“No
ano de 2078 eu farei 75 anos. Se eu tiver filhos, talvez eles passem o dia
comigo. Talvez eles me perguntem sobre vocês. Talvez me perguntem por que vocês
não fizeram nada enquanto ainda havia tempo para agir”. - Greta Thunberg
O mundo vive uma emergência
climática devido ao aumento imemorial da temperatura do Planeta. A temperatura
média da Terra, se nada for feito urgentemente, caminha rumo ao maior valor em
mais de 5 milhões de anos (Alves, 19/09/2016). Os últimos 6 anos foram os mais
quentes já registrados e 2019 deve bater o recorde do recorde ocorrido em 2016.
A concentração de CO2
que permaneceu abaixo de 280 partes por milhão (ppm) durante o florescimento da
civilização incrementada pela Revolução agrícola e a expansão dos assentamentos
humanos (houve grande estabilidade climáticas nos últimos 12 mil anos antes da
Revolução Industrial e Energética), iniciou uma trajetória de aumento que tem
se intensificado nos últimos anos. A concentração de CO2 na atmosfera chegou a
300 ppm em 1920, atingiu 310 ppm em 1950, 350 ppm em 1987, 400 ppm em 2015 e
deve ultrapassar 410 ppm em 2019. Na primeira década do século XXI, a
concentração de CO2 aumentava 2 ppm ao ano e na segunda década
passou a aumentar 2,5 ppm ao ano. O mundo caminha para uma situação inusitada e
dramática.
O vetor principal do aumento do
efeito estufa é a emissão de CO2 decorrente da queima de
combustíveis fósseis e de outras atividades antrópicas que liberam gases de
efeito estufa (GEE). As emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões
de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a
25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram 36 bilhões de toneladas em
2017.
Durante o século XX, foram os
países ricos que mais poluíram o bem comum da vida humana e não humana que é o
espaço da atmosfera. Mas no século XXI, são os países pobres e, principalmente,
os de renda média, que lideram os níveis de poluição (Alves, 23/10/2019). O
gráfico acima mostra que os 36 países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, OCDE (quase todos eles de renda alta) emitiam 3
vezes mais do que os 5 países do grupo BRICS, mas houve empate em 2010 e, em
2017, o BRICS já emitiram cerca de 20% a mais do que a OCDE.
As emissões do conjunto da OCDE
estavam em 5,8 bilhões de toneladas de CO2 em 1959, subiram até o
pico de 14 bilhões de toneladas em 2007 e começaram a cair depois da crise
econômica de 2008/09, até atingir 12,7 bilhões de toneladas em 2017 (um
crescimento de 2,2 vezes entre 1959 e 2017). Já as emissões do conjunto do BRICS
que estavam em 1,8 bilhões de toneladas de CO2 em 1959 subiram continuamente
até 13,8 bilhões de toneladas em 2011 (quando ultrapassaram a OCDE) e atingiram
14,9 bilhões de toneladas em 2017 (um crescimento de 8,2 vezes entre 1959 e
2017).
Evidentemente, os países ricos
da OCDE possuem um nível de emissão per capita superior ao nível das emissões
dos países de renda média do BRICS, conforme mostra o gráfico abaixo. Cada
habitante da OCDE emitia em média 7,4 toneladas de CO2 em 1959,
subiu até o máximo de 11,6 toneladas em 2007 e caiu ligeiramente para 9,8
toneladas em 2017 (um aumento de 1,3 vezes entre 1959 e 2017). Entre os países
do BRICS, a emissão per capita estava em 1,4 toneladas em 1959, subiu para 3,7
toneladas em 2007 e chegou a 4,7 toneladas em 2017 (um aumento de 3,4 vezes
entre 1959 e 2017).
Portanto, os países da OCDE
possuem uma emissão per capita maior do que a emissão média dos habitantes do
BRICS, mas no total o BRICS emite mais do que a OCDE desde 2011. A diferença
decorre dos níveis desiguais do volume populacional. A população total da OCDE
era de 787 milhões de habitantes em 1959 e passou para 1,3 bilhão em 2017 (um
crescimento de 1,6 vezes). No mesmo período, a população total do BRICS passou
de 1,3 bilhão de habitantes para 3,2 bilhões (um crescimento de 2,4 vezes).
Nos países da OCDE, a emissão
per capita é 2 vezes maior do que nos países do BRICS. Mas, em termos
demográficos, a relação se inverte, pois o BRICS tem uma população 2,5 vezes
maior do que a população da OCDE. Assim, levando em consideração as emissões
per capita e o volume da população, o BRICS passou a liderar a poluição
climática a partir de 2011 e deve continuar poluindo cada vez mais, já que
possui taxas de crescimento populacional e econômico superior àquelas da OCDE.
Esta situação é preocupante,
pois a emissões globais de CO2 já estão em 37,1 bilhões de toneladas
em 2018 e, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC,
2018) elas precisam cair para algo em torno de 18 bilhões de toneladas até 2030
e para zero até 2050, para evitar que a temperatura global ultrapasse 1,5oC
da meta do Acordo de Paris. Porém, mesmo que, num passe de mágica, as emissões
da OCDE fossem zeradas imediatamente, a emissão dos demais países que estavam
em 23,5 bilhões de toneladas de CO2 em 2017 precisariam cair em mais
de 5 bilhões de toneladas até 2030 e para zero até meados do século. Ou seja, o
desafio é gigantesco, pois, atualmente, em uma Terra com “Sobrecarga ambiental”
(Alves, 26/07/2019), não só os países ricos precisam reduzir as emissões, mas
também os países de renda média como o BRICS (e mesmo os pobres precisam dar
suas contribuições voluntárias).
Nos países ricos da OCDE a
dinâmica demográfica aponta, proximamente, para uma estabilização e um posterior
decrescimento ao longo do século. As emissões já estão caindo e a redução do
consumo conspícuo e a mudança nos padrões de produção poderiam zerar as
emissões nas próximas décadas. Assim, mesmo com todas as dificuldades, a
erradicação das emissões líquidas da OCDE (embora com toda a resistência das
grandes corporações fósseis) traria mais ganhos ambientais no longo prazo do
que prejuízos significativos no padrão de vida aceitável de seus habitantes.
Já nos países em
desenvolvimento (renda baixa e renda média) o desafio é ainda mais complexo,
pois as projeções indicam crescimento demoeconômico ao longo do século e o
crescimento econômico, em geral, é considerado uma necessidade para erradicar a
pobreza, como apontado na meta # 8.1, dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU: “Sustentar o crescimento econômico per
capita, de acordo com as circunstâncias nacionais e, em particular, pelo menos
um crescimento anual de 7% do PIB nos países menos desenvolvidos” (Ver Alves,
2019).
Porém, é inegável que o
crescimento da população e da economia contribui para o aumento das emissões de
CO2. Mesmo com todas as inovações tecnológicas das últimas décadas,
a correlação entre o crescimento demoeconômico e o aumento das emissões não
desapareceu, embora tenha dinâmicas um pouco diferenciadas entre os países
considerados desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento.
Os gráficos abaixo mostram
a correlação entre o aumento das emissões e o aumento do número dos habitantes
nos dois grupos de países. Para o caso da OCDE, nota-se (no painel da esquerda)
que as emissões cresciam mais rápido do que a população na maior parte do
período até a crise financeira de 2008/09 e começou a cair a partir desta data.
A correlação entre população e emissões na OCDE (painel da direita) foi de
84,1% no período, evidenciando que o aumento do número de habitantes esteve
associado com o aumento das emissões, especialmente na segunda metade do século
XX.
Para o caso do grupo BRICS,
nota-se (no painel da esquerda) que as emissões seguiam, aproximadamente, o
mesmo ritmo de crescimento demográfico no século passado, mas aceleraram
vertiginosamente no século XXI, especialmente, durante o período conhecido como
“super ciclo das commodities”. A correlação entre população e emissões no BRICS
(painel da direita) foi de 84,96% no período. Assim como na OCDE, há uma forte
associação entre o aumento do número de habitantes e o aumento das emissões,
embora a dinâmica temporal entre as duas variáveis sejam distintas no interior
dos dois blocos econômicos.
Mas se a correlação entre
população e emissões de CO2 é grande, algo semelhante deve ocorrer
com a correlação entre a economia e as emissões, pois uma população mais rica,
em geral, consome mais e polui mais, enquanto uma população mais pobre tem um
comportamento oposto, quando se considera o nível de renda. Todavia, as
dinâmicas demográficas e econômicas não seguem, necessariamente, o mesmo padrão
em todos os lugares.
Nos gráficos abaixo
apresentamos os dados sobre a variação do Produto Interno Bruto (PIB), dos dois
grupos de países em questão, e suas emissões de CO2. Nota-se que a
reta de tendência linear entre as variáveis PIB e emissões, na OCDE (painel da
esquerda) indica que 80,53% da variabilidade das emissões de CO2
está associada diretamente ao crescimento do PIB, ao longo dos anos de 1959 e
2016.
No caso dos BRICS, a
associação é mais intensa, pois a reta de tendência linear entre as variáveis
PIB e emissões (painel da direita), indica que 98,39% da variabilidade das
emissões de CO2 está associada diretamente ao crescimento do PIB, ao
longo dos anos de 1959 e 2016.
O gráfico abaixo sintetiza o
comportamento da população, do Produto Interno Bruto (PIB) e das emissões de CO2
em dois períodos selecionados: os últimos 40 anos do século XX (1959-99) e os
primeiros 16 anos do século XXI (2000-16). Na OCDE, tanto a população, quanto o
PIB, reduziram o ritmo de crescimento entre os dois períodos, mas houve
decrescimento das emissões de CO2 entre os anos 2000 e 2016, em
função de mudanças na população (envelhecimento, urbanização, etc.) e mudanças
tecnológicas no padrão de produção e consumo e na matriz energética. Já no
grupo BRICS, houve redução do ritmo de crescimento da população, mas aceleração
no crescimento do PIB entre os dois períodos, resultando num aumento das taxas
anuais de emissão de CO2 entre os dois períodos, o que mostra que
não basta reduzir a população para reduzir as emissões. Para evitar a
continuidade da emissão de gases de efeito estufa é preciso haver redução do
crescimento demoeconômico e mudanças na composição da população e da economia,
desacoplando as emissões do aumento das atividades antrópicas.
Mas as emissões crescem muito
não apenas nos 5 países do grupo BRICS, mas naqueles países que fazem parte da
Iniciativa chinesa “Um Cinturão Uma Rota”. Artigo de Lachlan Carey (05/11/2019)
mostra que uma grande parte dos investimentos do grande projeto de investimento
chinês são em fontes de energia fóssil, sendo que a China sozinha era
responsável por 28% das emissões globais em 2017 e os seus parceiros por mais
19%. Ou seja, os países envolvidos na iniciativa “Um Cinturão Uma Rota”
respondiam por quase 50% das emissões globais.
Todos estes gráficos mostram
que existe uma correlação muito forte entre o crescimento da população, da
economia e das emissões de CO2. Embora pouco difundido, este tipo de discussão
já foi aprofundado por vários autores, como no trabalho “Global demographic
trends and future carbon emissions” (O’Neill et. al., 2010), que mostrou que a
redução do crescimento da população mundial poderia diminuir as emissões
globais de CO2 entre 16 e 29% até 2050 e que existe uma alta
correlação entre aumento da população, da economia e da poluição atmosférica.
Inegavelmente, este resultado
já era esperado, pois o uso de energia para as residências, as fábricas, o
transporte e demais atividades, a produção de cimento para a infraestrutura, os
domicílios, a estrutura produtiva e demais obras econômicas ou sociais e a grande
produção de alimentos vegetais e animais – tudo isto – tem como externalidades
negativas a liberação de gases de efeito estufa (GEE) que aumentam a
concentração de CO2 na atmosfera e aceleram o aquecimento global.
Quanto maior a população e quanto maior o consumo das pessoas, maior tende a
ser a poluição dos solos, da água e do ar.
Todavia, esta verdade
elementar e auto evidente, não constitui uma narrativa predominante no cenário
internacional. Existem vários fatores de confundimento que embaralham a compreensão
dos vetores da crise climática e ambiental.
A primeira confusão, que põe em
dúvida todas as evidências empíricas apresentadas acima, vem dos “céticos do
clima” ou “negacionistas da crise climática”. Algumas pessoas ingênuas e outras
financiadas pela indústria química e dos combustíveis fósseis propagam duas
narrativas para semear a dúvida e desviar a atenção das verdadeiras causas do
caos climático: 1) negam a tendência de aquecimento global (dizendo que os
termômetros e os instrumentos de medida estão errados ou manipulados); ou 2)
reconhecem que há aquecimento global, mas atribuem este fenômeno às
instabilidades naturais (mudanças na órbita ou radiações inesperadas do sol,
erupções vulcânicas, etc.) e tentam desqualificar os cientistas e o IPCC
dizendo que o aquecimento global não é antropogênico ou, simplesmente, que a
influência humana é muito pequena. Os negacionistas do clima jamais vão aceitar
que o crescimento da população e da economia está por trás dos problemas
climáticos e ambientais. O escritor sueco Bjørn Lomborg é um dos principais
representantes desta corrente de pensamento e do lobby das grandes corporações
com interesses antiambientais.
A segunda confusão advém do
pensamento desenvolvimentista e dos chamados “tecnófilos cornucopianos” que,
mesmo reconhecendo os graves problemas climáticos e ambientais da atualidade,
consideram que a inteligência e a engenhosidade humana são capazes de resolver
os contratempos criados, sem comprometer a marcha para o progresso e o futuro
brilhante da civilização. Utilizando a abordagem da “Curva ambiental de
Kuznets”, dizem que o impacto negativo do crescimento econômico é uma tendência
natural dos primeiros ciclos do desenvolvimento, mas que tende a se reverter
com o passar do tempo, pois as próprias forças de mercado que geraram efeitos
perversos no passado, se encarregariam de reduzir os danos a partir do momento
em que cada nação ultrapasse certo limiar de renda per capita. Ou seja, para
estes autores, as dificuldades geradas pelo processo de crescimento econômico
se resolve com mais crescimento. Para este tipo de narrativa, o tamanho da
economia (do PIB) não é um problema, mas a solução, especialmente se houver
liberdade de iniciativa para deslanchar o aperfeiçoamento científico e tecnológico
(Alves, 19/12/2012).
Existem autores que se dizem de
esquerda e que defendem a solução tecnológica para salvar o meio ambiente e a
sociedade, como Alex Williams e Nick Srnicek, que lançaram o “manifesto
aceleracionista”, onde, entre outras pérolas, dizem: “Aceleracionistas querem
libertar as forças produtivas latentes. Nesse projeto, a plataforma material do
neoliberalismo não precisa ser destruída. Precisa ser reaproveitada para fins
comuns. A infraestrutura existente não é um estágio capitalista a ser esmagado,
mas um trampolim para lançar o pós-capitalismo”.
A terceira confusão é antiga e
vem daqueles que colocam toda a culpa da pobreza social e ambiental apenas
sobre o crescimento populacional desregrado. O autor mais famoso na
culpabilidade dos pobres foi Thomas Malthus (1766-1834) – que era um defensor
dos interesses econômicos e políticos dos proprietários de terra e da monarquia
britânica. No ensaio sobre população, cuja primeira edição, de 1798, foi
publicada de forma apócrifa, ele dizia que a pobreza era um resultado
inevitável de uma suposta “lei de população” que, de maneira inexorável, na
ausência de “freios positivos”, impunha um crescimento demográfico sempre
superior ao crescimento econômico. E para Malthus, que era um pastor da igreja Anglicana
e era contra os meios contraceptivos para reduzir a fecundidade, os “freios
positivos” para limitar a população eram a tríade: fome, miséria e guerras.
Outro autor que colocava toda a
culpa dos problemas ambientais e sociais no descontrole do crescimento
populacional é Paul Ehrlich, que, em 1968, lançou o livro “A bomba
populacional” traçando um quadro catastrófico em decorrência do aumento da
população mundial. Mas Ehrlich não era demógrafo e sim um lepidopterologista
(especialista em borboletas), que propunha a receita neomalthusiana de
crescimento populacional zero (ZPG, na sigla em inglês), ou seja, dois filhos
por casal. Na mesma época e na mesma linha de raciocínio, o presidente dos
Estados Unidos, Lyndon Jonhson disse: “Mais
vale 5 dólares investidos em planejamento familiar do que 100 dólares
investidos em desenvolvimento”.
Mas o neomalthusianismo mais
autoritário e draconiano da história se manifestou e foi colocado em prática na
China comunista, com a “política de filho único”, que vigorou de forma efetiva
entre 1979 e 2015. Os dirigentes chineses dizem que o sucesso que tiveram na
erradicação da pobreza só foi possível, em grande parte, devido à redução do
tamanho das famílias e do ritmo de crescimento demográfico. Portanto, o
controle populacional não é apenas uma narrativa para justificar a pobreza, mas
já foi testado de forma impositiva, com todos os seus problemas, no país mais
populoso do mundo.
A quarta confusão também é
antiga e vem daquelas forças que defendem o pronatalismo sem limites e dizem
como o Papa Paulo VI: “Precisamos aumentar o banquete e não diminuir os
comensais”. De fato, este mesmo Papa publicou em julho de 1968 (dois meses
depois do livro de Ehrlich) a controversa encíclica Humanae Vitae, colocando a
Igreja Católica contra o uso de métodos contraceptivos modernos, além de
defender o sexo apenas com a finalidade procriativa. Até hoje a Igreja Católica
defende as famílias numerosas e diz que a pobreza não tem nada a ver com o
crescimento populacional, mas sim com a falta de caridade e a avareza das
forças econômicas predominantes no mundo (Alves, 18/07/2018). Até o Papa
Francisco, que se apresenta como um defensor do meio ambiente e promoveu o
Sínodo da Amazônia, não conseguir rever a encíclica Humanae Vitae e deu declarações
a favor das famílias numerosas e contra a autodeterminação reprodutiva das
pessoas (Alves, 07/07/2016).
No mundo acadêmico, um autor
que marcou época e assumiu uma postura radical contra o controlismo e a favor
do pronatalismo foi o economista neoliberal e “pai” intelectual dos
negacionistas do clima – além de assessor do presidente Ronald Reagan – Julian
Simon, que costumava dizer e repetir: “quanto mais gente no mundo melhor”.
Simon foi percussor da ideia de que os recursos infinitos da engenhosidade
humana, poderiam avançar com a tecnologia e contornar todos os problemas
ambientais da Terra, sem comprometer as bases da acumulação do regime
capitalista em escala local e planetária. Ele dizia que, numa sociedade com
livre mercado, não há limite para a produção de alimentos, a oferta de petróleo
é infinita e os filhos são um “bem de produção” que trazem retornos crescentes
para as famílias e a sociedade (Alves, 16/05/2012).
Mas apesar de todo o esforço
das forças antineomalthusianas, a transição demográfica vem avançando em
praticamente todos os países e, em decorrência, muitos países enfrentam a nova
realidade do envelhecimento populacional e diversos países já apresentam
decrescimento demográfico. Diante desta nova realidade, ampliaram as forças
antípodas ao neomalthusianismo de Paul Ehrlich, e que se manifestam contra a
chamada “implosão populacional”. O livro “Empty Planet: The Shock of Global
Population Decline”, dos jornalistas canadenses Darrell Bricker e John Ibbitson
(2019), contesta as previsões de crescimento populacional da Divisão de
População da ONU e fazem uma espécie de terrorismo com a possibilidade da
extinção da humanidade via baixa natalidade. Eles dizem que, ao longo da
história, o despovoamento foi o produto de catástrofes: eras glaciais, pragas,
o colapso das civilizações, etc. Porém, na contemporalidade, o declínio da
população deve ocorrer em função da baixa fecundidade. Para tanto, mesmo com
todos os problemas ambientais, fazem um apelo em favor do crescimento populacional
(Alves, 15/03/2019).
Portanto, para as forças
antropocêntricas e pronatalistas, tanto do espectro conservador e do
fundamentalismo religioso, quanto do espectro neoliberal (que influiu nos
resultados da Conferência de População ocorrida na cidade do México, em 1984),
a população não pode ser associada com a crise climática e ambiental. Estas
forças costumam interditar o debate demográfico, além de promover o silêncio
sobre os problemas populacionais.
A quinta confusão vem daquelas
pessoas bem intencionadas que costumam inverter o argumento controlista e que
dividem a humanidade, de maneira maniqueísta, entre as parcelas pobres da
população que são apenas vítimas das injustiças sociais e do apartheid
climático e as parcelas ricas que exploram, dominam e degradam a sociedade e a
natureza. Para a maioria dos autores desta linha de pensamento, a pobreza
decorre apenas da lógica da produção de mais-valia e a desigualdade social e os
problemas ambientais decorrem simplesmente do excesso de consumo e riqueza das parcelas
privilegiadas e ociosas da sociedade. Por exemplo, no livro “Too Many People:
Population, Immigration, and the Environmental Crisis”, os autores Ian Angus e
Simon Butler argumentam que “não há correspondência entre emissões de dióxido
de carbono e a densidade populacional” e que “As emissões de CO2 são
um problema dos países ricos e não dos pobres” (Alves, 03/05/2019).
Nem tanto ao céu, nem tanto ao
inferno. Como vimos nos gráficos deste artigo, existe uma correlação inequívoca
entre população, economia e emissões de CO2. E a interação entre
estas 3 variáveis muda ao longo do tempo e do espaço. De fato, os países ricos
foram os responsáveis pela maior parte das emissões históricas de gases de
efeito estufa. Todavia, o crescimento da população e da economia dos países “em
desenvolvimento” (na terminologia do Banco Mundial) alterou a correlação de
forças. No século XXI, são os chamados países “emergentes” – fundamentalmente
aqueles de renda média – que assumiram a liderança das emissões, como é o caso dos
5 países que fazem parte do BRICS. A globalização das cadeias produtivas
generaliza um padrão de produção e consumo que é eficiente na produção de
mercadorias, mas que é ineficiente no controle da poluição. Atualmente, os
países ricos, reunidos na OCDE, são responsáveis por cerca de um terço das
emissões de CO2 e o restante do mundo por cerca de dois terços das
emissões.
Sem dúvida, uma população
grande com baixíssimo nível de renda e consumo não pode ser responsabilizada
pela crise climática. Mas uma população grande com uma economia crescente muda
o quadro completamente. A China, na década de 1960, respondia por apenas 4% das
emissões globais de CO2, mas com o crescimento demoeconômico passou
a emitir 27% das emissões globais na atual década. A Índia, na década de 1950,
emitia apenas 1% do dióxido de carbono global e passou a emitir 7% do total das
emissões do mundo em 2017. Hoje em dia as cidades da Índia, como Nova Deli, tem
um ar tão poluído que costuma inviabilizar as atividades econômicas corriqueiras,
além de ser responsável por uma alta proporção de mortes.
Em síntese, a situação
climática do mundo está saindo do controle. O tempo urge e as condições
climáticas se agravam. Todos os países precisam enfrentar a discussão sobre
população, economia e meio ambiente. O mundo só tem 12 anos para reduzir as
emissões pela metade e neste período as ações sobre o padrão de produção e
consumo são mais urgentes do que as ações demográficas. Mas as emissões
precisam ser zeradas até 2050 e as medidas para reduzir o crescimento
demográfico neste período podem ajudar no sentido de mitigar o drama das
mudanças climáticas.
Não se pode culpar simplesmente
o crescimento populacional pelos problemas ambientais. Mas não é correto
ignorar que a redução do volume demográfico pode contribuir para a mitigação do
aquecimento global. Evidentemente, existem muitas coisas para serem feitas,
como mudança na matriz energética (das fontes fósseis para as renováveis),
mudança na frota de veículos (de combustão interna para elétrico/renovável),
mudança na dieta alimentar (das carnes para os vegetais), da agricultura
agrotóxica para a agricultura orgânica, etc. Redução dos gastos militares e da
pegada ecológica dos exércitos do muno. Acima de tudo é preciso mudar a
“cultura do consumismo” e reduzir o consumo conspícuo das “classes ociosas”.
Além do mais, a estabilização da população mundial pode contribuir com as
medidas de adaptação à caos climático que se avizinha.
Estes são assuntos que deveriam
ser discutidos na 25ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre a Mudança do Clima (COP25), aquela que deveria ter sido realizada
no Brasil, mas não teve apoio governamental, foi transferida para o Chile que
teve de cancelar na última hora devido às manifestações populares e foi
confirmada, nas pressas, para a Espanha, no início de dezembro de 2019. O mundo
está na emergência climática e nem consegue bem organizar uma COP.
Nesta semana, entre os dias 12
e 14 de novembro, será realizada a cúpula de alto nível CIPD25, em Nairóbi,
Quênia, para avaliar e reafirmar os compromissos do Programa de Ação da
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), ocorrida na
cidade do Cairo em 1994. Seria fundamental que a Cúpula de Nairóbi tratasse da
questão demográfica e da emergência climática, especialmente o aumento contínuo
das emissões de CO2 (Alves, Rebep, 2019).
Mais de 11 mil cientistas de
todo o mundo, de maneira reiterada, alertam a humanidade sobre a ameaça de uma
iminente catástrofe ambiental e declararam que o Planeta está enfrentando uma
emergência climática. O manifesto, publicado no dia 05 de novembro de 2019 na
Revista BioScience (ver link abaixo), diz que os cientistas têm uma obrigação
moral de alertar claramente a humanidade sobre uma possível ameaça catastrófica
que pode provocar “sofrimento humano incalculável”. Um dos “sinais vitais”
responsáveis pela emergência climática é o crescimento da população e da
economia.
A questão climática e ambiental
também deveria fazer parte da XI Cúpula do BRICS, que ocorrerá nos dias 13 e 14
de novembro de 2019, no Palácio Itamaraty, em Brasília. Os países do BRICS não
podem se omitir diante do agravamento da crise climática e nem ignorar suas
responsabilidades no aumento das emissões de CO2.
O Acordo de Paris foi importante
e tomou decisões na direção correta. Mas foi insuficiente e precisa ser
aprofundado. O esforço tem que ser realizado em todas as direções. Para tanto,
é preciso analisa os dados e avaliar o cenário de maneira holística e sem
preconceito. E acima de tudo, é preciso abandonar os discursos demagógicos e as
palavras vazias e tomar medidas concretas para mitigar o aquecimento global.
Nota sobre o
agrupamento dos países:
Os 5 países do BRICS são:
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Os 36 países da OCDE são:
Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, República Checa, Dinamarca,
Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda,
Israel, Itália, Japão, Coreia do Sul, Letônia, Lituana, Luxemburgo, México,
Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia,
Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos. (ecodebate)
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