Grilagem na Amazônia – Área equivalente a duas vezes
o estado do Rio de Janeiro foi irregularmente declarada como imóvel rural no
sistema do governo; mais de 2 milhões de hectares já foram desmatados.
Um novo artigo científico de autores brasileiros,
publicado em 23/06/20 na revista “Land Use Policy”, mapeia a grilagem em
florestas públicas não destinadas na Amazônia. Dos 49,8 milhões de hectares de
florestas sob responsabilidade estadual e federal, mas ainda não alocados a
nenhuma categoria de uso, 11,6 milhões de hectares foram declarados
irregularmente como imóveis rurais, de uso particular, no Sistema Nacional de
Cadastro Ambiental Rural (CAR). Essa área equivale a dois estados do Rio de
Janeiro.
O impacto da grilagem se traduz facilmente em
desmatamento. Nessas áreas, os pesquisadores identificaram 2,6 milhões de
hectares derrubados até 2018, uma área do tamanho de Sergipe. Tal destruição
gerou a emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2, o principal gás
do efeito estufa. 80% da área desmatada (2,1 milhões de hectares) apresenta
registro no CAR, demonstrando a intenção de uso privado de uma área pública.
Se toda a área registrada até hoje como propriedade
privada fosse legalizada, de 2,2 a 5,5 milhões de hectares poderiam ser
derrubados nos próximos anos – isso seguindo os limites de desmatamento
definidos pelo Código Florestal, quando muitas vezes o desmatamento é maior que
o permitido.
Nos últimos anos, a grilagem de florestas não
destinadas aumentou. Em 2019, foi a categoria fundiária onde mais se derrubou
floresta na Amazônia, de acordo com dados do sistema de alertas de desmatamento
do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Deter. A tendência se
mantém em 2020.
Passo a passo
Para fazer a análise, os pesquisadores primeiro
limparam as sobreposições das florestas não designadas no Cadastro Nacional de
Florestas, do Serviço Florestal Brasileiro, que conta com 62 milhões de
hectares, com outras áreas na base fundiária da Amazônia. Com isso, chegou-se a
49,8 milhões de hectares de florestas públicas, próxima ao tamanho da Espanha,
que ainda não foram destinadas para proteção ou uso sustentável de seus
recursos naturais, como previsto na Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006.
Deste quinhão, os estados da Amazônia possuem uma área maior (32,7 milhões de
ha) do que o governo federal (17,1 milhões de ha).
A grilagem dessas áreas tem como objetivo frequente
a especulação fundiária. “Na Amazônia, observamos a seguinte dinâmica: um
grileiro entra na área pública e a registra como dele ou no nome de laranjas;
depois desmata a área, coloca algumas cabeças de gado para se dizer pecuarista
e tenta de todos os jeitos a regularização, ou espera um desavisado comprar a
terra. Uma vez vendida, essa terra entra no sistema de produção agropecuária, e
o novo dono e seus produtos carregam esse passivo, enquanto o grileiro passa
para a próxima área”, explica o pesquisador Paulo Moutinho, do IPAM (Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia), um dos autores principais do estudo.
O CAR, como registro de regularidade ambiental da
propriedade, autodeclarado pelo ocupante, entra nessa equação como uma
tentativa de se forjar uma ocupação regular. Por isso, é preciso barrar a
validação desses cadastros falsos no sistema. “Esses registros estão na base de
dados do governo. Para atuar contra a ilegalidade, é fundamental que o poder
público atue para, no mínimo, avaliar a legalidade da ocupação destas áreas,
pois isso é roubo do patrimônio público”, diz Moutinho.
A pesquisadora Claudia Azevedo-Ramos, da UFPA
(Universidade Federal do Pará), que liderou o estudo, destaca o papel dessas
florestas. “É preciso destinar essas florestas para fins de proteção e uso
sustentável. Preservar esses ecossistemas significa respeitar os direitos das
populações tradicionais e indígenas, que muitas vezes são expulsos pelos
grileiros, além de manter a chuva e o clima estáveis, fundamentais para a
produção agrícola na Amazônia”.
A despeito de a legislação brasileira definir
categorias potenciais de destinação para as florestas públicas, e resguardar
essas áreas como domínio público, os autores destacam que, desde 2019, todos os
programas de designação dessas áreas foram desmontadas pelos governos federal e
estaduais. “Estas florestas pertencem aos brasileiros. Aos governos, cabe
protegê-las e garantir que não sejam entregues à especulação e à usurpação de
seus recursos naturais. Preservar as florestas públicas é garantir que a
Amazônia mantenha suas funções climáticas e socioambientais, com benefícios
para todo o planeta”, explica Azevedo-Ramos. (ecodebate)
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