Artigo analisa dificuldades de acesso à água potável
e saneamento básico na Amazônia.
Tecnologias
testadas enfrentam dificuldades impostas pela dinâmica de alagamentos da
várzea, ecossistema amazônico, e também por questões culturais.
Segundo
levantamentos da ONU, cerca de 30% da população mundial não tem acesso adequado
a água limpa e a serviços de saneamento e 12% ainda praticam a defecação à céu
aberto. O acesso inadequado a estes serviços básicos gera, diariamente,
milhares de mortes por doenças evitáveis.
No
Brasil, as dificuldades de acesso à água potável não são uma particularidade do
sertão nordestino. No interior da Amazônia, milhares de comunidades também
sofrem com o problema. O motivo, entretanto, é paradoxalmente oposto ao
principal problema enfrentado no semiárido, carente de fontes naturais de água.
Em certas regiões do bioma amazônico afastadas dos grandes centros urbanos, a
complicação é o excesso de água.
Isso
acontece em áreas de várzea, ecossistema cuja dinâmica de cheias e secas faz
milhares de comunidades ribeirinhas se constituírem de casas adaptadas, como
flutuantes e palafitas que ficam sob a água durante boa parte do ano.
O
estudo “Challenges for water supply and sanitation in riverine communities of
central amazon floodplains” do Instituto Mamirauá analisa as principais
dificuldades encontradas na busca por soluções para o acesso à água potável e
saneamento básico na região de várzea do Médio Solimões, na Amazônia Central.
O
principal objetivo do estudo foi avaliar os erros e acertos das tecnologias
testadas para assim, se buscar novas soluções. O trabalho é de autoria dos
pesquisadores Leonardo Capeleto de Andrade, João Paulo Borges Pedro e Maria
Cecília Gomes.
Muita
água na cheia, água longe na seca
O
acesso à água superficial depende do nível dos rios mais próximos, que varia de
acordo as secas e cheias na região.
Durante
a época da seca, a água do rio vai para longe das casas e durante a cheia pode
chegar a entrar nas mesmas, o que torna impossível qualquer método de captação
de água fixo e dificulta a perfuração de poços.
A
qualidade também muda. Na seca, há maior
concentração de sedimentos orgânicos, peixes e outros animais nos rios, o que
pode tornar a água de aspecto esverdeado e com cheiro desagradável – imprópria
para consumo humano e para banho.
Por
isso, nesta época, os ribeirinhos buscam a água em córregos – em jornadas que
podem levar mais de uma hora e feitas, em geral, por mulheres e crianças.
Desde
a década de 1980, diferentes tecnologias vêm sendo implementadas na região para
resolver a questão.
Poços
com bombas manuais, por exemplo, exigem grande esforço físico e bombas com
motor exigem combustível ou energia elétrica, cujo acesso nas comunidades é
limitado a algumas horas por dia e proveniente de geradores movidos (também)
por combustíveis como diesel e gasolina.
Ainda,
a água subterrânea na região costuma ser inadequada devido à concentração
natural de ferro acima do limite de potabilidade.
Como
alternativa, o Instituto Mamirauá elaborou e implementou um sistema de
abastecimento de água por energia solar, fonte de energia barata e sustentável.
No
entanto, custos de instalação do sistema, estocagem, tratamento e distribuição
da água ainda são desafios a serem superados.
Além
disso, ainda é necessário o tratamento para eliminação de patógenos, agentes de
doenças infecciosas.
“Os
desafios nesse tratamento são acesso a equipamentos, produtos e treinamento de
uso e também custos. O cloro, por exemplo, gera sabor e odor na água; filtros
de areia podem não ser muito eficientes e ainda exigem manutenção recorrente, e
filtros cerâmicos, conhecido como filtro de vela, são de difícil acesso nesta
região. Existem vários métodos, com prós e contras, que esbarram nessas questões”,
explica o engenheiro ambiental Leonardo Capeleto, pesquisador do Grupo de
Pesquisa em Inovações Tecnológicas (GPIDATS) do Instituto Mamirauá, uma
organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações
e Comunicações (MCTIC).
O problema do saneamento básico
Diretamente
relacionado à qualidade da água, o saneamento básico deficiente na região da
Amazônia Central perpassa mais por questões culturais.
“Enquanto
os desafios de abastecimento de água na várzea amazônica são específicos a esse
ambiente, os desafios em saneamento são muito comuns em todo o mundo”, atesta o
estudo. “É normal e natural que as pessoas não queiram lidar com os próprios
dejetos”, afirma Leonardo.
Os
sanitários secos são uma alternativa ecológica à defecação à céu aberto,
prática ainda comum na região e que, além da poluição, implica em sérios riscos
à saúde das populações. “Apesar disso, os ribeirinhos dão preferência a
descarga, como nos centros urbanos”, explica.
O
problema é que, diferentemente dos sanitários secos, as descargas demandam
maiores custos em obras, acesso constante à água e também gera maior quantidade
de resíduos para tratamento.
Por
isso, defende o pesquisador, “é necessário adaptar os projetos de água às
realidades locais, tanto ambientais quanto culturais e assim gerar tecnologias
ambientais que sejam adequadas para e apropriadas pelos ribeirinhos
amazônicos”. (ecodebate)
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