Estudo investiga elo entre
eventos de frio extremo e aquecimento global.
A paisagem de diversas
cidades do Sul e Sudeste do Brasil nas últimas semanas ficou mais esbranquiçada
do que nunca. Às 4hs de 29/07/21, Bom Jardim da Serra, em Santa Catarina,
amanheceu com -8,6ºC, a menor temperatura registrada em solo brasileiro em
2021, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Mas a forte massa polar que
cobriu de neve as ruas do município catarinense — e de outras dezenas — não é
exclusividade do país: estima-se que, nas últimas décadas, eventos climáticos
de frio extremo tornaram-se mais frequentes em quase todo o planeta.
É o caso, por exemplo, de
dois surtos de ar frio oriundos da Sibéria que, entre o final de dezembro de
2020 e meados de janeiro de 2021, atingiram consecutivamente o Leste Asiático,
quebrando recordes de temperatura e causando fortes ventanias. Em 07/01, Pequim
e Tianjin, na China, registraram temperaturas extremas de -19,6ºC e -19,9ºC,
respectivamente — os valores mais baixos observados desde 1967 nas duas
localidades.
Esses eventos climáticos mal
haviam terminado quando, em fevereiro/2021, massas de ar frio causariam
tempestades de neve e gelo históricas nas Grandes Planícies e Extremo Sul da
América do Norte. No dia 15 daquele mês, as cidades de Austin e Houston, nos
Estados Unidos, quebraram seus recordes de frio desde 1908 e 1905,
respectivamente, ao registrar -6,7ºC e -7,8ºC.
A gravidade e os impactos
socioeconômicos significativamente altos desses três eventos foram tamanhos a
ponto de serem apontados como episódios de frio extremo “sem precedentes
durante a última metade do século 21” em um estudo publicado no periódico
científico Advances in Atmospheric Sciences em 09/09/21.
Uma vez que ocorreram
sucessivamente ao longo do inverno no Hemisfério Norte, o trio é tido como uma
“boa janela” para investigar uma questão que inquieta cientistas do clima há
décadas: eventos de frio extremo são um efeito do aquecimento global ou uma
variabilidade natural no sistema climático?
Para ajudar a elucidar o
cenário, os autores da investigação compararam dados disponíveis do inverno
deste ano com os últimos 42 invernos. Os resultados sugerem que a ocorrência e
a persistência inesperada desses três eventos podem ser atribuídas a dois
fatores: condições anômalas térmicas observadas no Oceano Atlântico e no Oceano
Pacífico, e processos interativos de circulação atmosférica na latitude
inferior do Ártico, que foram influenciados por um grande aquecimento
estratosférico súbito (SSW, na sigla em inglês).
"Anomalias nas
temperaturas do oceano"
Embora os três eventos
estivessem ligados a um episódio repentino de aquecimento estratosférico, os
pesquisadores notaram que os efeitos associados ao vértice polar (área de ar
frio de baixa pressão nos polos do planeta e que fica mais fraca no verão e
mais forte durante o inverno) foram diferentes em cada um. No primeiro surto de
frio no Leste Asiático, o ar frio polar modulou o jato de latitude média para
direcioná-lo rumo ao sul; no segundo, o vórtice polar se dividiu, aprofundando
uma região de baixa pressão e se misturando ao ar ártico mais gelado. Por fim,
na América do Norte, o vértice polar também se dividiu, mas deslocou-se mais
para o sul dos Estados Unidos.
“O estudo mostra que anomalias nas temperaturas do oceano, além da circulação atmosférica em grande escala, podem desempenhar um papel fundamental em eventos climáticos extremos”, avalia, em comunicado, Anette Rinke, cientista sênior do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, e coautora da pesquisa.
Gráfico mostra temperatura média diária do ar na superfície (SAT; a 2 m, em °C) em (a) 30/12/2020 e (b) 07/01/2021 no Leste Asiático (90° –145° E; 25° –55° N). (c) Média do SAT médio diário durante entre 12 e 15/02/2021 na América do Norte (125° -70° W; 25° –55° N). (Foto: Advances in Atmospheric Sciences)
De acordo com o estudo, a
maioria das investigações atuais sobre as causas de episódios de frio extremo
concentra-se principalmente em “detectar uma relação de efeito de força única
entre o gelo marinho e as anomalias da circulação atmosférica, sem a inclusão
de outros mecanismos de força oceânica simultâneos e processos atmosféricos
interativos essenciais”.
Por isso, os pesquisadores acreditam que os resultados obtidos podem ter implicações significativas para uma melhor compreensão e previsibilidade de eventos de frio extremo durante o inverno, que ocorrem de forma intermitente ao longo da história — e não só de frio. “Embora os eventos possam ser diferentes, eles podem compartilhar mecanismos subjacentes semelhantes, que estão relacionados ao aquecimento global”, avalia Zhe Han, cientista do Instituto de Física Atmosférica da Academia Chinesa de Ciências.
"Junto com o aquecimento, a amplificação do Ártico e as anomalias térmicas oceânicas intensificadas podem interagir com a circulação atmosférica, como o vórtice polar e o repentino aquecimento estratosférico, para causar a ocorrência de eventos extremos de frio ou calor", acrescenta o autor do estudo. (revistagalileu)
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