
Catarina, com índices bem melhores”.
Perdas e desperdícios de alimentos: um desafio para
o desenvolvimento sustentável.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU
On-Line por e-mail, Gustavo Porpino enfatiza
que embora tenha havido uma melhora nos índices de segurança alimentar entre
2000 e 2013, não existe “um diagnóstico abrangente sobre segurança
alimentar no Brasil há
seis anos, o que é preocupante se considerarmos que somos um dos maiores
players do setor agropecuário mundial”.
A seguir, o pesquisador comenta as metas e as
propostas do Brasil para enfrentar o desperdício e
a insegurança
alimentar, e pontua que o maior desafio para combater esses
problemas está atrelado à possibilidade de “conseguir posicionar o tema
segurança alimentar na agenda político-institucional com a importância
merecida. Também precisamos fortalecer a visão de longo prazo, com políticas de
Estado que consigam perpassar as frequentes mudanças que ocorrem, por exemplo,
nos ministérios”, diz. Esse tipo de medida, explica, ainda é mais urgente
quando estudos demonstram que “o mundo caminha para o aumento do desperdício em
vez da redução”.
Gustavo
Porpino é graduado em Jornalismo e mestre em Administração pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, e doutor em Administração
pela Fundação Getulio Vargas – FGV-EAESP. Atualmente é analista da Secretaria
de Inovação da Embrapa e liderou projeto dos Diálogos Setoriais União Europeia
– Brasil sobre desperdício de alimentos. Foi pesquisador visitante da
Universidade Cornell, onde realizou pesquisas sobre comportamento de consumo de
alimentos, e durante o doutorado pesquisou o desperdício de alimentos em
famílias de classe média baixa. É idealizador da iniciativa Sem Desperdício,
uma parceria da Embrapa e WWF Brasil com
apoio da FAO, lançada em 2016 para ampliar a consciência dos consumidores
urbanos sobre o desperdício de alimentos.
A produção e o consumo
sustentáveis de alimento não são apenas uma moda passageira, mas duas áreas que
demandam a aplicação do conhecimento científico para ampliar a oferta de
alimentos com menor impacto ambiental. Em um mundo que enfrenta mudanças climáticas
e escassez de recursos naturais, e ainda convive com o flagelo da insegurança
alimentar, a redução das perdas e do desperdício de alimento deve ser uma
prioridade global.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como
foi feita a pesquisa sobre o desperdício de alimentos no Brasil, a qual mostra
que o brasileiro joga, em média, mais de 40 quilos de comida no lixo por ano?
Gustavo Porpino – A pesquisa faz parte dos Diálogos Setoriais União Europeia
– Brasil, um instrumento de cooperação entre os Estados-membros
da União
Europeia e o Brasil em
temas de interesse mútuo e alinhados com desafios globais. A Embrapa e
a Fundação
Getulio Vargas planejaram a pesquisa e conseguimos ter um
retrato representativo da população brasileira sobre o quanto se desperdiça nos
lares brasileiros, quais os alimentos mais desperdiçados e quais fatores
comportamentais contribuem para que o desperdício ocorra. O estudo foi dividido
em três fases. Após a primeira fase qualitativa, na qual foram entrevistados
consumidores em feiras livres e supermercados sobre hábitos de consumo de
alimentos, aplicamos um questionário com 1.764 famílias e, dessa amostra, 686
preencheram um diário alimentar, no qual foi reportado ao longo de até uma
semana quais alimentos eram desperdiçados. O interessante é que usamos uma
plataforma móvel e os respondentes puderam fazer upload das fotos dos alimentos
desperdiçados.
O fato
de o Brasil ter saído do Mapa da Fome deve ser louvado, mas não significa que a
fome deixou de ser um problema – Gustavo Porpino.
IHU On-Line – O que
esse indicativo de 40 quilos de comida desperdiçada representa, especialmente
considerando o quadro de desigualdades no país? Esse percentual é considerado
elevado se comparado a outros países?
Gustavo Porpino – Se considerarmos que foi mensurado apenas o desperdício que
ocorre nos domicílios, e não estamos computando os alimentos
desperdiçados nas refeições feitas fora do lar, temos um indicativo de que
a família brasileira típica desperdiça uma quantidade de comida semelhante às
famílias dos países mais ricos da Europa, ou mesmo
dos Estados
Unidos, por exemplo. Para termos um índice de desperdício
de alimentos global para comparar diferentes países,
teríamos que utilizar a mesma metodologia de mensuração. Países europeus que
utilizam análises do lixo domiciliar para quantificar o desperdício tendem a
reportar desperdício acima de 40 Kg por habitante ao ano.
No Brasil, a
aplicação desse método não é viável para uma pesquisa de abrangência nacional.
Para o Brasil, mais do que sabermos com precisão o quanto é perdido ou desperdiçado nas
diferentes etapas da cadeia agroalimentar, o mais relevante é pôr em prática
ações para mudar positivamente os comportamentos que levam ao desperdício na
etapa de consumo. A convivência mútua do elevado desperdício com a insegurança
alimentar que persiste em algumas regiões brasileiras
aponta para uma oportunidade perdida. Não necessariamente reduzir o desperdício
de alimentos contribui com o combate à fome, mas ao
ampliarmos a oferta de alimentos por meio da redução das perdas e do
desperdício, surgem oportunidades de direcionarmos o excedente para a população
mais necessitada. Aliar o combate ao desperdício de
alimentos com as iniciativas de fortalecimento da
segurança alimentar é o caminho a ser seguido e envolve ações ao longo de toda
a cadeia produtiva, desde o campo até a mesa.
IHU On-Line – Quais são as razões
que explicam esse desperdício de comida entre os brasileiros? Existe alguma
correlação entre o desperdício, o poder aquisitivo e o nível de instrução das
pessoas ou o desperdício independe desses fatores?
Gustavo
Porpino – As famílias brasileiras tendem a valorizar a fartura
na mesa. Podemos pensar na fartura como um ciclo que está
presente em toda a jornada de consumo dos alimentos, desde a ida ao
supermercado ou feira livre até o preparo da refeição, o modo de servir, e a
administração das sobras das refeições. O mercado consumidor brasileiro é
bastante segmentado, tanto em termos de renda e outras variáveis
socioeconômicas quanto em termos comportamentais.
Comida para o lixo é
gargalo na segurança alimentar.
Desperdício e hábitos
comportamentais
A diferença entre as famílias que desperdiçam mais
e as que desperdiçam menos comida é mais bem explicada pelos fatores
comportamentais, tais como planejar a compra e a refeição, não comprar
alimentos em excesso, organizar bem a geladeira e a despensa, reaproveitar as
sobras das refeições e, principalmente, substituir a cultura do “é melhor
sobrar do que faltar” por hábitos mais frugais. Mesmo no contexto da classe
média baixa existem famílias com características
comportamentais que levam ao desperdício de comida. O consumidor da base da
pirâmide, em particular, está sempre preocupado em economizar com a compra de
alimentos, mas algumas estratégias como comprar no atacado e manter a despensa
sempre cheia com os alimentos mais consumidos, tais como arroz e feijão, podem
gerar mais desperdício se a família não tiver boa capacidade de
planejamento das refeições e não estiver disposta a reaproveitar as sobras.
O desperdício de comida nas famílias de maior poder
aquisitivo tende a ser mais diversificado e inclui, além dos alimentos mais
consumidos, frutas e hortaliças, por exemplo. Famílias de menor renda tendem a
ter uma dieta menos diversificada e, por consequência, o desperdício também
está concentrado em menor variedade de alimentos. De modo geral, nos diferentes
segmentos, o problema está mais relacionado com cozinhar demais e não
aproveitar as sobras das refeições. É um problema complexo que requer mudança
cultural por meio de ações de longo prazo.
IHU On-Line – Quais diria que são
os hábitos alimentares dos brasileiros, de modo geral, e que tipo de alimento
costuma ser mais desperdiçado?
Gustavo Porpino – Os hábitos alimentares variam muito conforme a renda,
estilos de vida e outros fatores comportamentais. O segmento mais
pobre está preocupado em não voltar a passar fome e tende
a valorizar a fartura, porque o alimento sinaliza dignidade e riqueza. Por
vezes, o consumidor de menor renda desperdiça por
fatores alheios à sua vontade, como não ter recipientes adequados para
acondicionar as sobras das refeições na geladeira. Mas também há o segmento que
mostra preconceito com o consumo das sobras, considera as sobras
das refeições como sendo “comida dormida” e tende a jogar
fora o que sobrou em vez de reinventar em novos pratos.
O
segmento mais pobre está preocupado em não voltar a passar fome e tende a
valorizar a fartura, porque o alimento sinaliza dignidade e riqueza – Gustavo
Porpino.
As famílias mais ricas têm
dietas mais saudáveis, valorizam modismos diversos na alimentação, mas também
estão bastante segmentadas em termos de hábitos que levam ao desperdício.
Captamos, na pesquisa, que os consumidores valorizam bastante o frescor dos
alimentos, e, quando este hábito é combinado com a valorização da fartura, há
maior propensão de descarte das sobras.
Alimentos mais
desperdiçados
A pesquisa apontou que, de cada 1 kg desperdiçado
pelas famílias, em média, 220 gramas são de arroz, 200 gramas de carne, 160
gramas de feijão e 150 gramas de frango. Estes são os mais desperdiçados na
análise por quilogramas. Observamos que o desperdício de arroz e feijão tende
a ser mais recorrente e o desperdício médio relativamente alto de proteína
animal se dá por algumas eventualidades, tais como assar muita carne num
churrasco de final de semana e não aproveitar as sobras. Hortaliças são
uma categoria de alimentos na qual há relação entre renda
e desperdício. As famílias de maior poder aquisitivo tendem a
desperdiçar mais hortaliças, mas este resultado deriva do fato de o consumo de
frutas e hortaliças no Brasil estar muito concentrado nos segmentos de maior
renda. Temos aí um outro problema a ser combatido. Precisamos ampliar o consumo
de frutas e hortaliças na população de baixa renda, que
está mais sujeita a ser obesa e ter outras doenças derivadas da alimentação
inadequada.
IHU On-Line – Desde o ano
passado, algumas ONGs têm alertado para o risco de o Brasil retornar ao Mapa da
Fome da ONU. Qual é o nível de insegurança alimentar no país hoje e quais são
os riscos de o país voltar a fazer parte do Mapa da Fome?
Gustavo Porpino – O Brasil precisa passar a mensurar a insegurança
alimentar com mais frequência e delinear planos de ação levando em conta as
diferenças regionais. O último levantamento do IBGE, realizado
em 2013, mostrou que 22,6% da população estavam em algum nível de insegurança
alimentar: leve, moderada ou grave. As diferenças regionais são
significativas. Em 2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava
insegurança alimentar moderada ou grave, um dado alarmante, ainda mais se
levarmos em conta este aparente paradoxo de a insegurança alimentar ser maior
para as famílias que estão mais próximas da produção de alimentos. Temos o caso
do Maranhão,
por exemplo, com índice de insegurança alimentar de
60%, percentual bem acima da média nacional, e estados do Sul, como Santa
Catarina, com índices bem melhores.
Em
2013, 20% da população rural do Nordeste enfrentava insegurança alimentar
moderada ou grave – Gustavo Porpino.
Verduras e frutas mal
aproveitadas jogadas no lixo.
O problema da fome
O fato de o Brasil ter
saído do Mapa da Fome deve ser louvado, mas não significa que a fome deixou
de ser um problema. Quando a análise passa a ser mais local, e não nacional,
vemos que muitos municípios ou estados permanecem com mais de 5% da população
em insegurança alimentar grave, o limite utilizado para o país constar ou não no Mapa
da Fome. Em uma análise regional, se fossem considerados
países, as regiões Norte e Nordeste ainda estariam no Mapa da Fome da
última vez que a insegurança alimentar foi mensurada no Brasil.
De modo geral, houve melhora significativa dos índices
de segurança alimentar entre 2000 e 2013, mas até onde eu
sei não temos um diagnóstico abrangente sobre segurança alimentar no Brasil há
seis anos, o que é preocupante se considerarmos que somos um dos maiores
players do setor agropecuário mundial. Quer dizer, produzimos alimentos para o
mundo, exportamos mais de 100 bilhões de dólares em 2018, mas parece faltar um
olhar mais cuidadoso para as injustiças sociais dentro do próprio país.
Parece-me que a nova gestão do Ministério da Agricultura está
mais atenta à necessidade de delinearmos soluções para o Semiárido e
contribuirmos, dessa forma, com a redução da desigualdade que
é uma das características mais salientes do setor agropecuário brasileiro.
A insegurança alimentar não
deriva da falta de capacidade de produzir alimentos, isso o Brasil tem
de sobra, mas resulta da distribuição ineficiente. Para delinearmos políticas
públicas mais eficazes, precisamos investir mais em censos e pesquisas
abrangentes sobre temáticas relevantes, tais como segurança alimentar.
IHU On-Line – Em que consiste a
Estratégia Intersetorial para a Redução de Perdas e Desperdício de Alimentos no
Brasil? Qual é a função do Comitê Técnico de Perdas e Desperdício de Alimentos
– CT PDA e da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – Caisan
nesse processo?
Gustavo Porpino – A Estratégia é resultado do trabalho conjunto de
instituições públicas e setor privado. Contamos, por exemplo, com a
participação da Embrapa, Associação Brasileira de
Supermercados, Ceagesp, Conab, WWF
Brasil e vários técnicos de ministérios. O Comitê Técnico,
liderado pelo antigo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, delineou uma
estratégia que leva em conta a complexidade do sistema agroalimentar brasileiro.
Enquanto nos países europeus as iniciativas estão mais voltadas para as etapas
de varejo e consumo, no Brasil precisamos implementar soluções envolvendo
também cooperativas de produtores e centrais de abastecimento, e ainda avançar
com os projetos de Lei e políticas públicas alinhados com o tema. A Caisan é
um núcleo muito importante para um país com nossa diversidade, complexidade e
desigualdades, e nosso temor é que perca importância com as recentes mudanças
ocorridas no antigo MDS. A Estratégia em si precisa entrar em implementação
e, para tanto, precisamos de vontade política. Sem vontade política, não
conseguiremos avançar também no ambiente legislativo. A Política nacional de
combate às perdas e ao desperdício de alimentos, por exemplo, agrega diversos
PLs que estavam em tramitação há vários anos, mas é uma pauta que concorre com
várias outras no Congresso e não creio que será aprovada no curto
prazo.
IHU On-Line – Quais são as linhas
de ação para atingir os objetivos da estratégia para a redução de perdas e
desperdícios de alimentos no país?
Gustavo Porpino – Temos quatro eixos de ação na Estratégia: Pesquisa e Inovação;
Comunicação, educação e capacitação; Promoção de políticas públicas; e
Legislação. As ações envolvem distintos públicos de interesse, mas ressalto a
importância de mudarmos o comportamento do consumidor. O consumidor tem
capacidade de influenciar os outros elos da cadeia, e, quando há maior
consciência sobre o desperdício de alimentos, todos saem ganhando. Delinear
estratégias ganha-ganha é um dos desafios. Por exemplo, não adianta implementar
uma ação ou aprovar um Projeto de Lei que soluciona um problema em determinado
elo, mas gera outro para a etapa seguinte da cadeia produtiva. Há casos no
exterior que facilitam o processo de doação de alimentos por parte dos
supermercados, mas se não for acompanhado do fortalecimento das
redes de bancos de alimentos e se os bancos não estiverem nas áreas com maior
incidência de insegurança alimentar, o desperdício que ocorreria no
varejo tradicional será apenas postergado para a etapa seguinte. Do mesmo modo,
em outro exemplo hipotético, penalizar financeiramente os supermercados que
desperdiçam alimentos não ajuda a solucionar o problema.
O Brasil dispõe
de mais de 200 bancos de alimentos, e essa rede é importante tanto para o enfrentamento
do desperdício quanto para o combate à fome.
O atual Ministério da Cidadania, em parceria com o Sesc e
o WWF
Brasil, está realizando uma pesquisa para avaliar a situação
dos bancos de alimentos. Esse esforço é relevante porque possibilitará
identificar quais bancos de alimentos precisam ser incrementados, onde há maior
demanda, e direcionar intervenções para o fortalecimento da rede nacional de
bancos de alimentos.
O Brasil dispõe de mais de 200 bancos de alimentos,
e essa rede é importante tanto para o enfrentamento do desperdício quanto para
o combate à fome – Gustavo Porpino.
Soldado caminhando sobre um depósito de lixo com
grande quantidade de pão desperdiçado.
De modo geral, para enfrentarmos o desperdício de
alimentos, é preciso levar em conta a complexidade das interações entre os elos
da cadeia produtiva e implementar ações alinhadas com o enfrentamento da insegurança
alimentar.
IHU On-Line – Quais
são os maiores desafios para atingir os objetivos propostos pela estratégia
intersetorial?
Gustavo Porpino – O caso do Brasil é complexo pela necessidade de ações
em várias frentes, desde investimentos em agrologística a iniciativas para
melhorar a gestão
da cadeia agroalimentar. Temos, por exemplo, que incrementar a
capacidade do país de escoar a safra, substituirmos as embalagens inadequadas
para acondicionar frutas e hortaliças por novas tecnologias, fortalecer a
transferência de tecnologias para pequenos e médios produtores rurais,
aproximarmos o consumidor urbano da produção de alimentos, e ainda conseguirmos
elevar a importância da pauta segurança alimentar no
ambiente legislativo e entre os formuladores de políticas públicas.
Talvez o maior desafio seja conseguir posicionar o
tema segurança alimentar na agenda político-institucional com a importância
merecida. Também precisamos fortalecer a visão de longo prazo, com políticas de
Estado que consigam perpassar as frequentes mudanças que ocorrem, por exemplo,
nos ministérios.
O Brasil é
muito complexo, as cadeias produtivas não estão bem organizadas, em
algumas delas diferentes atores defendem seus interesses e falta atuação
conjunta entre elos importantes, tais como varejistas e produtores rurais, mas
ao mesmo tempo vivemos um momento propício para fortalecer as conexões entre
instituições de C&T, como a Embrapa, e o
setor produtivo, na busca por soluções para problemas complexos. Há vários
exemplos positivos de como esta interação entre a pesquisa e empreendedores pode
impactar positivamente na geração de inovações. A iniciativa Ideas
for Milk, por exemplo, une startups,
pesquisadores e o setor produtivo e por meio dessa aproximação tem gerado
soluções inovadoras para a cadeia produtiva do leite.
IHU On-Line – Como fomentar
inovações que contribuam com a redução das perdas e do desperdício de
alimentos?
Gustavo Porpino – A metodologia deste exemplo positivo que citei, o Ideas
for Milk, pode ser utilizada também para a construção coletiva
de novos modelos de negócio e soluções tecnológicas para a redução
das perdas e do desperdício de alimentos. Há um crescente
movimento global de agritechs e startups sendo lançadas para
contribuir com a produção sustentável de alimentos, entre outros desafios. O Brasil é
um dos países mais empreendedores do mundo, temos um setor agro com DNA
inovador e se conseguirmos fortalecer as interações entre academia,
instituições de C&T e mercado certamente avançaremos na adoção de novas
tecnologias. O SEBRAE, por exemplo, é um importante parceiro da Embrapa e
também tem expertise no desenvolvimento de desafios para startups.
Recentemente, a Embrapa teve uma experiência muito positiva atuando juntamente
com investidores e aceleradoras de startups na
chamada Pontes para Inovação, uma iniciativa de fomento a empresas que adotam
tecnologias desenvolvidas pela Embrapa e parceiros. São esses novos modelos de
incentivo à inovação no setor agro, com união de esforços de diferentes elos da cadeia
produtiva, que irão ajudar o Brasil a enfrentar grandes desafios
como o desperdício
de alimentos.
Se
levarmos em conta as projeções de estudos do Boston Consulting Group, por
exemplo, o mundo caminha para o aumento do desperdício em vez da redução –
Gustavo Porpino.
Cartaz da 1ª Guerra Mundial com os dizeres Comida é
munição, não desperdice.
IHU On-Line – Quais
são as metas do Acordo de Paris, da Agenda 2030 e do Plano da Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos para a Segurança Alimentar, Nutrição e
Erradicação da Fome 2025 acerca da redução dos desperdícios de alimentos?
Gustavo Porpino – A Agenda 2030 das Nações Unidas tem como um dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável assegurar padrões de produção e
consumo sustentáveis, e a meta 12.3 estabelece reduzir pela metade o desperdício
de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do
consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção
e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita.
No âmbito da América Latina e do Caribe, a redução do desperdício também está
presente nos planos de fortalecimento da segurança alimentar. A FAO,
por exemplo, coordena ação importante entre os países da América
Latina para a implementação de ações conjuntas e
compartilhamento de boas práticas, e vemos um movimento recente de união de
esforços para a implementação do Pacto de Milão sobre Política de
Alimentação Urbana na América Latina. A Embrapa também
está engajada nestas discussões entre os países latinos. Recentemente,
participamos da Semana da Alimentação e Agricultura, realizada pela FAO em
Buenos Aires, e podemos conhecer melhor o programa nacional para redução
do desperdício de alimentos em execução na Argentina.
Por lá, o Senado aprovou uma Lei para desburocratizar a doação de alimentos e o
dia 29 de setembro foi estabelecido como dia nacional das perdas e do
desperdício de alimentos. A campanha “Valoremos los alimentos”,
uma iniciativa da Secretaria de Agroindústria da Argentina, também está
sendo fortalecida. Essas ações podem ser criadas pelos governos e impulsionadas
com a participação do setor produtivo.
Atingir a meta do ODS 12.3 é
um desafio imenso, e se levarmos em conta as projeções de estudos do Boston
Consulting Group, por exemplo, o mundo caminha para o aumento
do desperdício em vez da redução. E por que isso pode
ocorrer? Temos tendências consolidadas de aumento da classe média global, novos
padrões de consumo de alimentos derivados de um mercado mais exigente, e essas
mudanças comportamentais e econômicas são acompanhadas de transformações do
clima, e ainda crises humanitárias em regiões de conflito.
IHU On-Line – Considerando o
atual índice de desperdício de alimentos no Brasil, quais são as possibilidades
de o país alcançar os objetivos da Agenda 2030 e o Plano da Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos para a Segurança Alimentar, Nutrição e
Erradicação da Fome 2025?
Gustavo Porpino – É difícil fazer essa projeção porque depende de fatores múltiplos.
Volto ao ponto da vontade política. Por vezes, ficamos com a impressão de que o Brasil caminha
em círculos. É feito um enorme esforço de construção de política pública, mas a
morosidade do Legislativo somada ao desinteresse de alguns altos
gestores, tanto do poder público quanto da iniciativa privada, prejudica a
capacidade do país de avançar.
A Embrapa tem
buscado fazer a sua parte. Temos representantes na Caisan,
participamos das discussões no Congresso, atuamos em parceria com o WWF
Brasil, FAO e outras instituições, e várias Unidades de
pesquisa já desenvolveram soluções tecnológicas que contribuem com a redução
das perdas e do desperdício de alimentos. O Ministério
do Meio Ambiente realizou, em 2018, um levantamento de
boas práticas para o combate às perdas e ao desperdício de alimentos. A Embrapa
foi uma das instituições reconhecidas e também atuamos em conjunto com o MMA no
lançamento da Semana Nacional de Conscientização sobre o Desperdício de Alimentos,
iniciativa que foi lançada no ano passado com a intenção de ser anual.
Fome e insegurança alimentar aumentam no Brasil,
diz ONU.
Em 2017, 821 milhões de pessoas foram dormir sem
comer o mínimo necessário no mundo. Deste total, 5,2 milhões são brasileiros.
O combate à fome estancou nos últimos anos no
Brasil, o número de pessoas que vão dormir sem ingerir o mínimo necessário, que
estão desnutridas e se sentem fracas para as atividades do dia a dia, aumentou
de 4,9 milhões para 5,2 milhões, entre 2010 e 2017. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário