Em
quase 10 anos de colaboração no Portal EcoDebate, chego ao artigo de número
mil. Durante esta década de reflexões sobre os temas de população,
desenvolvimento e meio ambiente foi ficando claro que são enormes e
diversificados os desafios para a redução da pobreza, para a promoção da
equidade social em todas as suas formas e para garantir a justiça e a
sustentabilidade ambiental. Porém, há que se destacar dois problemas urgentes –
tipo espadas de Dâmocles – que se constituem em duas ameaças básicas à
continuidade dos avanços civilizacionais e à biodiversidade da vida na Terra:
as mudanças climáticas e o ecocídio.
Estas
duas ameaças não brotaram do nada, mas, sim, foram sendo gestadas nos últimos
250 anos, desde o início da Revolução Industrial e Energética surgida na
segunda metade do século XVIII. O gráfico acima mostra o impressionante
crescimento demoeconômico ocorrido entre 1769 e 2019. O ano de 1769 é
considerado um marco, pois foi quando James Watt patenteou a máquina a vapor,
dando início ao uso em larga escala dos combustíveis fósseis (na época carvão
mineral).
1. Mudanças
climáticas e aquecimento global
O florescimento da civilização humana ocorreu nos últimos 12 mil anos e só foi possível devido à estabilidade climática prevalecente no Holoceno. Em 12 milênios, a variação climática ficou restrita à 0,5ºC, para cima ou para baixo, em relação à média do século XX. O gráfico abaixo mostra, contudo, que o mundo ruma para a temperatura mais alta dos últimos 5 milhões de anos. O Antropoceno está rompendo com o equilíbrio climático que houve no Holoceno e que possibilitou o florescimento da civilização humana.
Os últimos 5 anos (2014 a 2018) foram os mais quentes já registrados (2019, provavelmente, será o terceiro ano mais quente). Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a civilização estará no caminho de uma catástrofe. Como mostrou o jornalista David Wallace-Wells, a Terra pode se tornar um lugar inabitável ou terrivelmente inóspito.
Um
estudo das universidades de New South Wales, na Austrália, e de Purdue, nos
Estados Unidos, publicado na “Proceedings of the National Academy of Sciences”,
em 2010, afirma um aumento de apenas 4ºC medidos por um termômetro úmido
levaria metade da população mundial a enfrentar um calor equivalente a máximas
registradas em poucos locais atualmente. Embora seja improvável que isso
aconteça ainda neste século, é possível que já no próximo, várias regiões
estejam sob calor intolerável para humanos e outros mamíferos. O estudo também
ressalta que o calor já é uma das principais causas de morte por fenômenos
naturais e que muitos acreditam, erroneamente, que a humanidade pode
simplesmente se adaptar a temperaturas mais altas. A fisiologia humana não
suporta temperaturas acima de 50ºC. Ou seja, o aquecimento global pode deixar
até metade do planeta inabitável.
Acompanhando
o aumento médio da temperatura global, as ondas de calor ficaram, cada vez
mais, frequentes. A duração, a frequência e a intensidade das mesmas
provavelmente aumentarão na maioria das zonas terrestres ao longo deste século
antecipando o “cenário de Mad Max” em diversas regiões do Planeta. Hoje em dia,
já dá para notar o aumento da intensidade e da frequência de furacões, tufões e
ciclones, além de tempestades e tornados que devastam o território e a
qualidade de vida de milhões de pessoas.
A
última vez que a temperatura ultrapassou os 2º C, no Planeta, foi no período
Eemiano (há cerca de 120 mil anos) e provocou o aumento do nível dos oceanos em
algo entre 5 e 9 metros. Tudo indica que a temperatura no século XXI vai
ultrapassar os 2º C em relação ao período pré-industrial. Os prejuízos poderão
ser incalculáveis tanto nas áreas urbanas, quanto rurais. A fome pode voltar a
assustar grande parte da população mundial.
E o mais grave é que uma Terra inabitável e inóspita levará a autodestruição humana, mas também pode levar junto milhões de espécies que nada tem a ver com os erros egoísticos dos humanos que se julgam seres superiores e mais inteligentes. A humanidade pode estar rumando para o suicídio, podendo também gerar um ecocídio e um holocausto biológico de proporções épicas.
2.Ecocídio e a 6ª extinção em massa
Existe
uma grande desigualdade entre as espécies da Terra, pois enquanto cresce a
população humana, definham as populações não humanas. Segundo Ron Patterson
(2014): “Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de
um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são
97%”. A jornalista Elizabeth Kolbert, no livro The Sixth Extinction, documenta
o processo de extinção das espécies que ocorre com o avanço da civilização.
O
Ecocídio é um crime que acontece contra as espécies animais e vegetais do
Planeta. Esse crime se espalha no mundo em uma escala maciça e a cada dia fica
pior. Exatamente por isto, cresce a consciência de que é preciso mudar o modelo
de desenvolvimento que adota um padrão de produção e consumo danoso para o meio
ambiente e que é responsável pelo aumento da destruição da vida na Terra. Para
tanto, é preciso considerar o Ecocídio um crime contra a paz, um crime contra a
natureza e um crime contra a humanidade e as futuras gerações. O site
“Eradicating Ecocide” considera ser necessário a aprovação de uma lei
internacional contra o Ecocídio para fazer com que os dirigentes de empresas e
os chefes de Estado sejam legalmente responsáveis por proteger a Terra e as
espécies não humanas.
O crime
do especismo é equivalente aos crimes de racismo, sexismo, classismo,
homofobismo, escravismo, etc. Recentemente foi criado um site para incentivar a
mobilização contra a discriminação das espécies, definindo o dia 22 de agosto
de 2015, como o “Dia mundial contra o Especismo”. A humanidade ocupa cada vez
mais espaço no Planeta e tem prejudicado de forma danosa todas as demais formas
de vida ecossistêmicas. O ser humano está reincidindo cotidianamente nos crimes
do especismo e do ecocídio. Se a dinâmica demográfica e econômica continuar
sufocando a dinâmica biológica e ecológica a civilização caminhará para o
abismo e o suicídio. Porém, antes de o Antropoceno provocar uma extinção em
massa da vida na Terra é preciso uma ação radical no sentido conter a ganância
egoística, garantir a saúde do meio ambiente e a livre evolução da
biodiversidade.
O
último Relatório Planeta Vivo (2018) divulgado pelo Fundo Mundial para a
Natureza (WWF), mostra que o avanço da produção e consumo da humanidade tem
provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado uma
aniquilação da vida selvagem: as populações de vertebrados silvestres, como
mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 60%
entre 1970 e 2014.
Confirmando
o impacto devastador das atividades humanas sobre a natureza, a Plataforma
Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na
sigla em inglês), da ONU, mostrou que há 1 milhão de espécies ameaçadas de
extinção. O relatório elaborado nos últimos três anos, e divulgado em maio de
2019, fez uma avaliação do ecossistema mundial, com base na análise de 15 mil
materiais de referência.
O
documento afirma que, embora a Terra tenha sofrido sempre com as ações dos
seres humanos ao longo da história, nos últimos 50 anos os arranhões se
tornaram cicatrizes profundas. A população mundial dobrou desde 1970, a
economia global quadruplicou e o comércio internacional está dez vezes maior.
Para alimentar, vestir e fornecer energia a este mundo em expansão, florestas
foram derrubadas num ritmo surpreendente, especialmente em áreas tropicais.
Entre 1980 e 2000, 100 milhões de hectares de floresta tropical foram perdidos,
principalmente por causa da pecuária na América do Sul e plantações de palmeira
de dendê no sudeste da Ásia.
A situação dos pântanos é ainda pior – apenas 13% dos que existiam em 1700 estavam conservados no ano 2000. O aumento dos plásticos nos oceanos é de tal ordem que em um futuro próximo haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos. Portanto, toda a ação humana está matando mais espécies do que nunca. Cerca de 25% dos animais e plantas se encontram agora ameaçados.
O que é um Ecocídio?
As
tendências globais em relação às populações de insetos não são conhecidas, mas
foram registrados declínios acelerados em algumas regiões. O desaparecimento
das abelhas, por exemplo, é não só um crime de ecocídio, mas também uma ameaça
à própria alimentação humana, que depende dos polinizadores para viabilizar
montantes crescentes de comida para a população mundial.
Ainda
segundo o cientista Will Steffen (06/06/2019), membro sênior do Centro de
Resiliência de Estocolmo, tratando do aumento temperatura média da Terra que
ultrapassou 1ºC, desde 1880, a taxa crescente em que as temperaturas estão
subindo só agravam os problemas na biosfera. Ele diz que a humanidade está
erodindo os próprios fundamentos da economia, afetando os meios de
subsistência, a disponibilidade de alimentos, a segurança, a saúde e qualidade
de vida em decorrência de “sistema econômico predatório” e completa:
“Precisamos nos livrar dessa ideia de recursos, recursos, recursos. Precisamos
ser regenerativos por projeto e é assim que o sistema econômico do século 21
deve funcionar”.
Artigo
de Nafeez Ahmed (03/06/2019), resenha uma análise sobre as mudanças climáticas
– escrita por um ex-executivo de empresa de combustíveis fósseis e apoiada pelo
ex-chefe das forças armadas da Austrália – mostrando que a civilização humana
pode entrar em colapso nas próximas décadas devido à mudança climática. A
análise, publicada pelo Centro Nacional Breakthrough para a Restauração do
Clima, um think-tank em Melbourne, Austrália, descreve as mudanças climáticas
como “uma ameaça existencial de médio prazo à civilização humana”. O documento
argumenta que os “resultados extremamente sérios” das ameaças à segurança,
relacionadas ao clima são, com frequência, muito mais prováveis do que o
convencionalmente assumido, mas quase impossível de quantificar porque “estão
fora da experiência humana dos últimos mil anos”. Na atual trajetória, adverte
o relatório, “os sistemas planetário e humano devem atingir um ‘ponto de não
retorno’ até meados do século, no qual a perspectiva de uma Terra praticamente
inabitável leva ao colapso das nações e da ordem internacional”.
Portanto,
o avanço do progresso humano vai esbarrar em duas barreiras nas próximas
décadas, que são as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. A ideia
utópica de uma harmonia entre o crescimento da população e o desenvolvimento está se
transformando em uma distopia, pois o desenvolvimento sustentável virou um
oximoro.
Até
2100 a população mundial deve atingir mais de 11 bilhões de habitantes. Se o
“sistema econômico hegemônico” (modelo “Extrai-Produz-Descarta” com
desigualdade social) conseguir incluir todas estas pessoas no padrão médio de
consumo a demanda por recursos naturais será enorme e o impacto sobre a
degradação do meio ambiente pode ser irreversível. Se a maioria destas pessoas
ficarem de fora das “benesses” do capitalismo, haverá uma grande revolta social
e uma grande disputa entre os povos do mundo. O fato é que vivemos numa
sociedade de risco que gera negatividades crescentes.
Assim como o desenvolvimento sustentável se tornou uma contradição em termos, o tripé da sustentabilidade virou um trilema, segundo Martine e Alves (2015).
Nosso Futuro Roubado
"Ecocídio"
poderá se tornar um crime internacional contra o meio ambiente?
Uma
“Terra estufa” e com menos biodiversidade será não só um lugar mais triste para
se habitar, como poderá ser a Era de um colapso civilizacional e de uma
apocalipse ambiental. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário