Sabe-se, pelo menos desde o
final do século passado, que o aumento incessante das concentrações de gases de
efeito estufa na atmosfera do nosso planeta iriam produzir esses efeitos, e que
os mesmos se agrava ano após ano, especialmente se nada fosse feito. Os
cientistas alertaram sucessivamente, através dos relatórios produzidos pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) que a única saída seria
reduzir as emissões de gases de efeito estufa, especialmente o CO₂ proveniente da queima
de combustíveis fósseis e do desmatamento.
Há pelo menos 3 décadas, no
esforço construído em torno do IPCC, a comunidade científica internacional vem
somando esforços para entender as bases físicas das alterações climáticas,
identificar potenciais impactos e vulnerabilidades de sistemas naturais e humanos,
propor soluções para conter o aumento da temperatura média global, e reduzir os
seus efeitos negativos sobre o meio ambiente e o modo de vida das pessoas. Em
08/10/2018, na Coréia do Sul, o IPCC divulgou um relatório, considerado o mais
importante já publicado abordando as mudanças climáticas, no qual avalia as
perspectivas globais de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação ao
Período Pré-Industrial. No referido documento, o IPCC ressalta o aprimoramento
e a urgência nas tomadas de decisões dos governos em relação ao Acordo de
Paris, deixando claro que um cenário de 1,5°C é mais seguro que 2°C no que diz
respeito à impactos climáticos. De fato, as estimativas científicas apontam que
caso as temperaturas globais aumentem 2°C acima dos níveis pré-industriais, as
consequências serão ainda mais catastróficas, incluindo a escassez de alimento
e de água, e desastres naturais potencializados pela ação humana, por exemplo,
aqueles que causam impactos diretos na saúde. Em suma, todas essas questões, no
fim das contas, envolvem saúde pública.
De acordo o último Relatório
Anual sobre Preparação Global para Emergências em Saúde (2019), “doenças
propensas a epidemias, como gripe, doenças respiratórias agudas graves (SARS),
Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), Ebola, Zika, febre amarela e
outros, são precursores de uma nova era de alto impacto, surtos potencialmente
de rápida disseminação que são mais frequentemente detectados e cada vez mais
difícil de gerenciar”. A passagem desses vírus para o ser humano é facilitada
quando travamos contato mais frequente com espécies silvestres por conta do
desmatamento e degradação ambiental em associação principalmente com a expansão
da fronteira agrícola e quando mantemos bilhões de animais geneticamente similares
em confinamento (“gripe suína”, “gripe aviária” etc.). Além disso, a rápida
disseminação de vírus perigosos só é possível graças à hipermobilidade
produzida por nosso modo de vida intensivo em carbono.
Atualmente, enfrentamos o
preocupante novo coronavírus (SARS-COV-2), pandemia que já soma mais de 1
milhão mortes em todo o mundo. Para este caso, há indícios de que o vírus pode
ter “saltado” de determinados grupos de animais silvestres para as pessoas, a
partir do momento que estes foram inseridos como alimentação alternativa para
alguns grupos humanos, bem como os locais insalubres onde tais animais eram
mantidos para venda e posterior abate. Em se confirmando tais indícios, ficará
evidenciado, mais uma vez, que determinadas atitudes humanas – tais como
invadir ambientes habitados por milhares de outros organismos, bem como
utilizá-los como alternativa à mudanças provocadas por nós mesmos – têm efeitos
nocivos à natureza em geral, com implicações diretas a nossa própria saúde.
Esse cenário de pandemia do SARS-COV-2 está imprimindo à sociedade uma mudança emergencial introduzindo novos hábitos, que poderão constituir em longo prazo para minimizar a crise climática, como trabalhar de casa, videoconferências, jornadas semanais mais breves ou horários de escritório alternados para reduzir o tráfego. Mostra também que boa parcela da produção e circulação de bens materiais é supérflua, predatória e perfeitamente dispensável e revela que mecanismos de proteção social como a renda universal pode proteger trabalhadores de setores cujas atividades precisam ser ou drasticamente reduzida ou encerrada (petróleo, mineração de carvão, etc). Mas estamos longe de resolver a crise climática, tendo em vista que para isso somente uma mudança de atitude global poderia resolver o problema. Mesmo considerando uma projeção de queda de 8% nas emissões ao final deste ano, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera seria apenas ligeiramente freado, sendo necessários cortes da ordem dessa porcentagem por anos a fio para mantermos chances de conter o aquecimento global.
Que legado deixaremos às futuras gerações? Um mundo ingovernável, com eventos extremos, milhões de refugiados climáticos e pandemias frequentes? Em que não saberemos se devemos dizer “fique em casa” (para evitar contágio numa pandemia) ou “evacuem suas casas” (diante de um furacão ou incêndio florestal)? É preciso afirmar com todas as letras: como solução consistente e de longo prazo para essas duas crises – climática e sanitária – não há outro “medicamento” ou “vacina” senão mudanças de atitudes, o que exige uma autocrítica profunda acerca do nosso papel enquanto “seres pensantes” na manutenção do equilíbrio ecológico-social-econômico do nosso Planeta, cuja dinâmica sistêmica é limitada – atuando à base de fluxos (de matéria e energia) e de ciclos (carbono, nitrogênio, etc.) – em um sistema capitalista expansionista, cuja lógica é baseada na geração, concentração e acumulação de bens e riqueza em curto prazo. Nossa percepção no que diz respeito a centralidade do colapso ecológico tem que ser ampliada e a mudança no nosso modo de nos relacionarmos com a natureza, radicalmente alterada. Já! (ecodebate)
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