“Os olhos de todas as
gerações futuras estão sobre vocês. E se vocês optarem pelo fracasso, eu digo
que nunca iremos perdoá-los” - Greta Thunberg (Nova York, 23/09/2019).
O mundo caminha para uma Terra
cada vez mais inóspita e inabitável. O colapso ambiental já se vislumbra no
horizonte. Porém, os governos, a iniciativa privada e inúmeros políticos de
diversas orientações ideológicas continuam ignorando a catástrofe ecológica que
se avizinha. O cenário climático que se desenha para o final do século XXI não
é nada ameno e agradável.
Porém, somente 0,2% dos adultos
de hoje, que nasceram no século XX, devem estar vivos em 2100 e apenas 8% da
população de 2100 será composta pelos jovens de 0 a 19 anos atuais. Portanto,
as consequências mais drásticas da crise climática e ambiental serão sentidas,
em menor grau, pelas crianças e adolescentes atuais e, em maior grau, pelas
gerações futuras que ainda nem nasceram.
A população mundial em 2100
deve alcançar o valor de 10,87 bilhões de habitantes, segundo a projeção média
da Divisão de População da ONU. A tabela abaixo mostra a população mundial de
2100 por grupos etários. Nota-se que os 91,9%, dos quase 11 bilhões de
habitantes de 2100, vão nascer a partir de 2020. Ou seja, 9,99 bilhões de habitantes
– cerca de 92% da população prevista para 2100 – ainda não nasceram e vão
começar a ver a luz do sol a partir do ano que vem.
Portanto, quando estamos
falando da emergência climática e do colapso ambiental previsto, no máximo, até
o final do século, estamos falando dos efeitos sobre uma população que ainda
não existe. Somente 8% da população de 2100 terão nascido entre os anos de 2000
e 2019 e apenas a fração de 0,2% terá nascido no século XX. Por outro lado, um
montante de 6,5 bilhões de habitantes – 59,9% da população de 2100 – só vai
nascer a partir de 2050.
Segundo as projeções da ONU,
entre 2020 e 2100, o número de nascimentos será de 10,89 bilhões e o número de
óbitos de 7,8 bilhões. A diferença de 3,1 bilhões somados à atual população
dará o resultado do número de habitantes em 2100.
Ou seja, a maioria absoluta dos
habitantes que vão ser impactos da degradação ambiental e climática no final do
século XXI ainda não nasceu e, desta forma, não pode votar e nem pressionar as
lideranças globais para mudar o padrão de produção e consumo contemporâneo. O
vandalismo ecológico atual viola os direitos das gerações que ainda não
nasceram.
A população mundial de 2020
está estimada em 7,79 bilhões de habitantes, sendo 2,59 bilhões de jovens
nascidos entre os anos 2000 e 2020. Apesar de representar 33% da população
atual, a grande maioria está excluída das instituições de representação da
democracia formal – nos países onde existe democracia – ou nem sequer são
considerados onde a democracia é apenas uma utopia. Somente 612 milhões de
jovens estão na faixa de 15 a 19 anos (7,9% do total populacional). Destes mais
de dois bilhões e meio de jovens atuais, apenas 862 milhões vão estar vivos
entre 2080 e 2100.
O fato é que o mundo é dirigido
por adultos e idosos que, presos no imediatismo das respostas às demandas
sociais mais urgentes, não costumam olhar para o substrato ecológico e nem para
as demandas de longo prazo, pois não operam ou enxergam numa escala de tempo
muito além da sobrevida média das gerações mais velhas.
Portanto, os jovens atuais têm
pouco poder de decisão e as populações passadas e as gerações atuais de adultos
e idosos estão deixando uma herança maldita, em termos ambientais, para as
populações futuras, aquelas que ainda nem sonham em nascer.
Mas o conflito intergeracional
já começou. Na Cúpula do Clima, em Nova York, Greta Thunberg disse para os
“velhos” dirigentes mundiais: “Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com
suas palavras vazias”.
Mais de 4 milhões de jovens
repetiram algo semelhante e foram às ruas em 20/09 pedindo um futuro
ambientalmente sadio. Outros 3 milhões foram às ruas em 27/09. Todavia, líderes
políticos, eleitos pelo povo, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, sequer se
dignaram a ouvir o apelo das crianças e adolescentes. E o pior é que estes
dirigentes não escutam nem as palavras de sabedoria dos cientistas.
O problema é que existe um
hiato entre o tempo necessário para se adotar medidas para conter o aquecimento
global e a 6ª extinção em massa das espécies e a tomada de consciência de uma
nova geração, que nem nasceu ainda, mas vai pagar o preço da inação das
gerações presentes. O mundo está diante da possibilidade de ter gerações
futuras sem futuro.
De certa forma, estas são
algumas das preocupações da ativista Greta Thunberg que em discurso na ONU
clamou por ações imediatas dos líderes mundiais. Abaixo duas traduções livres
dos pronunciamentos da adolescente sueca em Nova York e em Montreal:
Discurso de Greta Thunberg
na Cúpula do Clima da ONU em 23/09/2019.
“Está tudo errado. Eu não
deveria estar aqui. Eu deveria estar de volta à escola do outro lado do
Atlântico. No entanto, todos vocês vêm a mim em busca de esperança? Como vocês
ousam! Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias. E,
no entanto, sou uma jovem sortuda. As pessoas estão sofrendo. Pessoas estão
morrendo. Ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no início de
uma extinção em massa. E tudo o que vocês podem falar é sobre dinheiro e sobre
o conto de fadas do eterno crescimento econômico. Como vocês ousam!
Por mais de 30 anos, a ciência
é clara. Como vocês ousam continuar a desviar o olhar e vir aqui dizendo que
está fazendo o suficiente, quando as políticas e soluções necessárias ainda não
estão à vista. Com os níveis de emissões atuais, nosso orçamento de CO2
restante será esgotado em menos de 8,5 anos.
Vocês dizem que nos ouvem e que
entendem a urgência. Mas não importa o quão triste e com raiva eu esteja, não
quero acreditar nisso. Porque se vocês entendessem completamente a situação e
continuassem a não agir, seria mal. E eu me recuso a acreditar nisso.
A ideia popular de reduzir
nossas emissões pela metade em 10 anos apenas nos dá 50% de chance de
permanecer abaixo de 1,5°C e o risco de desencadear reações em cadeia
irreversíveis, além do controle humano.
Talvez 50% seja aceitável para
vocês. Mas esses números não incluem pontos de inflexão, a maioria dos ciclos
de feedback, aquecimento adicional oculto pela poluição tóxica do ar ou os
aspectos de justiça e equidade. Eles também contam com a geração de meus filhos
e de meus netos sugando centenas de bilhões de toneladas de seu CO2
do ar com tecnologias que quase não existem. Portanto, um risco de 50%
simplesmente não é aceitável para nós – nós que temos que viver com as
consequências.
Para ter uma chance de 67% de
permanecer abaixo de um aumento de temperatura global de 1,5°C – as melhores
chances dadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – o mundo
tinha 420 gigatoneladas de dióxido de carbono para emitir em 1º de janeiro de
2018. Hoje esse número já está até menos de 350 gigatoneladas. Como vocês se
atrevem a fingir que isso pode ser resolvido com as soluções usuais e algumas
técnicas. Com os níveis de emissões atuais, esse orçamento restante de CO2
será esgotado em menos de oito anos e meio.
Não haverá soluções ou planos
apresentados de acordo com esses números hoje. Porque esses números são muito
desconfortáveis. E vocês ainda não estão maduros o suficiente para dizer como
é. Vocês estão falhando conosco.
Mas os jovens estão começando a
entender sua traição. Os olhos de todas as gerações futuras estão sobre vocês.
E se vocês optarem pelo fracasso, eu digo que nunca iremos perdoá-los. Não
vamos deixar vocês escaparem disso.
Bem aqui, agora, é onde
traçamos a linha. O mundo está acordando. E a mudança está chegando, quer vocês
gostem ou não.
Discurso de Greta Thunberg em
Montreal, para 500 mil pessoas, dia 27/09/2019.
“Então, pelo menos 500.000
pessoas estão aqui neste momento. Vocês devem se orgulhar muito disso porque
fizemos isso juntos e não posso agradecer o suficiente por estarem aqui.
Hoje, em todo o mundo, milhões
de pessoas estão marchando simultaneamente. E é incrível estarmos unidos de tal
maneira por uma causa comum. Parece ótimo, não é? Mas é ótimo estar no Canadá.
É um pouco como voltar para casa. Vocês são muito parecidos com a Suécia, de
onde eu vim. Vocês tem alces e nós temos alces. Vocês tem invernos frios e
muita neve e pinheiros. Temos invernos frios e muita neve e pinheiros. Vocês
tem o caribu e nós temos as renas. Vocês jogam hóquei no gelo e nós jogamos
hóquei no gelo. Vocês tem xarope de bordo e nós – bem, esqueça esse.
Vocês são um país que
supostamente são um líder climático. E a Suécia também é um país que é
supostamente um líder climático. E em ambos os casos, isso significa
absolutamente nada. Porque em ambos os casos, são apenas palavras vazias. E a
política necessária ainda não está à vista. Então, somos basicamente iguais.
Na semana passada, mais de
quatro milhões de pessoas, em mais de 170 países, fizeram greve pelo clima.
Marchamos por um planeta vivo e um futuro seguro para todos. Falamos da ciência
e exigimos que as pessoas no poder ouvissem e agissem sobre a ciência. Mas
nossos líderes políticos não ouviram. Nesta semana, líderes mundiais de todo o
mundo se reuniram em Nova York para a Cúpula de Ação Climática da ONU. Eles nos
decepcionaram mais uma vez com suas palavras vazias e planos insuficientes.
Dissemos a eles para se unirem
por trás da ciência, mas eles não ouviram. Então, hoje, somos milhões em todo o
mundo agindo e marchando novamente. E continuaremos fazendo isso até que eles
escutem.
Se as pessoas no poder não
assumirem sua responsabilidade, nós o faremos. Não deve depender de nós, mas
alguém precisa fazê-lo.
Eles dizem que não devemos nos
preocupar, que devemos esperar um futuro brilhante. Mas eles esquecem que, se
tivessem feito seu trabalho, não precisaríamos nos preocupar. Se eles tivessem
começado a agir a tempo, então essa crise não seria a que é hoje. E prometemos
que, assim que começarem a assumir a responsabilidade e fazer o trabalho,
deixaremos de nos preocupar e voltaremos para a escola, voltaremos ao trabalho.
E mais uma vez, não estamos
comunicando nossas opiniões ou opiniões políticas. A crise climática e
ecológica está além da política partidária. Estamos comunicando a melhor e
atual ciência disponível a algumas pessoas – particularmente aquelas que, de
várias maneiras, causaram essa crise que a ciência é desconfortável demais para
enfrentar. Mas nós, que teremos que viver com as consequências e, de fato,
aqueles que já estão vivendo com a crise climática e ecológica – não temos
escolha.
Para ficar abaixo de 1,5°C e
nos dar a chance de evitar o risco de desencadear reações em cadeia
irreversíveis além do controle humano – para fazer isso, precisamos falar
claramente e dizer a verdade.
O relatório SR-1,5 do IPCC,
lançado no ano passado, diz na página 108 do capítulo 2 que havia 67% de chance
da temperatura global permanecer abaixo de 1,5°C de aumento. Nas melhores
probabilidades dadas pelo IPCC – o mundo tinha 420 gigatoneladas de CO2
para emitir em 1º de janeiro de 2018. E hoje, esse número já caiu para menos de
350 gigatoneladas.
Com os níveis de emissões
atuais, esse orçamento restante de CO2 será totalmente gasto em
menos de oito anos e meio. E observe que esses cálculos não incluem o
aquecimento já oculto por poluição tóxica do ar, pontos de inflexão não
lineares, loops de feedback bruto ou o aspecto da justiça climática equitativa.
Eles também estão confiando na
minha geração, a sua geração, sugando centenas de bilhões de toneladas de CO2
do ar com tecnologias que quase não existem. Nunca ouvi nenhum político,
jornalista ou líder de negócios sequer mencionar esses números.
Eles dizem: “Deixe as crianças
serem crianças”. Nós concordamos. Sejamos filhos. Façam sua parte. Comunique
esses tipos de números em vez de deixar essa responsabilidade para nós. Então
podemos voltar a “ser criança”.
E não estamos na escola hoje.
Vocês não estão no trabalho hoje. Porque isso é uma emergência e não seremos
espectadores. Alguns diriam que estamos perdendo tempo de aula. Dizemos que
estamos mudando o mundo.
Para que quando formos mais
velhos, poderemos olhar nossos filhos nos olhos e dizer que fizemos tudo o que
podíamos naquela época. Porque esse é o nosso dever moral, e nunca vamos parar
de fazer isso. Nunca deixaremos de lutar por um planeta vivo e por um futuro
seguro – pelo nosso futuro.
Faremos tudo o que estiver ao
nosso alcance para impedir que esta crise piore, mesmo que isso signifique
faltar à escola ou ao trabalho. Porque isso é mais importante. Já nos disseram
tantas vezes que não faz sentido fazer isso. Que não teremos impacto de
qualquer maneira. Que não podemos ter um impacto e fazer a diferença. Mas acho
que já provamos que isso está errado.
Através da história, as
mudanças mais importantes na sociedade vieram de baixo para cima, da base. E os
números ainda estão chegando. Mas parece que 6,6 milhões de pessoas se juntaram
à Semana para o Futuro, as greves de 27/09 e de 20/09.
Essa é uma das maiores
manifestações da história. O povo falou e continuaremos falando até que nossos
líderes escutem e ajam.
“Nós somos a mudança e a
mudança está chegando”. (ecodebate)
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