Mudanças climáticas: os
preocupantes sinais que unem frio recorde no Brasil a enchentes e calor pelo
mundo.
A onda de frio extremo que
chega ao Sul e Sudeste do Brasil nesta semana poderá fazer com que alguns
brasileiros questionem se o planeta está, de fato, aquecendo. Sim, está — e há
fortes indícios de que a onda de frio seja ela mesma intensificada pelas
mudanças climáticas em curso.
A onda deve derrubar as
temperaturas nos estados do Sul, Sudeste e de parte do Centro-Oeste até
01/08/21.
Nas serras catarinense e
gaúcha, as mínimas previstas são de -10ºC, com sensação térmica de até -25ºC,
enquanto Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Belo
Horizonte e Vitória devem registrar as menores temperaturas do ano.
Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=PN4N-M9Gzik.
Será a segunda onda de frio intenso a atingir a região em menos de um mês. Em 30/06/2021, várias cidades do Sul e Sudeste tiveram as menores temperaturas dos últimos anos — marcas que agora poderão ser batidas pela nova onda.
O frio extremo atinge o sul
do Brasil enquanto, no Hemisfério Norte, vários países registram recordes de
calor e de volume de chuvas.
No Canadá, os termômetros na cidade de Lytton mediram 49,6ºC no fim de junho, marca que superou em 4,6ºC a temperatura mais alta registrada no país até então.
Praia do Canadá com moluscos mortos após onda de calor no fim de junho de 2021.
Poucas semanas depois, chuvas muito acima dos padrões inundaram cidades na Alemanha e na China. Os eventos extremos nos 3 países provocaram centenas de mortes.
Danos e destroços de enchentes perto do rio Ahr, na cidade de Bad Neuenahr, Alemanha 18/07/2021.
É mais fácil entender como as
mudanças climáticas favorecem recordes de calor e de chuva.
Intensificados nas últimas
décadas, a queima de combustíveis fósseis (como o petróleo e o carvão) e o
desmatamento ampliam a quantidade na atmosfera de gases causadores do chamado
efeito estufa.
Esses gases dificultam a
dispersão do calor dos raios solares que atingem o planeta, o que tende a
aumentar a temperatura no globo como um todo.
Temperaturas mais altas, por sua vez, aceleram a evaporação da água, o que facilita a ocorrência de temporais.
Carros tentam cruzar via inundada em frente a centro comercial de Zhengzhou, China 20/07/2021.
A temperatura da Terra já
subiu cerca de 1,2ºC desde o início da era industrial, e as temperaturas devem
continuar aumentando a menos que os governos ao redor do mundo tomem medidas
para reduzir as emissões. Porém, o aumento das temperaturas médias não quer
dizer que ondas de frio não continuarão a ocorrer — nem mesmo que elas não
possam se intensificar em situações específicas.
É o caso da massa polar que
chega ao Brasil nesta semana, diz à BBC News Brasil o geógrafo e climatologista
Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul/UFRGS.
Aquino foi um dos primeiros
pesquisadores a estudar as conexões climáticas entre o sul do Brasil e
Península Antártica — tema de sua tese de doutorado, em 2012.
Ele diz que, ao longo do ano,
massas de ar circulam em sentido horário entre as duas regiões: o sul do Brasil
envia à Antártida massas de ar quente e recebe dela massas de ar frio.
Segundo Aquino, a velocidade
dessa circulação se acelera conforme a mudança climática eleva a temperatura no
Brasil no inverno, época do ano em que a Antártida está bem gelada por não
receber qualquer insolação.
Além disso, o calor acima do habitual no sul do Brasil "perturba" o sistema de trocas, induzindo o ar quente a entrar na Antártida e abrindo o caminho para a chegada de ar frio.
Não por acaso, diz ele, exceto pelas ondas pontuais de frio de 2021, o centro-sul do Brasil tem tido um inverno mais quente que a média — o que também tem ocorrido nos últimos anos.
Na véspera da chegada desta
massa polar, os termômetros em cidades como Porto Alegre e São Paulo beiravam
os 30ºC. Em pleno inverno.
Outro ponto que tende a
ampliar o impacto desta onda de frio, diz Aquino, é que a massa que chega ao
país se resfriou ainda mais ao passar pelo mar de Weddell — uma das regiões
mais geladas da Antártida.
As condições são tão
propícias ao avanço da massa, diz ele, que a onda deve derrubar as temperaturas
até o sul da Amazônia.
Aquino afirma que
especialistas já previam há cerca de 15 anos a ocorrência dos eventos que hoje
observamos no centro-sul do Brasil — incluindo ondas de frio extremo em meio a
invernos quentes e secos.
"Caminhamos para um
cenário de estiagens mais longas e secas no Brasil, com o desmatamento e as
queimadas intensificando esses processos", ele diz.
Aquino afirma que o planeta
caminha rumo aos "limiares mais perigosos possíveis" dos cenários
projetados para 2030 ou 2050.
Embora o Acordo de Paris
tenha estabelecido a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação
aos padrões pré-industriais, ele diz que os esforços foram comprometidos pelos
anos em que Donald Trump exerceu a presidência nos EUA.
Trump retirou os EUA do
acordo e estimulou setores poluentes, o que atrasou a implantação das metas
mundo afora.
"O que a comunidade científica entende hoje é que com certeza vamos ultrapassar os 1,5° ou 2°C".
Para Aquino, os eventos extremos em curso "já dão sinais de que as mudanças podem ser mais intensas do que as previstas pelos cenários muito piores". (g1)
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