A maioria de nós provavelmente
nunca pensou quanto valem cinco segundos nos dias de hoje, não é? Valem
literalmente uma vida, pois neste curto espaço de tempo morre uma pessoa no mundo
em decorrência de doenças associadas à poluição
do ar, correspondendo anualmente a 7 milhões de pessoas. Para
compreender melhor a gravidade do problema, faça a conta: nove em dez pessoas
respiram ar poluído e contaminado no mundo, segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS). Portanto, fazemos parte desta estatística. Viver principalmente
nas regiões metropolitanas apresenta externalidades sobre as quais nem temos
noção. Os efeitos do comprometimento do bem-estar chegam à economia:
ultrapassam os US $ 5 trilhões (dados 2013). Cerca de 3 bilhões de pessoas, ou
seja, 40% da população no planeta, ainda não têm acesso a combustíveis
limpos e tecnologias em suas casas, principal fonte de poluição do ar interior
do domicílio.
Poluição é tema transversal
Uma afirmação em documentos da OMS é taxativa: a poluição não tem
fronteiras. Mesmo assim, estes alertas fazem parte de um tema ainda depreciado
na agenda da política pública, que é a saúde ambiental. Um conteúdo transversal
a outras agendas, como transportes, agricultura, indústria e mineração,
tratamento de resíduos, ciência e tecnologia e educação, além de meio ambiente
e saúde. A ausência de planos e políticas concatenadas entre todas estas áreas
resultam nesta ineficácia ainda presente no combate à poluição do ar.
Estes dados reforçam a escolha do tema “Poluição do Ar”,
nesta Semana do Meio Ambiente de 2019, feita pela Organização das Nações Unidas
(ONU). O alerta é recorrente: este inimigo aparentemente oculto faz parte dos
reflexos da nossa própria ação humana em um modelo de desenvolvimento no qual a
produção de gases tóxicos à saúde ainda permeia, e muito, as nossas cadeias
produtivas e modais de transporte com combustíveis poluentes e/ou catalisadores
ineficientes na mobilidade urbana. Reflete consequentemente o nosso modelo de
produção e consumo. Respiramos ainda quantidades excessivas de gases tóxicos,
como dióxido de nitrogênio (NO2), ozônio
troposférico (O3), monóxido
de carbono (CO), material particulado (MP), hidrocarbonetos e dióxido de
enxofre (SO2), entre outros
gases. As suas concentrações são relacionadas a condições
meteorológicas. Ventos fracos e inversões
térmicas (camada de ar quente que se forma sobre a cidade, “aprisionando” o ar
e impedindo a dispersão dos poluentes) em baixa altitude exigem alerta.
Principais públicos afetados
As crianças pagam uma conta muito alta, pois são um dos
públicos que mais sofrem com efeitos fatais. Em outubro de 2018, o relatório “Air Pollution and Child
health” alerta a respeito,
registrando mais de 600 mil mortes anuais. Como esclarece o patologista Paulo
Saldiva, um dos maiores especialistas brasileiros nesta área, há efeitos
adversos da poluição do ar sobre a saúde humana. Alguns deles se manifestam de
forma aguda, ou seja, horas ou dias após a exposição, enquanto outros são
evidenciados somente após longos períodos de exposição. São os chamados efeitos
crônicos. Trocando em miúdos, uma perfeita bomba-relógio.
As vítimas em potencial, segundo Saldiva, têm abaixo dos 5 e acima
dos 65 anos de idade. Já as morbidades são associadas à asma, bronquite
crônica, doença aterosclerótica, diabetes mellitus, miocardiopatias e arritmias
cardíacas.
No Brasil, no Sistema Único de Saúde (SUS), a demanda de pacientes
com problemas associados à poluição atmosférica só cresce. Chegam às unidades
básicas de saúde e aos hospitais, pessoas com irritações das mucosas, dos
olhos, processos de asmas, doenças pulmonares, cardiovasculares e cânceres. A
partir de 2001, foi instituída a Vigilância em Saúde de Populações Expostas à
Poluição Atmosférica (Vigiar), pelo Ministério da Saúde, com foco
principalmente em prevenção e de atenção integral. Um dos objetivos desta
medida é a criação de um instrumento de identificação de municípios de risco.
Os levantamentos, entretanto, ainda são ínfimos diante da espacialidade,
concentração de pessoas e fontes emissoras.
Frota veicular
Os indícios de que é preciso rever nosso modelo de
desenvolvimento começam, por exemplo, quando nos confrontamos com dados a
respeito da frota veicular no país. De acordo com o Departamento Nacional de
Trânsito (Denatran), até fevereiro de
2019, o Brasil registrava 54.995.950 só de automóveis e 22.471.809
motocicletas, extra os demais modelos automotivos (caminhões, ônibus etc), e
disparadamente o estado de São Paulo se destaca nestas estatísticas,
respectivamente com 18.317.839 e 4.662.471. A necessidade de aumentar a frota
de transporte coletivo não poluente em todas as cidades do país é algo urgente
diante desta realidade.
Como explica o engenheiro químico David Tsai,
coordenador de área de emissões do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA),
uma das principais questões que devem ser avaliadas quanto às emissões de
poluentes, são os catalisadores dos automóveis (adotados no país desde 1992),
além dos investimentos em energia limpa e renovável. A qualidade e eficiência
destes equipamentos devem ser permanentemente fiscalizadas. Ele ainda explica a
importância de haver a manutenção e ampliação do monitoramento da qualidade do
ar no país como instrumento de políticas públicas mais eficazes.
Monitoramento da qualidade do ar
Atualmente há 284 estações sob gestão pública somente em
nove estados (Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Distrito Federal), como destaca a Plataforma Qualidade do Ar, sistematizada pelo IEMA.
Nela, é possível observar o déficit de investimento dos estados neste segmento.
Somente os de São Paulo e do Rio de Janeiro mantêm aproximadamente 75% das
estações de monitoramento no país e 50% delas estão nas regiões metropolitanas.
O Norte do país é desassistido e na região Centro-Oeste e no Nordeste há um
número irrisório de cobertura. “Há maior dificuldade de controle de
concentrações sobre o material particulado fino (MP2,5) e o ozônio", diz.
Mais um aspecto estratégico discutido hoje em dia é quanto à
manutenção e melhoria da atuação do Programa de Controle de Poluição de Ar por
Veículos Automotores (Proconve), criado por resolução do Conselho Nacional de
Meio Ambiente (Conama).
Em 2016, houve uma avaliação dos Impactos e Econômicos
dos Benefícios Socioambientais do Proconve, lançado pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). No relatório, há um dado que chama a atenção. Um estudo realizado pelo Laboratório de Poluição
Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP e a consultoria Environmentality, entre 1996 e 2005, o
número de mortes evitadas pelo Proconve em seis capitais brasileiras foi
estimado em 50.000. Isso representaria a economia aproximada de US$ 4,5 bilhões
de gastos com saúde pública. No levantamento, foi apurado que na região
metropolitana de São Paulo, o programa teria evitado 3,41% das mortes de adultos
acima de 25 anos por doenças cardiovasculares, 3,39% por problemas
respiratórios e 5,41% por câncer de pulmão. Ao mesmo tempo, é avaliado que
ainda muito a melhorar, pois se calcula que nove pessoas morrem por dia devido
à poluição em São Paulo. As concentrações de material particulado ainda são
duas vezes mais altas do que o recomendado pela OMS. Vale lembrar que o mesmo
tem como principais fontes: veículos automotores, processos industriais, queima
de biomassa e ressuspensão de poeira do solo.
Partículas finas
Segundo a OMS, as partículas inaláveis finas (MP2,5), em concentrações excessivas,
que podem atingir os alvéolos pulmonares, afetam 91% das pessoas que
vivem em cidades no mundo.
A poluição do ar doméstica
é mais um problema desprezado nas políticas públicas e chega a representar o
quarto risco global para a saúde, responsável por 4,3 milhões de mortes
anualmente. A pesquisadora Adriana Gioda, em seu artigo “Comparação dos Níveis de
Poluentes Emitidos pelos Diferentes Combustíveis Utilizados para Cocção e sua
Influência no Aquecimento Global”, publicado na Química Nova 41, traz mais uma informação
relevante. No Brasil, cerca de 10 milhões de domicílios ainda fazem uso de
lenha, de acordo com o levantamento. Em 2010, na América Latina e Caribe, foi estimada a ocorrência de 70.000 mortes prematuras relacionadas à exposição interna ao MP2,5 devido ao uso de combustíveis sólidos na cocção. Ela alerta: as
partículas finas são as mais diretamente associadas a mortes e doenças.
Quem não viu algum dia aquela
imagem emblemática de pessoas com máscaras, em Pequim, para se proteger da
poluição atmosférica na China? Um cenário triste e que revela os extremos. O
problema em questão, no Brasil e no mundo, é ainda maior, porque milhares de
pessoas sequer têm a chance de usá-las, visto que muitas vidas já estão sendo
abreviadas por causa da falta da impulsão, de fato, à energia limpa e
renovável; os hábitos mais saudáveis e não poluentes de mobilidade urbana, como
andar de bicicleta, exercitar a carona solidária, usar transporte público não
poluente. Tudo isso associado ao combate à pobreza, que pesa de forma
incontestável sobre a maior parte das vítimas, e investimento em Pesquisa &
Ciência. (ecodebate)
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