No Brasil, depois de recuar
significativamente até meados da década passada, a fome voltou a crescer.
“De pé ó vítimas da fome; De
pé famélicos da terra” - A Internacional.
Água e comida são 2 bens
essenciais para a vida de qualquer espécie viva da Terra. A história da
humanidade é a história da luta pela sobrevivência e pela segurança alimentar.
Desde os tempos bíblicos a fome assusta as diversas populações nacionais. Na
Revolução Francesa o povo foi para as ruas dizer que não tinha pão para comer e
a alienada rainha Maria Antonieta deu como alternativa comer brioche.
Historicamente, a fome está sempre associada à revoltas e revoluções. Aumento
da carestia é sempre um alerta.
O Índice de Preços de
Alimentos da FAO (FFPI) é uma medida da variação mensal dos preços
internacionais de uma cesta de commodities alimentares. Consiste na média de
cinco índices de preços de grupos de commodities ponderados pelas participações
médias de exportação de cada um dos grupos no período 2014-2016. Ele é um
importante indicador da segurança alimentar no mundo.
Na década de 1880 o número de
vítimas caiu para menos de 3 milhões, mas voltou a subir para quase 10 milhões
na década de 1890. Surpreendentemente, o número de óbitos por fome diminuiu na
década de 1910 – quando houve a Primeira Guerra Mundial – mesmo sendo o número
de 2,6 milhões ainda muito elevado. Na década de 1920 a fome cresceu muito
novamente, atingindo 16 milhões de vítimas fatais devido, principalmente, à
situação da União Soviética e da China. Na década de 1940 – quando aconteceu a
Segunda Guerra Mundial – a fome bateu todos os recordes do século XX, com 18,6
milhões de vítimas. Na década de 1960 a fome voltou a assustar, mas
principalmente pela grande crise provocada pelos equívocos da política de “Um
grande salto para frente” da China. Passado a grande tragédia na China na década
de 1960, o número de vítimas da insegurança alimentar diminuiu muito no mundo
nas décadas seguintes, sendo que o número de mortes atingiu o menor nível na
década passada (2011-20).
Porém, as conquistas do
último século podem não durar para sempre. O pandemônio econômico provocado
pela covid-19 tem desarticulado a cadeia de produção de vários produtos e tem
gerado aumento do preço global da comida, devido a 5 fatores: aumento dos
custos de produção e transporte; desorganização da cadeia produtiva global (gerando
gargalos na produção e distribuição); aumento do preço do petróleo; danos
causados pela crise ambiental; e desvalorização cambial.
O fato é que está cada vez
mais difícil produzir alimentos de forma sustentável. O relatório “Climate
Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
da ONU (08/08/2019) – que trata da conexão entre o uso da terra e seus efeitos
sobre a mudança climática – mostra que existe um efeito perverso de
retroalimentação entre as duas coisas, pois a produção de alimentos aumenta o
aquecimento global, enquanto as mudanças climáticas decorrentes ameaçam a
produção de alimentos.
O relatório do IPCC mostra,
de forma inquestionável, que o crescimento da população mundial e o aumento do
consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado
taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente
respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce. Adicionalmente, o
aumento da produção e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das
emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas
naturais e diminuição da biodiversidade. O sistema alimentar responde por cerca
de 30% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e 80% do desmatamento
global.
Trabalho acadêmico publicado
na prestigiosa revista Nature Sustainability (Gerten et. al, 2020) mostra que o
sistema alimentar mundial atual pode alimentar apenas 3,4 bilhões de pessoas
sem transgredir os principais limites planetários, de acordo com uma análise do
sistema agrícola global. Todavia, a reorganização da produção de alimentos –
alterando a forma de cultivar e modificando a dieta cotidiana predominante –
possibilitaria alimentar até 10 bilhões de pessoas de forma sustentável.
No Brasil, depois de recuar significativamente até meados da década passada, a fome voltou a crescer. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan) mostra que houve um retrocesso acentuado nos dois últimos anos, pois, de 2013 a 2018, a insegurança alimentar teve aumento de 8% ao ano, mas de 2018 a 2020, esse crescimento acelerou, sobretudo na modalidade severa, e o total de pessoas com fome saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões, conforme mostra o gráfico abaixo.
O relatório FAO-WFP Hunger Hotspots faz uma análise antecipada e prospectiva de países e situações, chamados de hotspots, onde a insegurança alimentar aguda deve piorar nos próximos meses. Esses pontos são identificados por meio de uma análise baseada em consenso dos principais fatores de insegurança alimentar e sua provável combinação e evolução entre países e regiões. Olhando para o período de março a julho de 2021, há 20 países e situações onde há uma probabilidade de maior deterioração da insegurança alimentar aguda, devido a múltiplas causas da fome que estão interligados ou se reforçam mutuamente. Estes são principalmente conflitos dinâmicos, choques econômicos, impactos socioeconômicos da COVID19, extremos climáticos e a difusão de pragas vegetais e doenças em animais. Um grupo específico de pontos críticos – destacados na figura abaixo, são particularmente preocupantes devido à escala, gravidade e tendências das crises alimentares existentes. Em algumas áreas desses países, partes da população estão experimentando uma situação crítica de fome, com esgotamento extremo dos meios de subsistência, consumo insuficiente de alimentos e desnutrição aguda elevada.
No Brasil, em 2020, o preço do arroz e do feijão – produtos essenciais na mesa da maioria dos brasileiros subiram bem acima da inflação, assim como os hortifrutis e o preço das carnes e dos ovos. A situação é mais grave, pois o auxílio emergencial tem valor baixo e não cobre todas as pessoas necessitadas. Existem 32 milhões de pessoas desempregadas ou desalentadas (subutilizadas). Existe um barril de pólvora no país.
Segundo Relatório do NECSI
(New England Complex Systems Institute) publicado em 28/09/2012, há uma
correlação importante entre o aumento do preço dos alimentos, calculados pela
FAO e a ocorrência de protestos em todo o mundo, conforme mostra o gráfico
abaixo. Sempre que o índice da FAO sobe, ocorrem manifestações. Pior é quando
se conjuga crise econômica, crise ambiental e crise social em numa situação de
enorme desigualdade de renda e bem-estar. Por exemplo, o gatilho que detonou a
Primavera Árabe foi o aumento do preço da comida. Na Tunísia, o início das
manifestações começou após a imolação do jovem Mohamed Bouazizi, de 26 anos,
vendedor ambulante de frutas e verduras, em Sidi Bouzid. Entre dezembro de 2010
e janeiro de 2011, a revolução na Tunísia provocou a saída do presidente da
República, Zine el-Abidine Ben Ali, que controlava o poder desde 1987.
Como mostraram Martine e
Alves (Rebep, 2015) o debate sobre população, fome e meio ambiente é antigo e,
em 2013, houve um debate durante a XXVII Conferência da IUSSP – International
Union for the Scientific Study of Population, onde foi organizada uma plenária
para debater a seguinte afirmação: “Para os países em desenvolvimento, o
desenvolvimento econômico precisa ser uma prioridade maior do que a proteção do
ambiente e a conservação dos recursos naturais”. O demógrafo David Lam defendeu
a ideia de que é possível conciliar o desenvolvimento com o meio ambiente e que
o preço dos alimentos iria diminuir. Já o demógrafo Stan Becker defendeu as
posições opostas. Eles fizeram uma aposta, com Lam defendendo que o preço dos
alimentos iria diminuir e Becker defendendo a ideia de que o preço dos
alimentos continuaria alto, assim como a insegurança alimentar. No dia
09/04/2021 a IUSSP e a PAA organizaram o “Webinar on Population, Food and the
Environment” onde ficou claro que a perspectiva de Stan Becker venceu, pois o
preço dos alimentos continua alto e subindo.
O mundo inteiro está passando
por um repique da insegurança alimentar. Com o agravamento da 2ª onda da
pandemia no Brasil nos primeiros meses de 2021 e com o rescaldo da maior
recessão econômica em um século, os brasileiros vão viver uma situação amarga.
A possibilidade de revoltas é enorme. O clima no país está conturbado. O
ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou que o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, tome uma atitude e instaure a CPI, proposta pelo senador
Randolfe Rodrigues que investigará os crimes de Bolsonaro durante a pandemia.
Na segunda-feira, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) divulgou um novo trecho
do áudio de uma conversa com o presidente Jair Bolsonaro sobre a CPI da
Pandemia, onde Bolsonaro xinga o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e ameaça
agredi-lo.
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