Relatório
elaborado por GT da sociedade civil que monitora os objetivos de
desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 aponta que o país não avançou
significativamente em nenhuma das 169 metas pactuadas
O
Brasil não avançou satisfatoriamente em nenhuma das metas dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável/ODS da chamada Agenda 2030 da Organização das
Nações Unidas/ONU. É o que aponta o Relatório Luz 2021, lançado em 12/07/21
durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados.
Documento
foi produzido pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030,
formado por organizações não-governamentais, movimentos sociais, fóruns e
universidades. O GT faz o monitoramento das metas previstas no compromisso
assinado por inúmeros países, entre eles o Brasil, durante a Cúpula das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em 2015.
Segundo
o relatório, das 169 metas previstas nos 17 objetivos de desenvolvimento
sustentável a serem atingidas até 2030, 54,4% estão em retrocesso, 16% estão
estagnadas, 12,4% ameaçadas, por exemplo, por cortes de verbas e
descontinuidade de políticas públicas e 7,7% tiveram progresso insuficiente. 15
metas, ou 8,9% do total, não puderam ser avaliadas por falta de informações
disponíveis.
Escolhas
políticas
“A
gente tem o cenário da pandemia dificultando, mas na verdade é um processo que
já estava em curso antes. A pandemia só escancarou. Essa fotografia do Brasil
que a gente faz em 2021 é o resultado de diversos ataques a proteção de
direitos, do arcabouço legal, desregulamentação das instâncias fiscalizadoras e
de políticas estratégicas que temos visto no país nos últimos anos”, afirma
Laura Cury, assessora de relações internacionais da organização
não-governamental ACT Promoção da Saúde, integrante do GT que produz o
Relatório Luz anualmente. “Esses resultados são fruto de escolhas políticas”,
ressalta.
São 17
objetivos de desenvolvimento sustentável, que se dividem, segundo Laura, em
três eixos: o primeiro reúne aqueles ligados à dimensão social, como a
erradicação da pobreza e da fome, melhoria de indicadores de saúde e de
educação de qualidade, igualdade de gênero, entre outros; o segundo enfoca a
questão ambiental, com objetivos ligados a redução de emissão de gases de
efeito estufa, acesso à água potável e saneamento e preservação da vida na
terra e na água; já o terceiro eixo se refere a uma dimensão econômica, com
metas ligadas a proteção do trabalho decente, crescimento econômico sustentável
e infraestrutura. “Mas o que a gente sempre salienta é que eles são integrados
e indivisíveis. Não consigo falar em dar saúde e bem-estar para uma população
se eu não tiver falando também de pobreza, de fome, de desigualdade entre
gênero raça, etnia, sexualidade”, ressalta Laura. Segundo ela, são metas que dialogam
diretamente com o que prega a Constituição Federal de 1988. “Elas não vêm de
fora e estão sendo impostas. É uma agenda que, ainda que em outras palavras,
está na nossa Constituição: é o direito à saúde, à educação, à moradia tudo
isso está previsto constitucionalmente, mas esses princípios vêm sendo
sistematicamente desrespeitados”, assinala.
Saúde
O objetivo de número três é o que se refere mais diretamente à saúde: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades”. De acordo com o Relatório Luz 2021, nele estão previstas 13 metas, das quais seis estão em retrocesso no país. Uma delas é a de reduzir a mortalidade materna para menos de 70 para cada 100 mil nascidos vivos até 2030. De acordo com o relatório, no entanto, a mortalidade materna cresceu 5,6% no país entre janeiro e agosto de 2020 e o mesmo período de 2019. Um aumento nas taxas mortalidade de crianças com menos de um ano e de crianças entre um e quatro anos no período também significou retrocessos para a meta que pretende acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de cinco anos até 2030. “A vacinação no Brasil caiu 12% em 2020, é o quinto ano de declínio, o que impacta a questão das doenças transmissíveis; tivemos redução dos serviços e insumos para saúde sexual e reprodutiva, que também significa retrocesso para a meta de dar acesso universal a esses serviços”, destaca Laura. E completa: “E um dado que a gente tem colocado como bastante relevante é que R$22,8 bilhões do orçamento que deveria ter ido para o SUS em 2020 não foi executado. São recursos que poderiam ter aumentado o número de vacinas, de kits de intubação, de máscaras, de leito de hospital. O desfinanciamento do SUS é outra coisa que a gente fala ano após ano, e mais do que nunca ele sua capacidade de dar respostas”.
Brasil não avançou em nenhuma das metas de desenvolvimento sustentável da ONU.
Educação
Na
educação, um cenário ainda pior: de 10 metas, sete estão em retrocesso, duas
ameaçadas e uma estagnada. “Claro que havia uma exclusão que já crescia antes
da pandemia, mas ela pandemia aumentou as desigualdades em termos de classe
socioeconômica, de raça, de gênero. A gente também vê aumento na distorção com
relação à idade e o ano escolar; dificuldades relacionadas a questão de acesso
à internet, por exemplo, durante a pandemia, com a dificuldade de conseguir
assistir aula online principalmente para uma população que não tem acesso a
internet de qualidade”, diz Laura. A meta referente a garantia da igualdade de
acesso para todos à educação técnica, profissional e superior, que já vinha
retrocedendo em anos anteriores, teve novamente um retrocesso em 2020, muito
por conta dos cortes orçamentários que afetam a todos os segmentos da educação:
na educação profissional técnica de nível médio, por exemplo, o relatório cita
uma queda na execução financeira, de R$ 15 bilhões em 2016 para R$ 13,3 bi em
2020. NA educação superior, a execução financeira em 2020 foi de R$ 34 bilhões,
contra R$ 38 bi em 2016.
Outra
meta que vem enfrentando retrocessos desde 2019, aponta o relatório, é a que se
refere ao promoção de uma educação para o desenvolvimento sustentável, que
reforce conhecimentos relacionados a temas como direitos humanos, igualdade de
gênero e valorização da diversidade cultural, entre outros. O documento cita o
esvaziamento de políticas voltadas a promoção da discussão sobre gênero e
sexualidade nas escolas e também o fomento, pelo poder público, de iniciativas
como o “Escola sem Partido”, além de políticas de ampliação das escolas
militarizadas como determinantes para esse cenário.
Trabalho
Entre as metas previstas no objetivo oito, que prega a promoção do crescimento econômico sustentado, com emprego pleno e trabalho decente para todos, também não há o que se comemorar, segundo o relatório. Dos 12 compromissos, oito enfrentaram retrocessos no período. Isso por conta do crescimento recorde das taxas de desemprego, que chegaram a 14% em 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). NO período também houve redução da participação de jovens entre 18 e 24 anos no mercado de trabalho e um aumento no número de jovens fora da força de trabalho, segundo o IBGE, também representou retrocessos na meta referentes à esse tema. O relatório denuncia ainda um aumento no número de acidentes de trabalho de 576 mil em 2018 para 700 mil em 2020. Cortes orçamentários e de pessoal nas áreas de fiscalização do trabalho escravo e do trabalho infantil do Ministério Público do Trabalho fizeram com essas metas também sofressem retrocessos no período.
Parte do problema
Laura Cury chama atenção também para os retrocessos na questão ambiental, nas quais o Brasil já foi um protagonista de negociações em âmbito internacional. “O Brasil já teve um protagonismo tão grande em negociações internacionais no âmbito ambiental, mais recentemente com a Rio+20, e está muito aquém do que poderia fazer. Vemos um aumento nos desmatamentos, nas queimadas, que mostram um esvaziamento muito grande das instâncias de proteção do meio ambiente e de controle e participação social não só na área ambiental, mas em várias outras. E isso também é escolha política”, afirma a integrante do GT da sociedade civil para a Agenda 2030. E completa: “O Brasil deixou de ser um país que fazia parte das soluções e hoje se apresenta como um problema para o mundo, com a OMS inclusive classificando o Brasil recentemente como uma ameaça por conta da emergência das novas cepas da Covid-19 e por conta do passo muito lento de vacinação. Em vários sentidos, o Brasil passa a ser um problema”, alerta Laura, ressaltando, contudo, que o cenário é possível de ser revertido. “É um diagnóstico muito duro que a gente faz, mas ao mesmo tempo nós acreditamos que é possível reverter, se a gente conseguisse de fato implementar políticas públicas que inclusive, já existem em muitos casos. É só fortalecer, valorizar, dar um financiamento adequado para conseguir avançar e colocar o país de volta no rumo do desenvolvimento sustentável”, defende. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário