sexta-feira, 7 de junho de 2019

Modelos de gestão de recursos hídricos no Brasil

Análise da evolução dos modelos de gestão de recursos hídricos no Brasil.
Resumo: A água é um recurso essencial para a vida, mas é finita, e em várias regiões do mundo já são observados conflitos devido a sua escassez. A preservação desse recurso e a garantia de seu acesso à todos é uma das metas atuais da humanidade. Esse artigo tem como objetivo analisar a evolução das legislações sobre a gestão de recursos hídricos no Brasil e refletir como o estudo do uso das águas no passado possibilita um planejamento melhor do futuro e o seu uso de forma mais sustentável. Foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais, de natureza qualitativa. O gerenciamento das águas no Brasil não é um fenômeno recente, e já pode ser observado desde o período colonial. A população de baixa renda sempre foi a mais desfavorecida com o abastecimento. Á água foi constantemente explorada como um recurso econômico, sem preocupação com a sua preservação. Atualmente, o modelo de gestão integrada de recursos hídricos, introduzido pela Lei 9.433/1997, estabelece a importância de compatibilizar a demanda com a oferta de água, garantindo o uso sustentável e a distribuição para toda a população. As legislações brasileiras são consideradas como as mais avançadas do mundo para a gestão de recursos hídricos, mas é necessário garantir a efetividade delas na prática. Para atingir esse objetivo, é preciso levar em conta que não só a escassez física, como também, desigualdades políticas e socioeconômicas, influenciam no acesso à água. Conclui-se que, além da limitação física e climática, o acesso a água está relacionado a desigualdades estabelecidas historicamente entre grupos sociais e a um processo de apropriação de recursos comuns, a serviço de um desenvolvimento desigual e excludente.
Introdução
A água é recurso finito e se auto depura, mas dependendo do grau de contaminação, o seu ciclo hidrológico nem sempre é suficiente para purificá-la. Além disso, sua distribuição depende de condições climáticas e topográficas, o que faz a quantidade do recurso ser diferente entre os territórios. Nas últimas décadas observa-se uma crescente preocupação da sociedade com a sua conservação: uma maior conscientização da necessidade de uma nova cultura em relação ao uso dos recursos hídricos, repensando valores, comportamentos, hábitos e atitudes.
A importância da água foi reconhecida pelas legislações ao longo da história. Atualmente, o acesso à água é considerado um direito humano fundamental e indispensável à vida com dignidade. Esse direito foi conquistado aos poucos e precisa ser concretizado no cotidiano, garantindo o acesso à água potável para todos.
Em 1997 foi proposto um novo modelo de gestão de recursos hídricos, introduzido pela Lei 9.433/1997, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). A norma é considerada como a balizadora da gestão dos recursos hídricos e prevê que a gestão da água deve se preocupar com a qualidade e a quantidade do recurso, levando em conta as diversidades geográficas e socioeconômicas de cada região do país. No entanto, a gestão de recursos hídricos não deve ser considerada um fenômeno recente no Brasil, mas um processo inerente a colonização portuguesa, (FONSECA & PRADO FILHO, 2016).O gerenciamento de recursos hídricos se refere a utilização de medidas estruturais (construções de barragens, adutorase de estações de tratamento de água) e não estruturais (zoneamento de ocupação de solos, regulamentos contra desperdício de água) para que os sistemas hídricos, artificiais ou naturais, possam ser utilizados nas atividades humanas de forma sustentável, como descreveu Grigg em 1996. Em 2009, Ioris afirmou que a gestão de recursos hídricos engloba tanto práticas e tecnologias que visam à distribuição, uso e conservação da água, como às questões políticas e de desenvolvimento nacional, complementando assim, o conceito de Grigg. O que é validado por Fracalanza e Campos (2010) quando afirmam que a gestão das águas inclui: a política de águas; o plano de uso, controle e proteção das águas; o gerenciamento e o monitoramento dos usos da água.
Esse artigo tem como objetivo apresentar a evolução da legislação sobre a gestão das águas no Brasil, levando em conta a evolução do controle sobre o uso da água desde o período pré-colonial, e demostrando que o gerenciamento das águas no país não é um fenômeno recente. Entender o uso das águas no passado é uma forma de aprendizado que possibilita um planejamento melhor do futuro e o uso mais sustentável da água.
Evolução da Gestão de Recursos Hídricos no Brasil
Para Benjamim (1999) a história da legislação sobre a água no Brasil pode ser dividida em três fases: a fase de exploração desregrada, a fase fragmentária e a fase holística. Essas fases, também, podem ser utilizadas para entender a evolução regulatória da gestão dos recursos hídricos.
Primeira Fase: Fragmentária
Na primeira fase, que engloba o período a partir do descobrimento do Brasil até o ano de 1930, não observa-se uma preocupação com o meio ambiente. As normas jurídicas da época tinham o intuito de assegurar a preservação de recursos que tinham valor econômico, como o pau-brasil. A proteção à água não estava inclusa.
As Ordenações Filipinas foram as primeiras a trazer um dispositivo relacionado com a proteção das águas. No conceito de poluição, a lei proibiu a população de jogar em rios ou lagos materiais que pudesse levar a morte de peixes ou poluir as águas (ALMEIDA, 2002).
Até a independência, a preocupação era utilizar os recursos naturais existentes na colônia, com o intuito de fortalecer a economia da metrópole (FARIAS, 2009). Os portugueses e outros imigrantes utilizavam à água conforme sua disponibilidade, “quanto maior a disponibilidade de água, maior o desperdício, seja em quantidade, seja em qualidade”(ANA, 2007, p. 42).
Com a independência do Brasil foi promulgada a Constituição Imperial, em 1824, que não trouxe dispositivo sobre a proteção das águas. O artigo 162 do Código Penal de 1890, relacionou a proteção as águas com o direito à saúde. Dispôs que era crime corromper a água potável, tornando a nociva à saúde (ALMEIDA, 2002).
O Código Civil de 1916 fez menção à água, apenas regulando o direito de uso em relação ao direito de vizinhança. Considerou a água como um bem de valor econômico limitado e de domínio privado.
Nesse período não houve uma preocupação com a proteção da água, procurava-se proteger alguns recursos naturais de interesse econômico. Poucas leis abordavam o uso dos recursos hídricos.
Segunda Fase: Setorial
O início da gestão dos recurso hídricos no Brasil teve como marco instrumentos burocráticos, sendo as características principais desse modelo a centralização e a tendência legalista. Na fase setorial, foram criadas as primeiras legislações que visavam o controle das atividades exploratórias. Diante dos conflitos pelo uso das águas foi gerada uma grande quantidade de leis e regulamentos, alguns dos quais posteriormente se tornaram princípios constitucionais. Em consequência disso, a gestão da água era centralizada, já que a autoridade e o poder foram se concentrando em entidades públicas, que através de instrumentos burocráticos deviam aprovar concessões, autorizar o uso, licenciamento de obras, realizar fiscalização, etc. (LANNA, 1997).
O interesse pela elaboração de leis para regular o uso da água estava relacionada a crescente demanda por energia elétrica. A primeira legislação brasileira que se referiu a água como objeto específico de lei foi o decreto 26.643 de 1934, denominado “O Código das águas”. Nesse código foi classificado tipos de água, formas de aproveitamento, medidas em caso de contaminação dos corpos hídricos, critérios para utilização das águas pelas indústrias, (MILARÉ, 2007;CARVALHO, 2015).
A literatura mostra uma divergência da razão da existência do código das águas. De acordo com Milaré (2007), o Código de Águas possibilitou o aproveitamento industrial dos recursos hídricos, principalmente, no ramo da energia hidráulica. Em 2015, Carvalho confirma que esse decreto foi criado devida a necessidade de uma maior utilização dos recursos naturais para a geração de energia elétrica. No entanto, Costa e Silva et al (2016) consideram que devido ao Código de Águas atribuir competência ao Ministério da Agricultura para proteção dos recursos hídricos, fica claro uma preocupação agrícola.
A Constituição Federal de 1934 dispõe em seu art. 5º, inciso XIX, alínea “j” que compete privativamente à União legislar sobre as águas (BRASIL, 1934). A Constituição de 1946 definiu as águas como bem de domínio dos estados e da União. Os lagos e correntes em terrenos da União, que banhem mais de um Estado, que sirvam de limite com outros países ou se estendiam a território estrangeiro eram considerados bens da União. Os estados tinham em seu domínio lagos e rios em terrenos do estado e os com nascente e foz no território estadual. Analisa-se nesse caso certa evolução, passando os estados a ter domínio sobre os recursos hídricos em seus territórios.
É possível notar que nessa fase permaneceu a preocupação com a exploração econômica dos recursos naturais. Juridicamente, foram criadas legislações que buscavam a regulamentação de atividades exploratórias e tipificavam condutas que causavam danos ao meio ambiente. A gestão das águas limitava-se a proteção da sua quantidade, sem preocupação com a sua qualidade e refletia mais cautelas econômicas do que ecológicas.
Terceira Fase: Holística
A fase holística é caracterizada pela preocupação com o uso sustentável da água. O conceito de desenvolvimento sustentável foi difundido após a publicação do Relatório Brundtland. A necessidade de um modelo de desenvolvimento econômico que procure atender às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de terem suas necessidades atendidas ganhou enfoque (BARBOSA, 2007).
A preocupação com a proteção ambiental e a necessidade da gestão das águas de forma sustentável, também, ganhou uma dimensão internacional com as discussões do Clube de Roma, em 1968, que enfatizou a importância do estabelecimento de formas sustentáveis de utilização dos recursos hídricos. A Conferência de Estocolmo que ocorreu em 1972, registrou o começo de preocupações políticas com questões ecológicas.
A Conferência das Nações Unidas sobre Água, 1977, em Mar del Plata foi a primeira conferência internacional criada, especificamente, para resolver problemas relacionados aos recursos hídricos. Mais tarde, vários outros encontros internacionais foram mostrando a importância da gestão das águas, como é possível visualizar nos quadros 1 e 2 .
Quadro 1: Encontros Internacionais sobre a Água
Encontro/Documento
Ano
Importância
Declaração Universal dos Direitos Humanos
1949
Foi um marco para a criação de um sistema de proteção internacional aos direitos humanos, e o passo inicial para se falar no direito humano à água. Embora não haja menção específica à água nessa declaração ou nos Pactos de Direitos Humanos, alguns autores afirmam que esse direito estaria implícito, já que, sem água, muitos dos direitos reconhecidos nesses instrumentos não teriam efeito.
Conferência de Estocolmo/ Declaração de Estocolmo
1972
Entre outros assuntos, abordou a necessidade de combater a poluição, reduzir o volume de lixo e proteger os mares e a vida marinha.
Conferência de Mar del Plata/ Plano de Ação Mar del Plata
1977
O primeiro encontro que tratou exclusivamente de problemas relacionados aos recursos hídricos. A partir dele que se estabeleceram as resoluções sobre a acessibilidade aos recursos hídricos, abastecimento, uso da água na agricultura, pesquisa e desenvolvimento. E, também foi estabelecida a Década Internacional do Fornecimento de Água Potável e Saneamento (1981-1990), onde os países participantes assumiram o compromisso de realizar melhorias no suprimento de água potável e nos setores sanitários.
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento/ Relatório Brundtland.
1985
Foi a comissão que criou o Relatório Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, que difundiu a ideia do desenvolvimento sustentável.
Quatro Convenções de Genebra/ Protocolo, e Protocolos Adicionais I e II
1949 e 1977
Houve a criação de três protocolos, onde foi reconhecido o direito à água tratada, devido à preocupação com a falta de água potável em quantidade e qualidade nos conflitos armados.
Convenção sobre os Direitos da Criança/ Decreto nº 99.710/1990
1990
Foi indicado que o Estado deve garantir o acesso à água e ao saneamento básico a todas as crianças, com o objetivo de combater doenças, desnutrição e mortalidade infantil.
Convenção sobre a Utilização dos Cursos de Águas Internacionais para fins diferentes dos da navegação
1997
Foi demonstrado a importância da minimização dos conflitos entre usos hídricos para a satisfação das necessidades humanas vitais.
Conferência do Rio – ECO 92 e a Agenda 21
1992
Resultaram dois importantes documentos: a Carta da Terra, que contêm princípios que visam à proteção do meio ambiente; e a Agenda 21, que enumera metas e objetivos para o desenvolvimento sustentável. Aborda o manejo integrado dos recursos hídricos com o objetivo de protegê-los.
Declaração do Milênio e Declaração Política de Johanesburgo
2002
Propôs medidas para ampliar o acesso às necessidades básicas como “a água potável, o saneamento, habitação, energia, assistência médica, segurança alimentar e a proteção da biodiversidade”. […] (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002, Artigo 18).
Assembleias gerais das Nações Unidas
1999 a 2010
– Em1999, indicou que a garantia à água limpa é necessária para concretizar o direito ao desenvolvimento e é um dever moral para os países e para a comunidade internacional.
– Em 2000, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social da ONU, passou a estudar o tema do “direito humano à água”. Segundo o Comitê, a água não deve ser tratada apenas com um bem econômico, mas também social e cultural. A água deve ser usada de forma sustentável, para que possa ser desfrutada pelas gerações presentes e futuras (CORTE, 2015).
– Em 2003, a Assembleia Geral das Nações Unidas (por meio de resolução 58/217) pediu uma maior atenção para a execução de programas e projetos relacionados com a água “e, ao mesmo tempo, assegurar participação e intervenção de mulheres em medidas de desenvolvimento relacionadas à água (pag. 01)”.
– Em resoluções de 2008 e 2009, o Conselho Econômico e Social da ONU reconheceu que é dever dos Estados assegurar e eliminar as desigualdades no acesso à água doce potável e ao saneamento, e que os planos de ação adotados pelos Estados devem incentivar a participação das comunidades, levando em consideração o gênero feminino (BRZEZINSKI, 2012).
– Em 2010, a Resolução 64/292 da Assembleia Geral da ONU, reconheceu o direito à água e ao saneamento como direitos humanos. E em 2014, a Resolução 27/7 do Conselho dos Direitos Humanos, destacou a importância da cooperação internacional para garantia dos direitos à água e ao saneamento.
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência/ Decreto nº 6.949/ 2009
2009
Levou a elaboração do Decreto nº 6.949/2009 que garantiu o direito das pessoas com deficiência ao acesso à água limpa.
Quadro 2: Fóruns mundiais da água
Ano
Local
Resultados
1977
Marrakesh-Marrocos
Declaração de Marrakesh
– Reconhecimento da água limpa e potável como necessidade humana básica.
– Recomendações e ações para que os líderes mundiais garantam as necessidades das gerações futuras.
– Discussão sobre questões relativas à equidade de gênero.
2000
Haia-Holanda
Tema: acesso à água, a participação das mulheres, os jovens e as crianças e as Organizações Não Governamentais (ONGs).
2003
Kyoto-Japão
Ações planejadas para o desenvolvimento de políticas, o gerenciamento de recursos hídricos, a mitigação de desastres naturais e a prevenção da poluição.
2006
Cidade do México-México
Temáticas: o gerenciamento de riscos, água e saneamento, implementação de gestão integrada de recursos hídricos, água para fins de desenvolvimento. Ficou estabelecido que os Estados, com a participação da comunidade garantiriam o acesso à água como direito humano fundamental.
2009
Istambul-Turquia
Os países participantes se comprometeram em realizar melhorias nos planos de serviço de água locais
2012
Marseille-França
Centrou-se em quatro ações prioritárias relacionadas ao desenvolvimento econômico, bem-estar, condições para o sucesso e manutenção da água no planeta. Através da Agencia Nacional da Água (ANA), o Brasil foi um dos responsáveis por incentivar o debate sobre a governança global da água.
2015
Deagu-Coreia do Sul
Tema água para o futuro. Houve um amplo debate sobre a questão dos recursos hídricos e ações para preservação da água.
2018
Brasília -Brasil
Tema: segurança hídrica. O debate de gênero teve lugar de destaque nas programações do evento
Na fase holística foi aprovada a Lei nº 6.938/81, que deu origem a Política Nacional do Meio Ambiente buscando uma gestão que visa a preservação de todos os recursos naturais de forma única e completa e iniciando um novo sistema integrado de proteção ao meio ambiente. Após, a Lei 6.938, instituiu-se o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, que seria gerido por órgãos municipais, estaduais e federais. O órgão superior do SISNAMA é o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que foi o responsável por editar a Resolução 020, de 18.06.1986, que inaugurou, no Brasil, a gestão da qualidade das águas.
A Constituição Federal de 1988 modificou o Código de Águas de 1934, extinguindo as águas particulares. Todas as águas foram consideradas bens de uso comum do povo, cabendo a União legislar sobre as águas. Assim, a competência para legislar continuou centralizada, mas a gestão foi compartilhada (BRASIL, 1988).
O domínio das águas foi dividido entre a União e os Estados, ainda na Constituição de 1946. Em 1988 assim se manteve e acrescentou para os Estados, o domínio das águas subterrâneas. E para a União, ajuntou-se o mar territorial, os potenciais de energia hidráulica e os depósitos de água decorrentes de obra da mesma.
A Constituição de 1988 também previu a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SINGREH.  Posteriormente, foi promulgada a Lei 9.984, de 17.07.2000, que criou a Agência Nacional de Águas – ANA.
O primeiro estado a criar sua Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi São Paulo. Mais tarde, os estados do Ceará (1992), Santa Catarina (1994), Rio Grande do Sul (1994), Bahia (1995), Rio Grande do Norte (1996) e Paraíba (1996) editaram suas leis estaduais de recursos hídricos (SILVA, 1998).
Em 1989 foi fundado o primeiro Consórcio Intermunicipal do país, localizado no Estado de São Paulo (Bacias dos rios Piracicaba e Capivari). A partir de então, vários consórcios de bacia foram surgindo, com o objetivo de promover a descentralização das ações, e ampliar o campo da gestão participativa (SILVA, 1998). São Paulo, também, foi um dos primeiros estados a realizar o Plano Estadual de Recursos Hídricos.
A lei federal nº. 9.433 de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Essa lei estabeleceu princípios para a proteção e controle das águas, estabelecendo a gestão integrada dos recursos hídricos. Propôs instrumentos, como: oSistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH); o monitoramento da qualidade da água, a outorga e a cobrança pelo uso de recursos hídricos; sistemas de fiscalização e enquadramento etc. Reconheceu a bacia hidrográfica como unidade territorial e a descentralização das decisões como uma das formas de gestão (BRASIL, 1997).
A adoção da bacia hidrográfica, no caso do Brasil, visa contribuir para uma integração entre o sistema de gestão ambiental e o sistema de gestão dos recursos hídricos. A população, os usuários e os responsáveis pela administração pública podem expor seus interesses e se mobilizarem em defesa das águas Juntos conseguem analisar as potencialidades e fragilidades da bacia, permitindo uma boa gestão da água.
O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH) é o órgão responsável por implementar a PNRH. O órgão de mais alta hierarquia na gestão da água é o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que possui 10 câmaras técnicas que cuida de assuntos específicos; conselhos e comitês de bacias, responsáveis por aspectos participativos de formulação e deliberação; secretarias de Estado e Ministério do Meio Ambiente – MMA, responsáveis pelas políticas governamentais a nível estatual e federal, respectivamente; Agência Nacional de Águas, órgãos gestores estaduais de água, que são responsáveis pela implementação e regulação (BRASIL, 1997).
Para Ioris (2009) houve avanços nos procedimentos regulatórios brasileiros, mas ainda existem injustiças ambientais e hierarquização de oportunidades. Observa-se um distanciamento entre o discurso e a prática; a manutenção de assimetrias e poderes, principalmente quanto aos processos decisórios. Ele afirma que a forma de lidar com os problemas ambientais ainda está centrado nos sintomas. Os avanços nas legislações surgiram apenas como respostas às contradições causadas pela atividade econômica. E apesar das mudanças positivas nas legislações, os comitês de bacias vem apresentando difuculdades operacionais e no exercício da governança participativa. Uma dessas dificuldades é ilustrada por Valencio e Martins (2004) quando destacam que o processo de implantação dos comitês e instrumentos de gestão necessitam de apoio financeiro e aprovação politíca por parte da ANA, o que leva na prática a criação de mecanismos hierarquizados e rígidos e que são úteis apenas aos grupos com maior força politica.
A água sempre fez parte do processo produtivo brasileiro, e mesmo com as novas legislações que visam proteger o o recurso, muitas vezes, na prática, prevalece a permissão para seu uso insustentável em determinadas atividades econômicas. Observa-se restrições em determinada área geográfica, e estimulo das mesmas atividades em regiões que apresenta resistência política menor.
Apesar dessas críticas, atualmente, as legislações brasileiras sobre a gestão dos recursos hídricos, são consideradas como as mais avançadas do mundo. O sistema jurídico possui normas de gestão e conservação que considera a água como um bem ambiental limitado e dotado de valor econômico. É preciso garantir a efetividade dessas legislações para possibilitar uma boa gestão dos recursos hídricos.
Considerações Finais
As primeiras civilizações do planeta se instalavam em locais que apresentavam solo produtivo e abundancia de água, o que tornava mais cômodo o atendimento de suas necessidades básicas. Com o aumento populacional passou a ser necessário usar a água de forma mais racional, tendo em vista o surgimento de conflitos e a possibilidade de sua escassez. A história da evolução do uso da água no Brasil está relacionada ao seu desenvolvimento econômico e ao processo de urbanização.
Antes da colonização, a exploração de recursos naturais pelos indígenas era baixa. Eles utilizavam uma técnica rudimentar na obtenção dos meios de subsistência, caracterizada pela caça, pesca e coleta, atividades que não causavam degradação ambiental significativa.
A evolução legal da gestão dos recursos hídricos no Brasil foi dividida em três momentos. Esses momentos abordam desde a chegada dos portugueses em 1500 até a fase atual.
A primeira fase que vai do descobrimento até 1930, nas regulamentações ambientais não é observada preocupação com o meio ambiente, exceto pela proteção de recursos naturais que tinham valor econômico para a metrópole, não se incluia a água. Nesse período, a grande quantidade de água existente influenciou a colonização do território, a cultura e a relação da sociedade com a natureza. Nessa época, parte da população sofria com a falta de abastecimento, principalmente aquela com menos recursos financeiros.
Na fase setorial foram criadas as primeiras legislações que visavam o controle das atividades exploratórias. Elas não tinham um intuito preservacionista, apenas estabeleciam critérios para utilização dos recursos hídricos.
Na fase holística, iniciou-se a preocupação com o uso sustentável da água. A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricosganha destaque, pois estabelece a metodologia de gestão integrada das águas. A gestão integrada de recursos hídricos é um modelo de gestão que tem como objetivo diminuir os conflitos de uso e garantir a qualidade e quantidade da água para suprir as demandas atuais e futuras da sociedade, utilizando um conhecimento integrado dos problemas existentes nas bacias. É preciso buscar a efetividade desse modelo na prática, para uma gestão sustentável das águas.
O uso dos recursos hídricos esteve ligado a um processo de acumulação econômica, que exclui os grupos com menor recurso financeiro e que prioriza o lucro à proteção do recurso. Inicialmente, não havia uma preocupação com a preservação da água. Em regiões de escassez, posições de poder e questões econômicas, também influenciaram no acesso ao recurso. Para alcançar o objetivo do uso sustentável dos recursos hídricos questões políticas e econômicas devem ser consideradas. (ecodebate)

Nenhum comentário:

Importância dos Territórios Indígenas na mitigação das mudanças climáticas

Em um estudo recente na PLOS ONE, pesquisadores de 6 países diferentes, examinaram a importância dos Territórios Indígenas na mitigação das ...