segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Decrescimento demoeconômico com prosperidade e regeneração ecológica

“Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista”.

A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e tem uma pegada ecológica muito maior do que a biocapacidade do Planeta. Desde a década de 1970 o mundo vive em déficit ambiental e utiliza mais recursos naturais do que a capacidade de regeneração do meio ambiente. O mundo também já ultrapassou 4 das 9 Fronteira Planetárias. Portanto, a degradação ecológica aumenta e o modelo atual de produção e consumo se torna a cada dia mais e mais insustentável.

Estamos num mundo antropicamente cheio, como mostrou Herman Daly. Para atingir o Estado Estacionário é preciso reduzir o tamanho da economia internacional. Daly mostra que o crescimento econômico está ficando deseconômico e a natureza degradada já não fornece tantos serviços ecossistêmicos (Alves, 03/06/2016). Resta saber como fazer o decrescimento.

Se houver redução do PIB e manutenção do volume da população haverá redução da renda per capita e as pessoas, em média, ficarão mais pobres. Decrescer apenas a população exigiria uma redução muito forte para equilibrar a Pegada Ecológica com a Biocapacidade, que seria inviável na prática. Mas existe um caminho que o mundo pode trilhar no sentido de promover um decrescimento demoeconômico com prosperidade econômica e social e com sustentabilidade ambiental. Vamos dar um exemplo simples, a partir de uma base real, mas que encontra muitas resistências entre os ideólogos populacionistas e desenvolvimentistas.

População mundial atingirá 8 bilhões de habitantes em 2023, segundo a Divisão de População da ONU e o PIB mundial, em poder de paridade de compra, deve ficar em US$ 147,3 trilhões, com uma renda per capita de US$ 18,4 mil. Numa situação hipotética, vamos imaginar que haja uma redução da população de 0,3% ao ano e uma redução de 0,1% ao ano do PIB entre 2024 e 2100. Como mostra o gráfico abaixo, haveria um aumento da renda per capita de US$ 18,4 mil para US$ 21,5 mil, em 76 anos, um aumento de 17%.
No mesmo período a população mundial cairia de 8 bilhões para 6,4 bilhões de habitantes (uma queda de 20% em 76 anos) e o PIB teria uma queda de US$ 147,3 trilhões para US$ 136,4 trilhões (uma redução de 7,4% em 76 anos). Ou seja, se a redução da população acontecer em ritmo mais rápido do que a queda do montante de bens e serviços produzidos anualmente, então o decrescimento demoeconômico poderia acontecer com prosperidade e aumento da renda per capita e aumento do bem-estar social e ambiental.

O mesmo exercício poderia ser feito com o decrescimento demoeconômico começando em 2030 ou 2040, etc. O exemplo é apenas para mostrar que poderia haver crescimento da renda per capita com redução simultânea dos fatores que causam degradação ambiental.

Mas evidentemente somente esta queda do PIB é pequena para eliminar o déficit ambiental que é da ordem de 70% atualmente e também é necessário reduzir o déficit social e eliminar a pobreza e a fome no mundo. Por conseguinte, além do aumento da renda per capita é preciso reduzir a concentração de renda. Se for estabelecido um sistema tributário progressivo que favoreça as parcelas mais pobres da população, teríamos uma sociedade mais igualitária em termos de renda, ao mesmo tempo em que poderíamos acabar com a fome e a pobreza.

Em relação ao meio ambiente uma queda de 7,4% no PIB seria pequena e insuficiente para eliminar o déficit ecológico. Assim medidas adicionais seriam necessárias, principalmente no sentido de restaurar os ecossistemas e descarbonizar a economia, pois a emissão de CO2 é a principal parcela da pegada ecológica. Desta forma, seria necessário adicionar medidas tais como:

Fazer uma transição da matriz energética até a eliminação do uso dos combustíveis fósseis e avançando na produção de energias renováveis e mais limpas, com baixa emissão de carbono;

Fazer uma transição na indústria automobilística dos carros com motor de combustão interna, para veículos elétricos e carros compartilhados e transporte coletivo;

Transição de uma dieta cárnea para uma dieta vegetariana ou vegana e de uma agricultura baseada em fertilizantes químicos e agrotóxicos para uma agricultura orgânica;

Transição do consumismo para a simplicidade voluntária e transição da concentração de renda para uma sociedade mais equitativa, com redução do volume de consumo conspícuo e de bens de luxo e investimento em bens e serviços que permitam a universalização do bem-estar, a economia solidária e colaborativa;

Transição da degradação para a restauração ecológica, com aumento das áreas verdes e ampliação do plantio de árvores como forma de sequestrar carbono e permitir a recuperação da biodiversidade e o incremento do bem-estar ecológico;

Reduzindo as desigualdades sociais e a violência, o Brasil poderia investir mais na saúde, na educação e no pleno emprego com trabalho decente. O país poderia ter mais sustentabilidade social e ambiental, tornando a vida mais viável e mais feliz no Planeta. A Costa Rica eliminou o exército e transformou os quartéis em escolas e o financiamento bélico em financiamento ecológico.

O mundo precisa de mais árvores e menos gente (Alves, 02/10/2019). Estudo publicado na Revista Science (Bastin et. al. 05/07/2019), restaurar as florestas do mundo em uma escala sem precedentes é a melhor solução mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Os pesquisadores afirmam que a cobertura de 900 milhões de hectares de terra – aproximadamente o tamanho dos EUA – com árvores, poderia armazenar até 205 bilhões de toneladas de carbono, cerca de dois terços do carbono que os seres humanos já colocaram na atmosfera. Ou seja, uma catástrofe climática poderia ser evitada se em vez de desmatar houvesse reflorestamento global.

Havia 6 trilhões de árvores no mundo no passado. Mas a humanidade destruiu a metade das florestas desde o crescimento exponencial da população e da economia. O número de árvores no mundo hoje em dia está em torno de três trilhões de unidades, segundo o mesmo estudo citado (Bastin et. al. 05/07/2019). Mas o pior é que os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de unidades. Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e pode eliminar todo o estoque de 3 trilhões de árvores em 300 anos.
Desta forma, é preciso estancar imediatamente a sangria do desmatamento e reverter este processo plantando árvores que funcionam com sorvedouros de carbono. A humanidade tem o dever moral (e até mesmo o instinto de sobrevivência) de repor aquilo que ela destruiu. Em vez de continuar a marcha insensata de aumento indefinido do consumo de bens conspícuos, os seres humanos precisam reduzir as taxas de fecundidade e elevar as taxas de reflorestamento e refaunação da vida selvagem (reservando 50% do Planeta para a vida selvagem).

A continuidade do desmatamento pode gerar sérias consequências. Dois físicos teóricos especializados em sistemas complexos concluíram recentemente que o desmatamento global devido às atividades humanas está a caminho de desencadear o “colapso irreversível” da civilização humana nas próximas duas a quatro décadas (Robitzski, 28/07/2020).

A economia mundial precisa perder sua obsessão pelo crescimento e perceber que a humanidade já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta. As atividades antrópicas já ultrapassaram 4 das 9 fronteiras planetárias, sendo que duas delas, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que pode ser substancialmente e persistentemente transgredido. O agravamento destas duas fronteiras fundamentais podem levar a civilização ao colapso e a uma “Terra inabitável” (Alves, 2019).

Matéria de Asher Moses, em Voices of Action (05/06/2020) mostra que o “Colapso da Civilização” é um resultado cada vez mais provável. Entrevistando o professor emérito da Universidade Nacional Australiana, Will Steffen, a matéria mostra que já estamos profundamente envolvidos na trajetória rumo ao colapso da civilização, o que já pode ser inevitável, porque 9 dos 15 pontos de inflexão climática conhecidos no mundo que regulam o estado do planeta foram ativados (figura abaixo). Há uma possibilidade de termos desencadeado “efeitos cascatas” que nos levariam a um clima menos habitável da “Terra Estufa”, independentemente de reduzirmos as emissões.
Steffen diz que levaria 30 anos na melhor das hipóteses (provavelmente 40-60 anos) para fazer a transição para zero emissão líquida, mas quando se trata de pontos de inflexão, como o gelo do Ártico, já poderíamos ter ficado sem tempo. As evidências mostram que também perderemos o controle dos pontos de inflexão da floresta amazônica, da camada de gelo da Antártica Ocidental e da Groenlândia em muito menos tempo do que nos levará a obter zero emissão líquida. Dado o momento dos sistemas terrestre e humano, e a crescente diferença entre o ‘tempo de reação’ necessário para orientar a humanidade em direção a um futuro mais sustentável, e o ‘tempo de intervenção’ deixado para evitar uma série de catástrofes no clima físico sistema (por exemplo, derretimento do gelo marinho do Ártico) e da biosfera (por exemplo, perda da Grande Barreira de Corais), já estamos aprofundados na trajetória de colapso.

Assim, o decrescimento demoeconômico tem que começar o mais rápido possível. A redução da população mundial não é nenhuma tarefa impossível. Pelo contrário, basta que a taxa de fecundidade total (TFT) fique meio filho (0,5) abaixo da projeção média para que a população mundial apresente grande redução. A projeção média da ONU estima uma população global de 10,9 bilhões de habitantes em 2100, com a TFT caindo dos atuais 2,5 filhos por mulher para 2 filhos por mulher no final do século. Contudo, se a taxa ficar meio filho menor nos próximos anos, a população mundial atingiria menos de 7 bilhões de habitantes em 2100.

A crise atual poderia ter sido evitada se o mundo tivesse dado ouvido para os ensinamentos do matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen que, em 1971, com base na segunda Lei da Termodinâmica (Lei da Entropia) mostrou que as matérias e energias entram no processo econômico em um estado de baixa entropia e saem dele em um estado de alta entropia. Por conta disto é impossível manter o crescimento continuado das atividades antrópicas na prevalência do fluxo metabólico entrópico.

Se os conselhos fornecidos pela Economia Ecológica nas décadas de 1960 e 1970 tivessem sido considerados (Alves, 2019) e se o decrescimento demoeconômico tivesse começado a ser planejado naquela época estaríamos numa situação bem melhor hoje em dia. Mas, mesmo com atraso, podemos ter esperança de que com menos gente, com redução do PIB e com regeneração dos ecossistemas, o mundo ainda poderá ter condições de evitar um colapso sistêmico global e civilizacional. (ecodebate)

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